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Pandemia pede diálogo e construção de soluções coletivas para a Educação

Fechadas, escolas recorrem a aulas online para manter calendário, enquanto Alerj discute redução temporária nas mensalidades

Geral
Por Marcos Curvello
20 de abril de 2020 - 0h01

Rafael e Rafaela ensinam a pequena Maitê em casa (Foto: Carlos Grevi)

Com a população confinada em casa desde o início da quarentena no Estado do Rio, em meados de março, parte das escolas particulares de Campos vem apostando na tecnologia para manter a rotina de estudos dos alunos ao mesmo tempo em que tenta garantir o cumprimento da carga horária mínima anual exigida por lei. A pandemia do novo coronavírus, porém, mostrou a importância da manutenção de outro canal de comunicação: um que seja capaz de promover diálogo entre instituições de ensino, sociedade e lideranças políticas para proporcionar soluções em tempos de exceção.

Ainda que exija de parte das famílias dedicação e algum improviso, a oferta das aulas online é elogiada por pais de estudantes que cumprem as recomendações de distanciamento social de autoridades sanitárias e de saúde, enquanto escolas que optaram por outros métodos de ensino durante a pandemia têm sido alvo de queixas. Mas, o uso da tecnologia vem suscitando outro debate, de ordem econômica. Com o aumento do desemprego e a diminuição da renda das famílias que dependem do trabalho autônomo ou que não podem optar pelo home office, as instituições de ensino começam a ser questionadas sobre a manutenção dos valores de suas mensalidades.

Tramita na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), projeto de lei que determina a redução em 30% das mensalidades de escolas e universidades particulares enquanto durar a pandemia do novo coronavírus. O argumento é de que, com portas fechadas, as instituições de ensino gastariam menos e poderiam repassar essa economia aos clientes, na medida em que o valor das mensalidades leva em conta despesas com os chamados custos operacionais, que incluem água, luz, telefone e internet, entre outros.

Para o Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino (Sinepe) do Norte e Noroeste do Estado do Rio de Janeiro, porém, trata-se de uma medida “inconstitucional”.

Aulas online: pais aprovam

A fisioterapeuta Fernanda Riter é mãe de Cauã, de 13 anos. O filho estuda no Externato João XXIII, em Campos, onde cursa o 8º ano do ensino fundamental. A escola antecipou férias, em março, diante das medidas do Estado do Rio contra a pandemia do novo coronavírus. Depois, passou a oferecer aulas online em tempo real. A medida, afirma ela, garantiu a continuidade dos estudos de Cauã. Todos os dias, o adolescente assiste às exposições de professores, por meio de aplicativos de videoconferência, e faz exercícios.

“Ele tem feito tudo sozinho. Estamos há um mês na quarentena, mas ele está tendo a responsabilidade de acordar, assistir às aulas, fazer as tarefas e não deixar acumular para o dia seguinte”, diz Fernanda.

Segundo ela, há prazos a serem cumpridos e as atividades valem nota. “Os professores dão tempo para fazer e corrigem nas aulas e no grupo de estudos montado no Whatsapp. Fazem lista de quem entregou e cobram”, conta.

Para a fisioterapeuta, “embora a duração das aulas pudesse ser maior”, as aulas online permitem que os alunos não percam o ano letivo. “Quando voltar, eles dão um reforço, fazem grupo de estudos, estendem horários. Mas seria muito injusto tirar esse ano deles”.

Maitê tem 6 anos e também tem aulas online. Segundo a mãe, Rafaela Barros, a escola — uma instituição particular que ela prefere não identificar — optou por lições gravadas, que podem ser acessadas de casa pelos alunos. O método exigiu mudanças de hábito e alguma criatividade, já que Maitê está sendo alfabetizada.

“A gente criou uma rotina de estudo, geralmente à noite, que é melhor para ela. A gente senta, assiste aos vídeos e vai tentando. Não temos formação em pedagogia, então, é muito difícil ensinar, mas contamos com auxílio da escola e buscamos mais material online. Usamos lousa, jogos didáticos e canções para mantermos o interesse dela e oferecermos o que ela precisa”, diz Rafaela, completando: “A gente fica preocupado, mas vamos caminhando junto da escola diante deste cenário caótico, porque é uma fase da alfabetização é muito importante”.

…e cobram

Mas, nem todas as escolas de Campos vêm optando pelas aulas online diante da determinação de fechamento contida em decretos de emergência do Estado e do Município. Uma das mais tradicionais instituições e ensino da cidade, o Centro Educacional Nossa Senhora Auxiliadora (Censa) é uma delas, garante a dentista Juliana Spinelli. Mãe de Letícia, de 9 anos, ela afirma que as medidas tomadas pelo colégio não conseguem garantir a continuidade do aprendizado de seus alunos.

“Como faziam antes, eles disponibilizam atividades para a semana toda. Pegamos os exercícios e os gabaritos e há um e-mail e o Whatsapp para tirar dúvidas. Mas, é muito difícil seguir uma rotina sem aulas. E sem a explicação dos professores, fica difícil fazer as atividades, pois as matérias não foram explicadas. Minha filha, por exemplo, não consegue entender determinadas assuntos e nem sempre consegue ser ajudada”, afirma.
De acordo com Juliana, poucos professores produziram material de apoio próprio para a turma de Letícia. “Alguns professores enviam, pelo aplicativo da escola, videoaulas do YouTube. Até agora, somente um professor enviou um vídeo gravado por ele próprio. Outros dois enviaram áudios. Porém, matérias como matemática, não podem ser aprendidas por meio de áudios”.

Em nota, o Censa informou que “tem enviado, semanalmente, aos seus alunos, via aplicativo, atividades pedagógicas, videoaulas e um guia de estudos das diversas disciplinas de cada segmento e quem tem trabalhado para garantir um calendário de reposição que não cause prejuízo à conclusão do ano letivo”.

Adicionalmente, comunicou que a direção optou por oferecer aos alunos aulas online diante da nova prorrogação das medidas de isolamento social anunciadas pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro na última terça-feira (14). “A instituição está finalizando a implantação de uma plataforma virtual que, em breve, estará disponível”.

Para não parar
Além do Censa, o Jornal Terceira Via entrou em contato com algumas das principais escolas particulares de Campos para saber como o ensino vem sendo garantido aos alunos durante a vigência do isolamento social no município.

Por meio de sua coordenadora Pedagógica, Maria de Fátima Dias, o Colégio Centro de Estudos pH afirmou que migrou aulas e atividades para um “ambiente virtual de aprendizagem”.

“Cada turma, desde o Ensino Fundamental ao Ensino Médio, tem a sua sala de aula virtual, na qual os estudantes têm acesso a material didático, monitoria online (Ensino Médio), atividades, tarefas dirigidas, simulados, aulas em vídeo, encontros online com os professores, entre outras ferramentas. Para auxiliar o aluno na administração do tempo, semanalmente, são encaminhados aos estudantes e responsáveis cronogramas de estudos com sugestões de organização dos horários e atividades a serem executadas”.

Já o Colégio Alpha informou que “diariamente, os professores (do Ensino Fundamental I ao Ensino Médio) publicam roteiros de estudo com orientações e atividades no Google Sala de Aula e também videoaulas no canal do Alpha no Youtube. Além desses procedimentos, os alunos, desde o 6º ano do Ensino Fundamental II até a 3º série do Ensino Médio, dentro do horário escolar de cada segmento, têm explicação dos conteúdos e resolução de exercícios por meio de videoconferência pelo Google Meet. O Alpha, pela parceria com a Eleva Educação, conta também com a Plataforma de Ensino Eleva, que representa um suporte ao estudo em casa”.

O Colégio Pró-Uni preferiu não se posicionar. A reportagem tentou contato, ainda, com o Externato João XXIII, sem sucesso.

Para Sinepe, mensalidade não compete ao Estado

De autoria dos deputados André Ceciliano (PT), presidente da Alerj, Dr. Serginho (PSL) e Rodrigo Bacellar (SDD), o projeto de lei 2.052/2020 recebeu parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa e foi discutido, semana passada, em uma audiência pública por videoconferência com mais de 1,5 participantes.

Na CCJ, o texto recebeu emendas que criaram um escalonamento do desconto: unidades com até 100 alunos não seriam impactadas, escolas que tenham entre 100 e 200 alunos concederiam 20% de desconto, e as com mais de 200 estudantes abateriam 30% das mensalidades. No caso de cooperativas educacionais, o desconto seria de 10%.

A proposta ainda precisa passar por outras quatro comissões antes de ser levada a plenário. Porém, de acordo com o advogado do Sinepe, Bruno Lannes, uma vez que mensalidade escolar tem natureza contratual, o assunto foge à competência do Estado.

“Contrato é matéria privativa da União. Segundo a Constituição Federal, somente a União pode legislar sobre Direito Civil”, diz Lannes.
O advogado rejeita o argumento de que, fechadas, as escolas terão menos custos. “Despesas com água e luz, por exemplo, somam de 3 a 6% da planilha de custo de uma escola, enquanto a folha salarial, que continua sendo paga, corresponde a cerca de 70%. Há instituições que já estão gastando mais, pois estão investindo no ensino à distância. Além disso, será necessário repor esses dias, já que a Lei de Diretrizes e Bases exige uma carga horária mínima de 800 horas. As escolas vão trabalhar de forma extraordinária e seus horários vão se estender. Não existe equilíbrio nisso”, observa.

O resultado, afirma o advogado, será o fechamento de escolas e demissão de professores e funcionários.

Desconto pode ser alívio em “momento difícil”

Porém, para o técnico em Meio Ambiente Raphael Lisboa, pai de Maitê, o momento deve ser de “diálogo”. Graças ao bom relacionamento que mantém com a instituição de ensino, a família já recebe abatimentos na mensalidade desde antes da pandemia de coronavírus, mas não desconsidera voltar a negociar.

“É preciso que escolas e pais estejam cientes de que estamos em um momento difícil, que a gente passa e é preciso haver diálogo entre as escolas e os pais. No nosso caso, sempre tivemos um bom relacionamento com a escola de nossa filha e já havíamos conseguido desconto. Então, não nos preocupamos, a princípio, com o valor da mensalidade. Mas a gente pensa, sim, em sentar para conversar, porque a gente não sabe até quando isso vai durar”, diz Raphael.