×
Copyright 2024 - Desenvolvido por Hesea Tecnologia e Sistemas

Na defesa do direito das crianças

Campos conta com 25 conselheiros tutelares que fiscalizam o cumprimento de direitos de crianças e adolescentes, tarefa nada fácil

Campos
Por Ocinei Trindade
13 de outubro de 2019 - 0h01

Uma mãe e quatro filhos pequenos pelas ruas de Campos (Foto; Carlos Frevi)

Pelas ruas de Campos, uma mãe caminha com os filhos pequenos entre carros. Enquanto sinais vermelhos param o trânsito, motoristas são abordados para comprarem algum doce ou darem algum dinheiro como esmola. A cena, comum em muitas cidades brasileiras, desafia sociedade e autoridades. Como resolver? O Brasil conta desde os anos 1990 com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e, posteriormente, com o Conselho Tutelar (CT), órgão municipal responsável pelo cumprimento de leis que protegem crianças e adolescentes. Recentemente, uma eleição bastante disputada escolheu os novos conselheiros tutelares no país. Em Campos, há 25 integrantes do CT com a difícil tarefa de ajudar a promover justiça social.

O Conselho Tutelar com 25 integrantes foi eleito pela comunidade para mandato de quatro anos. Pela legislação, municípios com até 100 mil habitantes devem contar com um Conselho Tutelar. Daí, Campos possuir cinco unidades pelo número populacional. Na eleição ocorrida no último dia 6, foram mais de 100 candidatos. Quase 24 mil pessoas participaram da votação. O pleito anterior contou 7 mil eleitores. Isto demonstrou maior interesse da sociedade para escolher os conselheiros. Cada um trabalha por trinta horas semanais, além de plantões de fins de semana, feriados ou emergências. O salário mensal é de R$2.887.

Menino aborda motoristas nos sinais da Avenida Pelinca para vender doces (Foto: JTV)

O Conselho Tutelar, de acordo com Renato Gonçalves, que é vice-presidente do Conselho Municipal de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, tem como principais demandas negligência e maus tratos, conflitos familiares, violência e abuso sexual. “Na maioria das vezes, o Conselho age mediante provocação ou quando solicitado. Existe prerrogativa legal no ECA de fiscalização dos direitos da criança, se estes estão sendo violados ou não, além de fiscalizar as entidades de atendimento, e verificar se as políticas públicas estão funcionando, na prática”, explica.

De acordo com Renato Gonçalves, para ser conselheiro tutelar é preciso estar de acordo com critérios do ECA. Para concorrer ao cargo, tem que ter, no mínimo, um ano de experiência no trabalho com crianças e adolescentes; reputação ilibada e participação no processo de verificação de conhecimento feito em Campos por legislação municipal, através de prova. Após cumprir esta etapa, concorre-se à votação popular.

“A população vai, gradativamente, conhecendo o papel, as funções e finalidades do Conselho Tutelar. Esse é um processo histórico e pedagógico que ainda resiste a alguns mitos, mas isso só ocorre em situações muito extremas. De acordo com a atuação dos conselheiros tutelares, as inverdades vão sendo vencidas e a população vai entendendo qual o papel do conselheiro tutelar e do Conselho Tutelar na defesa dos diretos da criança e do adolescente”, comenta.

Direitos das crianças e adolescentes precisam ser defendidos (Foto:Carlos Grevi)

Cada unidade de Conselho Tutelar é composta por um coordenador administrativo, equipes de atendimento, secretariado, motorista, equipes técnicas – jurídica, psicológica e assistência social. O orçamento em 2019 foi de R$ 135.122,32. Já em 2020, a previsão é de R$ 92.374,48. A redução, segundo o órgão municipal, deve-se a contingenciamento de verba por conta de crise econômica do país.

Para Renato Gonçalves, dificuldades continuarão existindo para o próximo mandato do Conselho Tutelar e dos governantes. “As principais dificuldades estão sempre ligadas ao aumento de violência, da miséria, ataques às famílias, à situação social que desafiam os que defendem o direito da criança e adolescente à vida, à educação, à saúde. Quando diminui a presença do Estado, diminuem as políticas sociais e aumenta a demanda para os conselheiros. Desafios em um país que está num momento muito ruim de políticas sociais. mesmo previstas na Constituição”.

Eleição no dia 6 levou 24 mil pessoas às urnas em Campos (Foto:Carlos Grevi)

Conselheiros tutelares e suplentes eleitos

Dos 25 conselheiros tutelares eleitos em Campos no último dia 6, há 15 novos nomes. Apenas 10 conseguiram reeleição, e todos cumprirão mandato de quatro anos, a partir de 10 de janeiro de 2020, de acordo com a legislação vigente.

CT I

Titulares – Roberta dos Santos, Dianini Moura, Fabiana Rocha, Lídia Cunha, Gustavo Paes

Suplentes– João Paulo da Costa, Evane Ribeiro, Geiza Márcia Rodrigues, Fabiola da Conceição, Mona Lisa Batista

CT II

Titulares – Mírian Batista, Aline da Rocha, Kamille Moreira, Matheus Pedro da Silva, Edilson Manhães

Suplentes – Rosemary Pereira, Monique da Silva, Fernanda Mota, Andreza de Campos, Rosilane de Souza

CT III

Titulares– Leonardo Ribeiro, Ana Paula Guimarães, Geovana Oliveira, Bruna Gomes, Ana Paula Queiroz

Suplentes – Carolina Patrão, Manuelli do Nascimento, Thaísa Cerqueira, Vanessa Ingrid Teixeira, Davi Gomes

CT IV

Titulares – Daniele da Silva, Alessandra Crespo, José Jorge Muniz, Ágatha Rodrigues, Nathalya Corrêa

Suplentes – Flávio de Jesus, Thainá Ribeiro, Ana Marina Almeida, Liamara dos Santos, Bruno Monteiro

CT V

Titulares – Jéssica Terra, Ingrid Pessanha, Renata da Conceição, Ramires Menezes, Manuelli Batista

Suplentes – Hugo Pereira, Izabel Cristina Moreira, Denise de Fátima, Thais Lima, Luciane Cordeiro

Ágatha Monteiro: novo mandato

Terceiro mandato

Há sete anos, Ágatha Rodrigues Monteiro faz parte do Conselho Tutelar. Ela foi eleita com 437 votos para o terceiro mandato. Tem uma rotina de trabalho bastante movimentada. Como profissional do serviço social, uma das piores situações é lidar com questões ligadas ao abuso sexual de crianças e adolescentes.

“É preciso ter muita sensibilidade e querer sempre colocar a criança e o adolescente como prioridade absoluta. Não é um trabalho fácil, mas gratificante em alguns momentos. Acho que Campos deveria ter mais um Conselho Tutelar para atender a região de Travessão até a divisa com o Espírito Santo”, sugere.

Para Ágatha, a sociedade tem uma imagem do Conselho ainda deturpada. “Diante dos problemas, o Conselho requisita serviços aos setores responsáveis. Em última instância, recorremos aos órgãos superiores como Ministério público e Vara da Infância.

Novas conselheiras

Ana Paula Queiroz posa com os filhos em campanha para o CT (Foto:Reprodução)

Por 18 anos, Ana Paula Queiroz trabalhou como consultora de vendas. Foi estudar Serviço Social e estagiar na Apoe (Associação de Proteção e Orientação aos Excepcionais), além de ser voluntária em comunidades carentes de Campos. Decidiu que poderia integrar o Conselho Tutelar e fez campanha eleitoral, onde alcançou 327 votos.

“Conheço pessoalmente muitos casos de abuso, abandono, descaso, falta de assistência, exposição a violência. Convivi, aconselhei e ajudei em muitos desses casos, que é o mínimo que um ser humano que se importe possa fazer. Mas sei que ainda há muito a aprender e a fazer. Agora com os recursos adequados, acredito que poderei ajudar melhor as pessoas” considera.

Para Ana Paula, o conhecimento da sociedade sobre o papel do conselheiro é fundamental. “Ouvi muitos absurdos na campanha sobre o lado financeiro de concorrer. Há pessoas que não entendem que existe uma responsabilidade muito grande. Nossas crianças precisam ser amadas e compreendidas. Sem esse entendimento, o trabalho se torna muito mais difícil”, diz.

Manuelli Batista Ramos foi eleita para o Conselho Tutelar (Foto:Silvana Rust)

Manuelli Batista é assistente social. Trabalha em unidade de acolhimento institucional de crianças e adolescentes, e integra movimentos sociais da comunidade negra. Obteve 304 votos na eleição para o Conselho Tutelar.

“Pesquiso sobre dificuldades estruturais para garantir os direitos de crianças e adolescentes em uma sociedade racista, sexista, machista. Tudo isto influencia o cotidiano de famílias. Vivemos um momento de grande violência e vulnerabilidade. Antes de concorrer ao cargo, já fazia aconselhamento às famílias e encaminhamentos com os movimentos sociais”, diz.

Para Manuelli, o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) precisa ser conhecido. “O CT tem função preventiva e educativa. Deve-se fazer cumprir o ECA, nosso principal instrumento de trabalho. A população da cidade mais pauperizada é de maioria negra e periférica, carente de serviços públicos, e que desconhece seus direitos. Nelson Mandela disse que “a forma mais nítida de visualizar a alma de uma sociedade é a forma como ela trata suas crianças”, cita.

Direitos básicos

De acordo com o Artigo 227 da Constituição Federal, “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, todas as crianças devem ter os direitos garantidos como desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social adequados; terem nome e nacionalidade; alimentação, recreação e assistência médica; amor e compreensão; educação básica gratuita; receber socorro; serem protegidas da crueldade, exploração e atos de discriminação.

E qual o futuro da mãe e dos filhos pequenos no trânsito de Campos? Apesar de terem direitos garantidos, há muitas incertezas. Governantes, sociedade e conselheiros tutelares têm compromissos para acharem soluções e uma vida melhor para todos, especialmente crianças e adolescentes.