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Moradores de Santa Cruz relatam o declínio do lugar e o medo de perder suas casas

Desde que souberam que a antiga usina e os imóveis seriam leiloados, há um clima de apreensão e incertezas

Comunidade
Por Ocinei Trindade
27 de janeiro de 2020 - 18h48

Parque Industrial de Santa Cruz em ruínas (Fotos: Carlos Grevi)

“Essa notícia veio para matar as pessoas de Santa Cruz. Aqui, todo mundo se considera família. Se for para sair daqui, melhor ir para o caixão”. A declaração é de Cremilça Flor, de 76 anos. Ela e o marido, Alcides Flor, de 82 anos, vivem há mais de 50 anos na casa que pertencia à Usina Santa Cruz, empresa onde trabalharam. Desde que souberam de um comunicado sobre o leilão das instalações companhia desativada, além de 200 casas que integravam a vila operária, em Campos, os moradores da localidade estão apreensivos.

O leilão estava marcado para o dia 4 de fevereiro na cidade de São José do Rio Preto (SP), mas a justiça paulista suspendeu o pregão no último dia 23. As residências são ocupadas por ex-funcionários da Santa Cruz que deixou de operar em 2009.  A indústria pertencia ao Grupo J.Pessoa, foi vendido para o Grupo Canabrava, mas o negócio foi desfeito. O imbróglio ganhou novo capítulo com a possibilidade de as pessoas terem que deixar as casas, caso o leilão se confirme.

Cremilça e Alcides Flor vivem em um das casas previstas para serem leiloadas

Alcides Flor conta que trabalhou na Usina Santa Cruz desde os 14 anos. “Fui carregador e empilhador”, diz. Quando rescindiu o contrato para a aposentadoria, ele alega que foi proposto pela direção da usina que os funcionários abrissem mão de 40% da indenização para poderem ficar na casa definitivamente. Porém, não há nenhum documento que comprove esse acordo.   “Essa casa é pobre e humilde, mas para mim é meu castelo. Não saberia iverm em outro lugar”, confessa Cremilça.

A aposentada Jocinea Antunes revela que, antes da usina fechar, foi proposto pela companhia que os funcionários pagassem uma espécie de financiamento pela casa. “Paguei por quase três anos R$100 por mês. Depois, a usina faliu, e o corretor deixou de aparecer para cobrar. Semana passada quando veio um comunicado que as casas seriam leiloadas,a gente ficou estarrecido”, conta.

Laudenir e Zair vivem em uma casa há mais de 32 anos “pensamos que era nossa”

O aposentado Laudecir Barcelos, 65 anos, trabalhou por 40 anos na Usina Santa Cruz como carpinteiro. Ele e a esposa, Zair Hilário, 65, nasceram e cresceram em Santa Cruz. “Tivemos quatro filhos e moramos nesta casa há 32 anos. Chegamos a pagar mensalidade pelo imóvel. Na nossa opinião, ficaríamos com a casa até como indenização. Muitos não receberam seus direitos trabalhistas com o fechamento da usina”, disseram.

Kátia Pinheiro herdou a casa da mãe que morreu em 2017 e foi funcionária da usina

A manicure Kátia Pinheiro herdou a casa da mãe, Teresinha Pinheiro, que trabalhou na usina como enfermeira. “Minha morreu em 2017. Foi um susto quando soubemos do leilão. Tem muita gente passando a mal com a possibilidade de ter que sair de casa. De 2002 a 2009, a direção da usina não depositou o FGTS. Muita gente ficou sem indenização antes mesmo do fechamento. A maioria não tem para onde ir”, afirma.

Jocinea Antunes diz que chegou a pagar mensalidades pela casa onde reside

Os moradores lembram que quando a empresa Canabrava adquiriu a Santa Cruz, a então prefeita Rosinha Garotinho anunciou por decretos que os imóveis seriam desapropriados e destinados aos moradores. “A prefeita veio aqui pessoalmente e informou que ficaríamos com as casas e que ninguém seria despejado, mas, pelo visto, isso não se concretizou”, diz Jocinea Antunes que por 28 anos trabalhou na usina. Há mais de 30 ela reside na casa da vila.

Maria José da Silva e o filho André Fernando: família veio de Pernambuco

Em 2006, havia expectativas de que a Usina Santa Cruz se mantivesse em operação. Várias pessoas vieram de fora para trabalhar na companhia. O tratorista Cícero Fernando saiu de Amaraji, Pernambuco, com a família para viverem em Santa Cruz. “Na ocasião, 11 nordestinos trouxeram suas famílias. Vendemos o que tínhamos lá para morar em Campos. Não temos como voltar”, revela a esposa de Cícero, Maria José Silva.

Com a falência da Santa Cruz, o comércio local entrou em declínio também. Desde 1955, funciona às margens da rodovia RJ-158, uma loja de material de construção que pertenceu a Geraldo Azevedo que passou o negócio para o filho, José Geraldo Gomes. O estabelecimento é administrado agora por Lauro Olímpio, de 24 anos. “Meu avô e meu pai trabalharam muito aqui. Com o fechamento da usina, o movimento despencou. A maioria dos clientes é da localidade. Se as casas forem vendidas e derrubadas, aí ficará mais grave a situação”, acredita.

Lauro Olímpio herdou o comércio do avô e do pai: o movimento despencou por aqui

Moradores disseram que procuraram a Prefeitura de Campos e o Ministério Público do Rio de Janeiro para que evitassem a concretização do leilão, e que impeçam a retirada das famílias das casas no entorno da Usina Santa Cruz.  Em nota, o governo municipal informou que “nos anos de 2011 e 2012, a então gestão do Município publicou decretos declarando a área de utilidade pública para fins de desapropriação, mas não deu continuidade para a efetivação do processo e as áreas continuam sendo privadas. A Prefeitura vem acompanhando o caso”.

Moradores têm se manifestado contrários à possibilidade de sair de Santa Cruz

Por meio de nota o MPRJ esclareceu que “a 3ª Promotoria de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania de Campos informou que, no dia 22/01, uma pessoa se identificando como advogada dos moradores foi atendida no balcão da Promotoria, buscando orientação, mas não desejou apresentar nenhuma notícia de fato para que fosse analisado pelo MPRJ. No dia 23/01, os moradores foram atendidos pela Promotoria, mas também não desejando apresentar representação ao MPRJ. Com isso, não há como analisar eventual atribuição ou não do MPRJ e em que área (tutela coletiva ou cível)”.

Imagens de Santa Cruz, em Campos