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Barulho e indignação na noite campista

Bares e boates atraem milhares de pessoas todas as semanas, mas sucesso comercial está custando a paz de moradores

Geral
Por Redação
27 de outubro de 2019 - 7h00

Boate Luxx Club foi multada. Advogado afirma que espaço atende às exigências da Postura. (Foto: Silvana Rust)

Entre casarios de arquitetura eclética e residenciais modernos, a Pelinca se firmou, ao longo dos anos, como endereço disputado por famílias tradicionais e uma classe média alta emergente no município de Campos. A vocação eminentemente residencial, porém, ficou no passado e o bairro vem observando o desenvolvimento de um forte potencial comercial nas últimas duas décadas. Dono de uma vida noturna badalada, é destino semanal de milhares de pessoas, que competem por mesas de bares e pistas de dança de boates, onde os ritmos do momento dão o tom da noite. Muitas delas, por lotação ou opção, acabam nas ruas, que se transformam em ponto de encontro informal de grupos dispostos a se divertir com o que têm à mão. O resultado, contam os moradores, é um caldeirão sonoro que envolve estabelecimentos e carros de som, trânsito lento, gritaria e brigas. Tudo sem hora para acabar.

“Está insuportável”, afirma uma idosa que reside em uma casa na rua Rodrigues Peixoto, próximo à boate Luxx Club, que aceitou falar ao Jornal Terceira Via em condição de anonimato. “Não tem dia para acontecer. Eles vão até de madrugada. Estão começando a fazer shows na noite de domingo. O som é alto e o povo fica gritando e brigando. Isso agita os animais da vizinhança. Aí, cachorros começam a latir, arara começa a gritar”.

Segundo a moradora, a situação atrapalha a rotina e o descanso de quem reside no local.

“Meu marido vai fazer 85 anos e trabalha no comércio. Ele fica revoltado, pois não dorme à noite e amanhece cansado. A Prefeitura abriu um abrigo aqui perto. As criancinhas querem dormir e não podem. É uma coisa horrível”, descreve.

O Caipira reúne clientela na rua e tem até frequentador a cavalo, conta moradora que prefere não se identificar. (Foto: Silvana Rust)

Trenzinho da “alegria”

Outra moradora do bairro, que também prefere não se identificar, relata problemas semelhantes na rua Formosa, próximo à Praça do Sossego, onde reside.

“Vivo com o ar condicionado ligado e as cortinas fechadas, para abafar o barulho, mas não é suficiente. E o problema não é só o som mecânico, feito pelas bandas ou caixas de som dos bares. O Caipira, por exemplo, é um bar de fim de noite. Eles vão até às 8h de sábado e de domingo. Os frequentadores ficam do lado de fora com som do carro ligado, gritando, brigando. Tem dia em que tem gente a cavalo, pessoas jogando garrafas de cerveja no chão”, descreve. Outro dia, precisei ir para a janela e gritar, para dizer que tinha criança em casa e que precisava descansar”, recorda.

A situação, segundo a moradora, é agravada pela presença de um “trenzinho da alegria” que vem circulando pelo bairro. “Eles pegam as pessoas, já bêbadas, e ficam buzinando. Chamamos a Polícia Militar, eles param e depois recomeçam tudo depois que a viatura vai embora”.

Histórico de problemas

As reclamações de quem vive na Pelinca não são recentes. Em dezembro de 2018, moradores afirmaram que as imediações da antiga Estação Ferroviária de Campos se transformaram em uma “sucursal do inferno” desde a instalação da boate Luxx Club. O local é frequentado por jovens que têm o hábito de exibirem a potência dos motores e dos sistemas de som de seus carros.

Na época, um morador denunciou a situação ao Jornal Terceira Via e enviou um vídeo em que usa um decibelímetro digital para medir a pressão sonora gerada pelos automóveis. A medição foi feita de um andar elevado e o aparelho marcou 90 decibéis. O limite para o período noturno é de 55 decibéis, segundo a NBR 10.151, norma técnica empregada pela superintendência de Postura em sua fiscalização.

Em abril do mesmo ano, o restaurante Parente Botequim, que também ficava localizado na Pelinca, foi fechado por ordem judicial. A interdição foi pedida pelo promotor da 1ª Promotoria de Investigação Penal de Campos, Fabiano Rangel Moreira, a partir de uma reclamação coletiva apresentada em outubro de 2017, na forma de um abaixo-assinado.

Victor Montalvão afirma que Postura fiscaliza bares e boates do bairro. (Foto: Silvana Rust)

Fiscalização

De acordo com a superintendência de Postura, a boate Luxx Club vem sendo monitorada há 40 dias e recebeu uma multa no último fim de semana. Já o bar O Caipira recebeu 13 visitas de fiscais do órgão. No dia 21 de julho, foi notificado. Em ambos os casos, o motivo da penalidade foi a manutenção de som em altura incompatível com os limites estabelecidos pela NBR 10.151.

O advogado da Luxx Club, Amaro Galaxe, garante que “todas as exigências feitas pela Postura foram atendidas pela boate, como projeto acústico e antecâmara, para melhorar o isolamento e não atrapalhar os moradores do entorno”.

Ainda segundo o advogado, a casa de shows passou por uma obra de readequação em dezembro do ano passado, e foi reinaugurada no último mês de maio “com tudo dentro da lei, como os 55 decibéis exigidos”.

Por fim, Galaxe afirma que os sons dos quais os moradores reclamam “são provenientes de carros e motos que passam em torno do estabelecimento com música alta”. Ele diz que a Postura tem monitorado a boate “que permanece aberta ao diálogo”.

Proprietário do bar O Caipira, Luis Geraldo Buchaul Vieira afirmou que o estabelecimento “não temos reclamações de vizinhos e é sempre fiscalizados”. Segundo ele a fiscalização é feita sem aviso prévio e “as medições do barulho são satisfatórias”.

“Nosso trabalho maior é com veículos que param nas proximidades do bar e ligam seu som. Existe o argumento de que eles não estão em frente ao bar. Tentamos fazer parceria com outros comerciantes para coibir esse tipo de coisa, mas eles parecem não se incomodar com a atuação da fiscalização e nem com a presença da Polícia Militar, que é acionada com frequência, inclusive por mim mesmo”, diz Luis Geraldo.

Responsabilidades

Os atos atribuídos por moradores da Pelinca a frequentadores de bares e boates do bairro incluem contravenções, infrações administrativas e de trânsito, cuja fiscalização é de responsabilidade de diferentes órgãos da administração municipal e estadual.

O superintendente de Postura de Campos, Victor Montalvão, falou ao Jornal Terceira Via sobre as atribuições da pasta que, geralmente, é o primeiro órgão a ser acionado nos casos descritos.

“Na Pelinca, há tanto o ruído interno, dos estabelecimentos, quanto o externo, na rua, que é uma área pública. O primeiro caso, é de nossa responsabilidade. O segundo, é da Polícia Militar, caso envolva contravenção de perturbação do trabalho ou do sossego, ou da Guarda Civil Municipal, caso haja violação do Código de Trânsito Brasileiro ou de resoluções do Conselho Nacional de Trânsito, como no caso de uso de som automotivo”, explica.

Segundo Montalvão, a Postura atua de forma “justificada e progressiva”, privilegiando o diálogo com os proprietários dos estabelecimentos, mas cumpre um protocolo de ação que pode resultar em multas e até bloqueio do alvará de funcionamento, em caso de reincidência.

“Qualquer secretaria ou superintendência envolvida na concessão do alvará pode pedir seu bloqueio. Mas, esta é uma medida extrema, cujos efeitos são a paralisação do negócio, já que ele é como o nosso CPF: é necessário para tudo. Se o estabelecimento precisar, por exemplo, de uma permissão do Corpo de Bombeiros para fazer alguma coisa, ele não consegue sem o alvará”, exemplifica.

De acordo com Montalvão, a Postura já aplicou 80 multas em 2019. O órgão mantém uma Ouvidoria, que recebe denúncias anônimas durante o horário do expediente público, das 9h às 17h. O número de telefone é o (22) 98168-3645.

Respostas oficiais

A Polícia Militar afirmou, em nota, que “em solicitações para ocorrências de perturbação do trabalho e sossego, o denunciante deve se identificar e aguardar a patrulha, que irá encaminhar as duas partes à delegacia de polícia (PCERJ) para registro da ocorrência, uma vez que se trata de uma contravenção penal condicionada à representação do ofendido, ou seja, a lei exige a presença do acusado e da vítima para registro da queixa”. O telefone da PM é o 190.

A Guarda Civil Municipal (GCM) emitiu nota, afirmando que “faz fiscalização nas imediações de bares e boates principalmente nos finais de semana. Porém, a ação é voltada para orientação e educação de trânsito, com aplicação de multas em casos específicos”. Caso presencie irregularidades, a população pode entrar em contato com a corporação pelos telefones 153 ou (22) 98175-0785.

A reportagem do Jornal Terceira Via entrou em contato com o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ) e pediu um levantamento do número de inquéritos instaurados para investigar denúncias envolvendo bares e boates da Pelinca, mas foi informada de que não haveria tempo hábil para uma resposta até o fechamento desta edição.

(Foto: Registro do leitor)

Bairro sofre, também, com sujeira em dias de jogos de futebol

Apesar do grande número de problemas listados pelas pessoas ouvidas pela reportagem do Jornal Terceira Via, eles não são os únicos. Além dos bares e boates, os jogos de futebol também são fontes de dor de cabeça para quem mora na Pelinca.

Na noite da última quarta-feira (23), o Flamengo derrotou o Grêmio por 5 a 0 e garantiu presença na final da Libertadores da América deste ano. Muitos torcedores escolheram estabelecimentos da Avenida Pelinca para assistir ao jogo e, no caso dos flamenguistas, comemorar a vitória.

O que se viu, na manhã de quinta (24) foi um atestado da falta de educação dos frequentadores dos bares e restaurantes. Quem acordou cedo, encontrou garrafas, latas e embalagens de cerveja jogadas pelo chão, ao longo da via.