Nas últimas semanas o governo Bolsonaro passou a enfrentar seu maior desafio: o novo coronavírus. A exemplo do que acontece no mundo inteiro, a assustadora escalada do Covid-19 deixou o Brasil de joelhos, sem que nem mesmo seja possível avaliar a extensão dos danos na saúde pública e na economia.
Contudo, Bolsonaro parece não entender que além do grave problema da pandemia – que cabe a ele, como chefe de Estado, liderar o combate –, deveria, também, abandonar o discurso beligerante que vem travando com a imprensa e interromper a curva ascendente do desgaste.
Teimoso, instável e sem ligar para os ruídos que suas falas produzem, o presidente passou 2019 inteiro ampliando atritos, dando declarações agressivas e desrespeitosas, o que só fez aumentar a resistência da mídia a seu nome.
As brigas com o Congresso, a troca de farpas com quem não deveria, os pronunciamentos incompatíveis com a liturgia do cargo e o silêncio com viés de consentimento às asneiras ditas por seus filhos Carlos e Eduardo – para não falar na intocabilidade conferida a Paulo Guedes mesmo diante do pífio desempenho da economia – estão sendo relativamente toleradas até que deixem de ser. Porque é assim que funciona: o copo vai enchendo, e enchendo, até que transborda.
Num momento de instabilidade, em que o presidente vai na contramão do resto do mundo e ameça, “numa canetada”, autorizar a reabertura do comércio – o que comprometeria o distanciamento social –, evidencia-se como grave erro estratégico acirrar os ânimos com a imprensa. Trata-se, por assim dizer, de balançar o galho onde ele próprio se segura.
Se há uma coisa que a História nos ensina, no Brasil e no mundo, é que o confronto com a imprensa é indigesta. Nos EUA, Richard Nixon não caiu por causa da espionagem aos escritórios do Partido Democrata. Caiu porque o Washington Post denunciou o fato que ficaria conhecido como o ‘Caso Watergate’, pressionou, e o presidente renunciou.
No Brasil, só Getúlio Vargas conseguiu enfrentar a oposição quase unânime da imprensa e vencer a eleição de 1950. Nenhum outro político brasileiro realizou tal proeza. Ainda assim, depois de eleito, Vargas precisou “incentivar” a criação da “Última Hora”, do jornalista Samuel Wainer, para que as iniciativas do governo tivessem ressonância junto à população.
Jango Goulart caiu porque a grande imprensa apoiou maciçamente o golpe de 64. Sem a participação dos jornais de maior prestígio e emissoras de TV, o desfecho poderia ser outro.
Fernando Collor resolveu atacar os veículos que denunciaram os malfeitos do governo e, ‘cutucando a onça com vara curta’, colheu os frutos das duras críticas feitas pelos jornalistas mais respeitados do Brasil, os quais deram amplo apoio ao movimento dos ‘Caras Pintadas’. Aí veio o processo de impeachment e o “caçador de marajás” não resistiu.
Será que Dilma – pergunta-se – não fosse pela espantosa inabilidade política no trato para com os grandes grupos de comunicação do Brasil, teria sofrido impeachment se a imprensa não turbinasse o circo que petista montou no Palácio do Planalto? Talvez não. Afinal – numa segunda indagação – alguém acredita que a “presidenta” caiu porque editou créditos suplementares antes da aprovação do Congresso? Salta claro, não foi ‘apenas’ por isso. Dilma caiu pelo ‘conjunto da obra’. E o conjunto da obra foi severamente tratado pela imprensa. E quanto mais os veículos batiam, mais Dilma os confrontava, e com maior rigor era tratada.
O presidente não deve esticar ainda mais a corda do descontentamento. O que vem fazendo já é o bastante. Afora nada recomendável, é perigoso eleger a imprensa como inimiga.
No momento, o inimigo nº 1 de Bolsonaro é a pandemia, sendo necessário concentrar os esforços no combate à doença.
Se o chefe da Nação, além de destoar quando prega caminho inverso ao da comunidade científica mundial, alargar, também, suas diferenças com a mídia, a ‘coisa’ pode estreitar pra ele.
Jair Bolsonaro foi escolhido pela maioria do eleitorado para conter a corrupção que corria solta no Brasil. Recebeu votos não dos que estavam preocupados com ideologia ou com os conceitos ultrapassados de esquerda e direita. Foi eleito pela parcela do povo que se via exaurido pela ditadura do ‘politicamente correto’ e pelos desmandos do governo Dilma que, com mentiras, conseguiu o segundo mandato e lançou o Brasil na maior recessão de sua história.
Foi eleito, em última análise, pelo exército de desempregados, cujos chefes de família viam seus filhos passar fome. E isso, não há quem suporte.
Portanto, as bobagens ditas por Bolsonaro devem e precisam ficar no passado tendo em vista que o Brasil teria enorme dificuldade em assimilar, além da catástrofe da pandemia, um novo impeachment.
Logo, cabe ao presidente da República unir forças com o Congresso, com seus ministros e com a população para conter o coronavírus que ainda está subindo a montanha. E não ele próprio, simultaneamente, subir a montanha do risco político.
Há duas semanas o Datafolha divulgou pesquisa mostrando que Tvs e jornais físicos (de papel, bem entendido), ou seja, a imprensa profissional, são considerados pelos brasileiros como os mais confiáveis na cobertura da pandemia.
De certa forma causando surpresa face ao avanço da Internet sobre os jornais tradicionais, o Datafolha apurou que Tvs e jornais lideram o índice de confiança, respectivamente com 61% e 56%.
Os programas jornalísticos de rádio têm a confiança de 50% do público e os sites de notícia, 38%.
Somente 12% das pessoas disseram confiar nos posts e informações compartilhadas nas redes sociais. (*A matéria pode ser lida no site de O Globo, de 23 de março, com o título ‘Jornais e Tvs são os mais confiáveis na hora de informar…’)
Assim sendo, é preciso que o presidente acenda a luz de alerta: seus tuítes e o de seus filhos não vão mantê-lo no cargo.
A lição que a História nos deixa é que a imprensa, juntamente com os jornalistas profissionais e conceituados, que informam e analisam os fatos, podem até não contribuir muito para ajudar, mas são fatais quando cumprem a missão de desconstruir.