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BR-101 Viagem com medo

Rotina de tensão volta a fazer parte dos campistas que utilizam a BR-101 para ir à capital do Estado a lazer ou a negócios

Segurança
Por Redação
1 de dezembro de 2019 - 6h01

Os constantes assaltos que acontecem na BR-101, no trecho Niterói-Manilha, têm feito muitas vítimas e preocupado muitos motoristas que passam pela área. O local, caminho de campistas que vão para o Rio de Janeiro, já é conhecido por estar entre os que têm maior índice de roubos em todo o país. Apesar disso não ser novidade, nenhuma ação eficaz para tentar conter os roubos tem sido, de fato, desenvolvida na área.

Dentre os inúmeros casos, incluindo campistas que foram assaltados recentemente na região, a reportagem ouviu três vítimas que relataram momentos de terror e trauma. Todas elas possuíam carros de luxo, foram assaltadas nos últimos dois meses e exatamente na mesma região: alguns metros após o pedágio e próximo de uma estrada vicinal. Nenhuma das vítimas será identificada.

Falsos bêbados

No primeiro caso, o que mais chamou atenção foi a forma violenta e organizada como a quadrilha agiu. “Era 22h30. Eles colocam duas pessoas andando no meio da rodovia como se estivessem embriagadas, então quem vê aquilo para na tentativa de evitar um atropelamento, o que gera um engarrafamento. Nessa hora, um grupo entre 10 e 15 bandidos descem de veículos com fuzil, pistola, rádio comunicador, e vão escolhendo os carros que querem roubar. Eles mandam a pessoa descer, fazem ‘a limpa’ e saem com o veículo. Mesmo sem as vítimas reagirem, os assaltantes agem de forma muita violenta, independente de serem crianças ou idosos… Também percebi que só levaram os carros mais valiosos”, contou.

Ainda segundo a vítima, a passividade da polícia é o que mais impressiona. “Quando eu e outros motoristas fomos assaltados, a Polícia Militar e a Polícia Rodoviária Federal apareceram, pegaram nossos dados e saíram em seguida, deixando a gente ali sem nenhum apoio. Então a gente fica à mercê. Fomos a um posto de combustível para buscar ajuda e nos falaram que acontecem inúmeros assaltos por dia do mesmo jeito. Eu não consigo entender como a polícia não consegue prevenir isso. A gente não tem outro caminho para passar e fica refém dessa violência. Aquilo ali é um corredor da morte”, lamentou.

Sequestro

Não são somente os assaltos por meio dos arrastões que acontecem neste trecho. Em outros dois casos, as vítimas relataram características diferentes. Em ambos, os assaltantes fizeram um sequestro relâmpago, mantendo as vítimas em cárcere enquanto sacavam dinheiro e faziam compras com cartões de crédito. Nestes dois casos, os criminosos não agiram com violência.

Mais uma vítima ouvida pela reportagem relatou que foi bruscamente fechada por um carro de luxo modelo Mercedes quando estava na companhia de um amigo. Ao frear, quatro homens armados desceram do veículo e anunciaram o assalto. Neste caso, as vítimas – que são bombeiros militares – também estavam armadas.

“Era 5h20 da manhã e estávamos indo para o Rio. Logo que saí da praça de pedágio, perto de Itaboraí, eles nos abordaram. Nós também estávamos armados, mas não deu tempo de fazer nada. Levaram a gente para uma área de mata fechada, pegaram os cartões e as senhas. Parte dos bandidos saiu e outra ficou com a gente. Além do que nos roubaram, ainda fizeram saques e várias compras. Só depois de aproximadamente três horas é que soltaram a gente. Eles chegaram a achar que éramos policiais e passamos momentos de muito terror, mas explicamos que éramos bombeiros e não nos machucaram, mas nos interrogaram o tempo todo. Depois de horas, nos liberaram em uma área de mata e nos indicaram o caminho de volta”, contou.

Em mais um caso de assalto, a ‘cordialidade’ dos bandidos chamou ainda mais atenção. Durante o tempo em que mantiveram as vítimas sequestradas, eles ofereceram água gelada, lanche e os deixaram dentro do carro com ar-condicionado. Apesar da ‘gentileza’, levaram um carro de luxo que ainda não possuía seguro e vários outros pertences.

“Eles estavam em uma Triton L200 e pararam na minha frente anunciando o assalto. Ficamos presos de 6h até 13h. Enquanto isso, eles faziam compras e saques com nossos cartões. São rapazes novos e falaram que são do bonde do 3N (traficante morto nos últimos dias durante uma ação da PM). Eles até combinaram de, no outro dia, eu levar uma quantia em dinheiro e pegar meu carro de volta, mas depois achei perigoso. Não estavam agindo de forma violenta, levaram água mineral, perguntaram se a gente queria lanche… falaram que o interesse deles era dinheiro, arma e ouro e que não queriam ‘esculachar’ a gente. Ficamos o tempo todo na caminhonete com ar ligado”, relatou.

Segundo a vítima, o que chocou durante toda a ação foi a passividade da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Há um posto da PRF a cerca de um quilômetro do local. “Eu achei um descaso da PRF, porque quando eu cheguei lá, já na parte da tarde, eu perguntei se eles não ficaram sabendo do assalto, porque várias pessoas viram. Eles confirmaram que foram informados. Então, se eles estão vendo que está tendo assalto, por que não fizeram nada? Ficamos por horas em poder dos assaltantes e não apareceu ninguém para ajudar”, denunciou.

Segundo a Autopista Fluminense, concessionária que administra este trecho da rodovia, 112 câmeras fazem o monitoramento do tráfego na BR-101 RJ/Norte. Atualmente, as imagens são compartilhadas em tempo real com a Polícia Rodoviária Federal, com o Centro Integrado de Comando e Controle (CICC), localizado na cidade do Rio de Janeiro, e com os Centros Integrados de Segurança Pública (CISP) de Niterói e Campos dos Goytacazes.

Ainda segundo a concessionária, além do sistema de monitoramento de tráfego, todas as cinco praças de pedágio da Arteris Fluminense possuem câmeras com sistema de Reconhecimento Óptico de Caracteres (OCR), onde é feita a leitura de placas de todos os veículos. Ou seja, a praça de pedágio da região também é monitorada.

A reportagem tentou contato com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), no Rio de Janeiro, e questionou sobre as denúncias. A PRF foi questionada sobre as estatísticas atualizadas dos assaltos, sobre o que tem feito para diminuir os casos e também sobre as reclamações das vítimas. Embora tenha sido procurada mais de uma vez, com dias de antecedência, a PRF enviou resposta somente após a publicação desta reportagem. A nota diz que ” o patrulhamento nas rodovias federais que cortam o estado do Rio de Janeiro, inclusive na BR-101, com uso de viaturas e motocicletas, é realizado diuturnamente pela Polícia Rodoviária Federal. Nosso policiamento é dinâmico, não ficamos estáticos em determinado locais. Periodicamente são feitas operações em pontos sensíveis das rodovias, baseadas em informações de registros de crimes e acidentes. A cooperação e troca de informações de inteligência e operacionais com outras instituições de segurança pública é uma premissa orientadora da atuação da PRF no estado, substanciando as ações de combate ao crime e identificação de criminosos. Denúncias podem ser feitas à PRF através do telefone 191″.

Apesar da rotina de medo, a PRF afirma que os roubos de veículos na BR-101 reduziram. Segundo dados da instituição, de janeiro a setembro de 2019 foram registrados 563 casos, contra 856 no mesmo período do ano passado.

A Polícia Militar também foi procurada na reportagem, mas até o fechamento da reportagem não havia se pronunciado.

Autoridades unem forças

A Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) é uma das entidades engajadas na luta para a diminuição dos índices de roubos naquela área. O presidente regional da Firjan, Fernando Aguiar, tratou do assunto diretamente com o governador do Estado, Wilson Witzel, na visita recente que ele fez a Campos. Além disso, os pedidos para mais segurança naquele trecho já são recorrentes há meses, segundo Aguiar.

“Já estivemos várias outras vezes com o governador e outras forças de segurança pedindo mais policiamento e ações eficazes na Niterói-Manilha. Essa situação de assaltos é péssima para nossa região e para todos que passam ali. É uma insegurança muito grande na principal rodovia de acesso ao interior. Isso afeta as empresas, as seguranças dos funcionários que estão transitando para a capital e também afeta o ambiente de negócios. Também já fizemos manifestação na frente da Câmara de Vereadores de Campos no mês de maio. Estamos buscando apoio há muito tempo”, lamentou.

O assunto também já foi tema de uma audiência pública que aconteceu na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) no início de agosto. Na ocasião, a Polícia Militar informou que no primeiro semestre de 2019 o batalhão da região de São Gonçalo, que compreende 80% da extensão do trecho Niterói-Manilha, registrou 12% e 20%, respectivamente, do total de roubos de veículos e de cargas em território fluminense. O encontro teve o objetivo de discutir medidas para o enfrentamento da violência na região. Procurada durante esta reportagem e questionada sobre uma possível nova mobilização relacionada ao tema, a assessoria de imprensa da Alerj informou apenas que não há uma nova reunião programada.

Enquanto este texto era produzido, informações sobre mais um arrastão chegavam à redação. Houve correria e tiros disparados. Desta vez, um carro foi roubado, na última quarta-feira (27), por homens fortemente armados.