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Ginecologia para garantir fertilidade

O papel desta especialidade na equipe multidisciplinar do Centro de Infertilidade e Reprodução Humana do NF

Entrevista
Por Redação
14 de outubro de 2019 - 0h02

POR ALOYSIO BALBI

A ginecologista Lara Soares Morales atua no Centro de Infertilidade e Reprodução Humana do Norte Fluminense, um dos serviços médicos mais destacados do país. O Centro é referência quase que nacional. Nesta entrevista ela fala da importância do papel de sua especialidade neste complexo processo. Aborda também a relação com os pacientes e os avanços da medicina na reprodução humana.

Para o diretor do Centro de Infertilidade, dr. Francisco Colluci, a dra. Lara é peça fundamental na equipe multidisciplinar que prepara os casais para o procedimento. Especializada em diagnóstico de anomalias no aparelho reprodutor das mulheres a dra. Lara conta um pouco de sua experiência neste serviço.

A senhora faz parte da equipe do Centro de Infertilidade e Medicina Fetal do Norte Fluminense, que funciona em Campos. Esse trabalho requer uma equipe multidisciplinar. Qual é o papel de sua especialidade neste contexto?
Sou ginecologista e trabalho na clínica principalmente com endoscopia ginecológica, que consiste na histeroscopia diagnóstica/ cirúrgica e na laparoscopia. A histeroscopia diagnóstica é um exame realizado com uma pequena câmera introduzida pelo colo uterino na cavidade uterina, sendo capaz de diagnosticar doenças no colo do útero e também dentro dele que podem impedir ou dificultar a gestação como: estreitamento do colo e miomas submucosos, aqueles que deformam o útero internamente, pólipos, sinéquias uterinas, malformações do útero e endometrite. Alem do diagnóstico da doença permite o planejamento cirúrgico. Como a histeroscopia cirúrgica é um procedimento minimamente invasivo a recuperação é muito mais rápida, os riscos são menores quando comparado a cirurgia convencional.

A senhora falou sobre o papel da histeroscopia no contexto dos casais inférteis. Qual seria o papel da laparoscopia?
A laparoscopia também é considerada um procedimento minimamente invasivo. Consiste na introdução de uma pequena câmera no abdômen e através de pequenas incisões é possível a realização das cirurgias pélvicas. Uma das patologias que tem grande repercussão na fertilidade que pode ser tratada por essa técnica é a endometriose. É considerada uma doença crônica, de caráter inflamatório que pode estar em qualquer lugar do abdômen e interfere negativamente em vários aspectos da fertilidade feminina. Podemos destacar alguns: quando em ovários normalmente os óvulos são de pior qualidade, as aderências podem comprometer o funcionamento de órgãos como as trompas dificultando também a fertilidade. O grande desafio dessa doença é a preservação da fertilidade, que é o emprego de técnicas de cirurgia por laparoscopia que tem como objetivo causar mínimo dano aos óvulos, que nos casos das mulheres com endometriose e com deseja de engravidar, é o principal objetivo.

Em relação a preservação da fertilidade em pacientes oncológicas, o que pode ser feito?
As pacientes oncológicas podem ser mães no futuro, basta que antes do inicio do tratamento com quimioterápicos congele-se óvulos nas pacientes solteiras ou embriões no caso de pacientes com parceiro. Uma outra opção é o congelamento do tecido ovariano que é realizado naquelas pacientes que vão precisar retirar os seus ovários no tratamento, crianças e pré-adolescentes e na radioterapia pélvica. Outra indicação recente e o congelamento de óvulos nos casos de endometriose e do tecido ovariano para reposição de hormônios naturais e da própria mulher após a menopausa.

Seu currículo inclui especialização pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ-, onde também é professora. Na ginecologia a reprodução humana tem uma importância significativa?
Com certeza, a grande maioria das mulheres já nasce com o desejo de ser mãe e conseguem sem muita dificuldade, em torno 80% é a chance de gestar em um ano. Algumas optam por não conceber e está tudo bem. O problema está quando elas desejam muito e não conseguem, nesse quadro o psicológico fica alterado, muitas se sentem inferiores, passam a ter problemas com o marido que algumas vezes não consegue entender o sofrimento e a angustia dessa mulher. Muitas me dizem que parece que o mundo inteiro consegue engravidar menos ela. Para essas pacientes eu digo: Nós te entendemos e vamos fazer tudo para te ajudar, você não está sozinha.

O Centro de Infertilidade tem sido uma referência nacional em reprodução humana. Isso seria consequência de uma equipe bastante afinada?
Nós somos realmente uma equipe, todos trabalhando com o único propósito de ajudar os casais a realizarem seu grande sonho de serem pais. Trabalhamos com responsabilidade, não é fácil lidar com sonhos. Fazemos reuniões, discutimos caso a caso se for necessário. No caso das pacientes com endometriose, por exemplo, precisamos de uma equipe multidisciplinar, então o caso é discutido com todos os especialistas da equipe e juntos decidimos quais os passos a serem seguidos para o melhor tratamento dessa paciente.

Como ginecologista a senhora deve ter acompanha muitos dramas de casais com dificuldade para ter filhos. Os novos avanços na área de reprodução humana têm minimizado esse problema?
A medicina avançou muito, antes casais sem nenhuma chance de gestação passaram a ter uma chance. O que ainda não conseguimos mudar é a idade do óvulo, que corresponde a idade da mulher. Com o avançar da idade a qualidade desses óvulos cai e com isso diminui a chance da formação de embriões saudáveis e conseqüentemente de gestação. Então as pacientes com mais de 35 anos que não tem expectativa de gestação próxima e desejam ser mães também podem contar com a nossa ajuda. Congelar óvulos é seguro e eles sempre terão a idade da paciente na época da coleta, permitindo a gestação em pacientes mais velhas.

O Centro de Infertilidade faz reconhecidamente um trabalho de excelência na região. A senhora diria que esse serviço precisa de uma maior aten-ção por parte das autoridades de Saúde em todos os níveis?
O Centro de Infertilidade participa do programa público de reprodução humana da prefeitura municipal e do hospital escola, desde da sua implantação em 2010. Esse programa já foi premiado em vários países inclusive na Europa onde a consciência da necessidade de um planejamento de saúde pública é realidade há várias décadas. No Brasil o problema da infertilidade ainda é dominado pelos conceitos da década de 70 como controle de natalidade.

No caso de infertilidade, é o homem ou a mulher que tem problemas maiores em lidar com isso?
Sempre falamos que o problema é do casal, talvez essa mesma mulher com outro parceiro não teria dificuldade e vice versa. O emocional do casal é abalado sim, uma vez que o desejo de conceber é grande, a investigação necessita de um grande número de exames e o tratamento mesmo muito bem feito pode não ser eficaz. Percebo que a mulher normalmente se sente mais cobrada, talvez por questões culturais, entretanto consegue lidar um pouco melhor que o homem com o tratamento em si. No centro de infertilidade disponibilizamos o acompanhamento com a psicóloga que consegue ajudar muito os casais a passarem por esse processo de forma mais amena.

Não existe uma série histórica como dizem por ai, sobre o aumento a diminuição dos casos de infertilidade. Ela existe desde que o primeiro momento da raça humana. Mas nos dias mais modernas,a taxa aumentou, cresceu o continua se mantendo naturalmente?
O IBGE vem mostrando isso em vários relatórios principalmente no provável impacto econômico da taxa de fecundidade. Hoje na região sudeste gira em torno de 1,6, muito próximo dos 1,3 da Europa que gera até políticas de migração para tentar solucionar. A infertilidade é um importante indicador de desenvolvimento humana e por isso a tendência é aumentar.

Dizem que existe a dor da perda de um filho, que essa não tem medida. Mas a senhora concorda também que há a dor daqueles que querem mas não podem ter um filho?
Com certeza! Por questões culturais a infertilidade ainda no nosso meio é um tabu, um sinônimo de incapacidade, que leva a pessoa ou o casal a um sofrimento solitário com graves consequências emocionais que sempre, em um momento atingem todo o círculo familiar e social. Isso é amplamente alertado pela OMS porque compromete não só a saúde individual, mas coletiva e econômica porque compromete a qualidade de vida de pessoas teoricamente saudáveis e economicamente ativas, Por isso sempre falamos da necessidade da parceria com o poder público. Por isso tentamos todas as alternativas de tratamento. Por exemplo: Para mulheres que não podem engravidar com óvulo próprio podemos utilizar o banco de óvulos da Europa que temos convênio e o semem do marido; Se a problema está no semem do marido, podemos utilizar o de doador; Caso o útero dessa paciente não seja adequado ainda podemos utilizar um útero de substituição. Se não tiver solução ainda existe a possibilidade de adoção, dessa forma esse casal vai ter sim um filho.

Após a concepção por métodos laboratoriais a ginecologista cumpre que papel no processo?
No caso o obstetra é fundamental para que ao término da gestação tenha-se um bebe e uma mãe saudável. O médico é capaz de antecipar complicações e previne-las. O acompanhamento é baseado em exames laboratoriais, exames de imagem e exame físico, que juntos vão guiar a conduta do obstetra, sempre respeitando os desejos da mãe. As queixas e dúvidas são valorizadas e sanadas.

Nos tempos modernos as mulheres estão adiando cada vez mais a gravidez, muitas vezes porque questões profissionais. Pode variar de caso para caso, mais até que idade a mulher pode ser mãe com uma gestação segura?
Pacientes que engravidam acima de 35 anos apresentam maior risco de complicações como: malformações fetais, pré eclampsia, diabetes gestacional, parto prematuro. Mas o fato do risco ser maior não quer dizer que essas complicações vão necessariamente acontecer. Pacientes acima dessa idade podem ter uma gravidez saudável, nos tratamentos de reprodução assistida onde todas as gestações são programadas essas complicações são mais difíceis porque o casal deve se submeter a exames para comprovar a saúde antes da gestação, mas devem ser acompanhadas de uma forma mais vigilante pelo obstetra.

Estamos do outubro cor de rosa, um simbolismo de que a mulher deve se prevenir em todos os sentidos. Qual é o periodicidade em que a mulher deve ir ao ginecologista?
Normalmente o acompanhamento é anual, mas de acordo com a patologia essas consultas podem ser mais freqüentes. Sempre que a paciente apresentar novas queixas o ginecologista deve ser consultado, evitando a automedicação que pode ser muito prejudicial. Como estamos no outubro rosa devemos destacar que a paciente acima de 40 anos com risco habitual devem realizar a mamografia de rastreio anualmente e as que possuem historia familiar positiva devem começam os rastreio 10 anos antes do familiar acometido.