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Casas populares fora de controle

Projeto de moradias para população mais carente foi desfigurado pelo avanço da criminalidade e a omissão do poder público

Geral
Por Redação
11 de novembro de 2019 - 6h00

Casas populares no bairro da Penha, em Campos  (Foto de Leon Jr.)

Mais de 7.400 famílias de Campos moram, atualmente, em casas populares doadas pelo poder público nos últimos 15 anos, pelo menos, quando a prefeitura e o Governo do Estado do Rio de Janeiro investiram milhões de reais para retirar famílias de áreas de risco social e transferi-las para um lugar digno. No entanto, essa dignidade pode ainda não ter sido conquistada.
Expulsão de moradores por traficantes de drogas, homicídios, transporte público escasso, falta de saneamento básico e praças são algumas mazelas enfrentadas por moradores.

Comunidades em Guarus (Foto: Silvana Rust)

Na visão de especialistas, há indícios de falhas na estruturação do projeto que contribuíram para a propagação da violência e dificuldades de relacionamentos sociais entre os moradores.

Hamilton Garcia, cientista político e professor da Uenf

“Percebo que esses conjuntos, não só em Campos, mas em toda a parte, são criados de forma genérica e emergencial, com adoção de critérios rasos e sem acompanhamento de especialistas sociólogos e assistentes sociais, o que se cria a ideia  de que não há uma autoridade pública nesse espaço. Assim sendo, alguém se destaca para organizar o ambiente, que pode ser até o traficante de drogas”, explica o sociólogo Hamilton Garcia.

Para o sociólogo, deveriam ter sido planejados comércios, praças, associações de moradores e outras instituições que contribuem para as relações sociais. “Esses moradores foram arrancados de seu lugar de nascença, onde tinham regras e instalados em um local desértico de tudo, não só de paisagem, mas de relações sociais, um convívio artificial, onde facilmente se instala o alcoolismo, a prostituição e outros males”.

Casas populares por toda a parte

Casas populares no Parque Eldorado (Foto: Carlos Grevi)

Essas quase 35 mil pessoas estão segregadas em cerca de 20 bairros diferentes de Campos: Penha, Esplanada, Travessão, Boa Vista, Aeroporto, Tapera, Ururaí, Travessão, Novo Jóquei, Eldorado, Santa Rosa, Santa Clara, Codin, Donana, Saturnino Braga, Parque Prazeres, entre outros. Nesses locais, a realidade encontrada reflete o descaso do poder público e o medo da violência. “Todo dia tem tiroteio aqui, a gente se protege ficando trancado dentro de casa”, disse a dona de casa Maria de Fátima Oliveira Martins.

Quando não estão na escola, as crianças brincam nas ruas, pela ausência de praças públicas.
No limite dos bairros Eldorado e Santa Rosa, por exemplo, onde ficam as comunidades do Sapo I, II e III, Suvaco da Cobra, em Guarus, a região se transformou na área mais violenta de Campos, após a construção das casas populares. Por conta disso, o Governo do Estado do Rio instalou um posto de policiamento  no local que funciona desde 2014. A ronda da PM na região também foi intensificada, mas os confrontos que geram homicídios no local não param de acontecer por conta da disputa pelo território do tráfico de drogas.

Os assaltos aos próprios moradores também são freqüentes. Aurelino Manhães disse que já teve a bicicleta roubada quando voltava do trabalho por um homem armado. “Não temos o que fazer. Estamos reféns da criminalidade. Tenho andado com o celular guardado no bolso, mas se for abordado de novo, tenho que entregar para não perder a vida”, contou o borracheiro aposentado.

Famílias expulsas por organizações criminosas

Delegado Pedro Emílio da 146ª DO (Foto: Carlos Grevi)

A 146ª Delegacia Legal de Guarus recebe, pelo menos, cinco denúncias por mês de famílias expulsas de casa por bandidos que integram organizações criminosas. Mas esse número pode ser ainda mais alto, segundo o delegado titular da 146ª Delegacia de Polícia, em Guarus, Pedro Emílio Braga. “Esses são os casos que chegam oficialmente a nossa delegacia, mas sabemos que têm pessoas que, por medo, não denunciam as ameaças. Temos combatido essa violência com operações policiais com o apoio das forças armadas”.  Ainda segundo o delegado, os moradores são expulsos quando os traficantes desconfiam que eles sejam informantes da polícia, que tenham falhado na sua função dentro da organização criminosa e até por motivos pessoais, como envolvimento amoroso.

Entre as mazelas vividas pelos moradores dos conjuntos habitacionais, o Ministério Público estadual instaurou pelo menos dois inquéritos civis públicos. Um é para apurar suposta falta de saneamento básico no conjunto habitacional de Saturnino Braga, que teria gerado despejo de dejetos em rede pluvial. No segundo, o MP se limitou a informar que investiga precárias condições no conjunto habitacional “maracanã 2”, no Parque Cidade Luz. Ambos inquéritos tramitam na 3ª Promotoria de Tutela Coletiva.

Fonte de renda das famílias

Barricadas feitas por traficantes de drogas no Eldorado (Foto: Carlos Grevi)

Parte dos moradores dos conjuntos habitacionais de Campos trabalham no comércio da cidade, em casas de família ou empresas espalhadas pela cidade. Para isso, necessitam diariamente de transporte público o que, segundo a vendedora Fabíola Rangel, de 28 anos, é precário.  “Nos horários de pico temos que esperar ônibus por várias horas, o que faz com que eu sempre chegue atrasada no trabalho. O número de ônibus não é suficiente”, disse.

Também nos conjuntos de casas populares há famílias, cujas vidas financeiras, dependem exclusivamente do governo. Em toda cidade, quase 40 mil famílias recebem um salário mínimo do programa Bolsa Família do Governo Federal. Outras famílias em vulnerabilidade recebem cestas básicas de programas sociais municipais e outras 225 famílias recebem um salário mínimo por até seis meses, no Programa de Renda Mínima. “Uma das condições deste programa é a realização de cursos para potencializar o alcance da autonomia das famílias, junto ao acompanhamento nos equipamentos de referência. Já o Programa de Transferência de Renda – que distribuía Cheque Cidadão – está suspenso e passando por uma reavaliação por conta dos crimes cometidos pela gestão da ex-prefeita Rosinha Garotinho.

O crime do Morar Feliz

Bairros do Morar Feliz: desafios sociais em Campos

O programa Morar Feliz que construiu e distribuiu cerca de 5 mil casas populares na gestão da ex-prefeita Rosinha Garotinho, entre 2009 e 2016, tem sido assunto de repercussão nacional na mídia. A ex-prefeita, o marido dela, Anthony Garotinho, foram presos em setembro de 2019 acusados de fraudes em contratos entre a prefeitura e a construtora Odebrecht para a obra das casas do programa Morar Feliz. O suposto esquema foi descoberto pela Polícia Federal e MP no âmbito da Operação Lava Jato em depoimentos dos executivos da empresa, Benedicto júnior e Leandro Azevedo, à polícia. De acordo com a denúncia, os políticos teriam favorecido a empresa no processo licitatório em troca de suposto recebimento de propina para utilização em campanhas políticas. Atualmente, o casal está em liberdade, cumprindo medidas cautelares impostas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes. O Ministério Público não informou se vai recorrer da decisão do ministro.

Mais casas populares

Além das 7.413 casas populares existentes, a atual gestão municipal informou que vai entregar mais 772 imóveis, no jardim Aeroporto em Guarus, dentro do programa Minha Casa, Minha Vida, do Governo Federal.