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Venezuela dos Campos dos Goytacazes

As dificuldades dos venezuelanos que deixaram seu país em grave crise política e econômica para recomeçarem no Brasil

Solidariedade
Por Ocinei Trindade
11 de novembro de 2019 - 6h00

Sair do próprio país para fugir da fome, da violência, do desemprego. Tentar recomeçar a vida bem longe, abandonar família e amigos. Para mais de dois milhões de pessoas que deixaram a Venezuela esta é uma triste realidade. Muitos deles atravessaram a fronteira com o Brasil em busca de novas oportunidades. Em Campos, vários venezuelanos recebem apoio. Todos sonham com dias melhores. Alguns chegaram à cidade com ajuda de amigos e igrejas. Outros, sem conhecer ninguém.

Henry Madriz está em Campos há 4 anos como motorista de aplicativo (Fotos: Carlos Grevi)

Henry Madriz trabalha atualmente como motorista de aplicativo em Campos. Ele conta que há quatro anos deixou a Venezuela. Na época, estava com 19 anos de idade. Vivia em Maracaibo, na costa venezuelana. A situação no país se tornou insuportável desde que Nicolás Maduro assumiu o poder. O governo tem sido acusado de corrupção e ditadura. A inflação e a violência explodiram. O desabastecimento e a insegurança tornaram a Venezuela um caos. A fome, a falta de remédios e de itens básicos de higiene, além de apagões de energia elétrica, fazem parte da rotina dos venezuelanos.

“É uma situação muito difícil. Lembro que andei por três dias sem parar praticamente, até chegar a Paracaima, em Roraima, na fronteira da Venezuela com o Brasil. Depois, foram dias até chegar a Boa Vista. Levei mais três dias até chegar ao Rio de Janeiro. Vim para Campos sem conhecer ninguém. Recebi ajuda das pessoas. Consegui um trabalho como garçom. Juntei um dinheiro e fui buscar minha namorada na Venezuela. Ela estava grávida na época”, relembra Henry. Ele e Rosa Virginia estão casados e tiveram um filho que nasceu em Campos.

Rosa Virginia é esposa de Henry; eles tiveram um filho em Campos: “saudades de casa”

Para Rosa Virginia, estar em Campos é um motivo de satisfação. Porém, não esconde a tristeza de não poder continuar vivendo na Venezuela.

“Choramos porque a Venezuela não era para estar deste jeito. Nossas famílias e amigos estão sofrendo muito lá. Passam todo tipo de necessidade. Sonho em voltar, mas no momento o Brasil está nos dando segurança para cuidar de nosso filho que tem tudo que precisa”, diz Rosa.

Ronald Gutierrez veio para Campos com ajuda dos amigos e agora procura trabalho

Os venezuelanos se ajudam como podem. Ronald Gutierrez, de 23 anos, chegou a Campos em outubro. Henry, seu amigo de infância, o abrigou. “Às vezes, comíamos uma vez por dia. Outras vezes não havia o que comer. Vim para buscar trabalho em campos. Faço qualquer coisa para poder me manter minimamente e poder ajudar minha família que ficou lá. É muito triste nossa situação”, lamenta.

O casal Erick Marquez e Maireth Becerra saiu da Venezuela em maio de 2018. Eles caminharam por dias até a fronteira com a Colômbia. Conseguiram chegar a Campos com ajuda de uma amiga, sua professora de infância, Silvana Bizarri, que já estava cidade por intermédio do filho, o cantor e professor Juan Gorrin.

Maireth Mendoza e o filho Christopher Matteo nascido em Campos: “muita gratidão”

“Eles nos ajudaram muito. Eu estava grávida de sete meses. Meu filho, Cristopher Matteo nasceu em Campos. Muitas pessoas nos ajudaram na cidade. Sou muito grata. Estou aqui para dar uma vida de qualidade para meu filho. Meu marido foi garçom, mas conseguiu emprego no Porto do Açu, pois é engenheiro mecânico. Estamos bem aqui, mas sinto tristeza porque meus pais ainda estão lá, e, no momento, eles não têm como saírem. Faltam comida e medicamento na Venezuela. Eu mando dinheiro, mas quase não há o que comprar”, desabafa.

Silvana Bizarri é professora de espanhol do Sesc: “muito precisa mudar na Venezuela”

A professora Silvana Bizarri diz que se sente abençoada por estar em Campos. Atualmente, ela ensina espanhol no Sesc. “Ter trabalho e casa onde morar me deixa contente, mas a gente se preocupa muito com a família e os amigos que estão lá. Minhas filhas foram para a Espanha, e eu e meu filho estamos no Brasil. Fizemos muitas amizades aqui. Isto nos comove e vamos esperar por um milagre. Muitas coisas precisam mudar na Venezuela”, comenta.

Juan Gorrin vive em Campos desde 2014 (Foto:Arquivo)

Morando em Campos desde 2014, Juan Gorrin, filho de Silvana Bizarri,  se divide entre aulas de canto e apresentações musicais. “Desde o primeiro momento me senti em casa. Depois de cinco anos, literalmente, me sinto em casa. Às vezes, bate uma saudade do meu país, mas a maioria da minha família e amigos está fora da Venezuela, as famílias venezuelanas foram divididas. É importante não perder a conexão com as nossas raízes.

Solidariedade cristã

Desde 2017, a Igreja Jesus Cristo dos Santos Últimos Dias tem ajudado os venezuelanos. De acordo com o bispo Walter das Neves, até o momento 65 venezuelanos vieram viver em Campos e em Itaperuna por intermédio da comunidade religiosa que promove o programa de interiorização através das igrejas espalhadas nos estado do Sul e Sudeste onde há mais oportunidade de emprego.

“A igreja auxilia com roupas, alimentos e moradia por um período inicial até a família estar trabalhando e se tornar autossuficiente. Esse é um programa mundial chamado Mãos que Ajudam para socorrer refugiados em várias partes do mundo. Até o momento mais de seis mil refugiados venezuelanos foram acolhidos no Brasil”,  explica Walter.

Futuro da Venezuela

Para Henry, Rosa, Ronald, Maireth, Silvana e Juan, todos desejam  que a situação na Venezuela melhore. Segundo eles, os danos morais estão entre as consequências da crise no país.

“A Venezuela é um dos países mais ricos do mundo por conta das reservas de petróleo. É uma contradição a miséria que se espalhou pelo país. Esperamos que encontremos a melhor solução para todos”, pensa Maireth Mendoza.

Voltar para a Venezuela, no momento, é um sonho distante com as condições atuais pelas quais  o país atravessa.

“Não sei se algum dia eu voltaria na Venezuela, mas se isso acontecesse seria para continuar construindo e aportando a minha profissão e a minha arte. Procuro fazer o meu melhor aqui no Brasil e em Campos, com minhas apresentações e as aulas de canto”, conclui Juan Gorrin.

 

Vídeo Especial Terceira Via

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