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Prior católico e escritor Oswaldo Almeida: um homem pleno de histórias

Conhecido como “major” desde que foi do Exército, Oswaldo Almeida lança livro desafiador sobre Campos

Entrevista
Por Ocinei Trindade
30 de setembro de 2019 - 0h01

(Fotos: Carlos Grevi)

Ministro e prior da Ordem de São Francisco em Campos dos Goytacazes desde 1978, Oswaldo Almeida escreveu o livro “A história pouco conhecida da freguesia de São Salvador dos Campos dos Goytacazes”. A obra desafia alguns historiadores sobre o ano exato em que Campos passou a existir oficialmente em documentos.

Segundo pesquisa feita por ele, Campos não surgiu como vila em 29 de maio de 1677, mas como freguesia, em 1652. O assunto gera discussões e alguma polêmica. Em sua trajetória, isto não faltou. Durante 25 anos foi militar do Exército, onde se tornou major, apelido que carrega até hoje. Major Almeida disse que pediu exoneração para se dedicar aos negócios e à família.

Em plena ditadura militar, quando o Brasil era governado por Ernesto Geisel, disse que não desertou, mas reconhece que o Exército resistiu à sua saída. Em 1986, foi eleito deputado federal. Participou da Constituinte de 1988, mas alega desapontamento com a política. O convívio no Congresso Nacional com Ulysses Guimarães e Luis Inácio Lula da Silva faz parte das memórias.

No dia 22 de outubro, Oswaldo Almeida completa 86 anos com muita história para contar.

 

O seu livro reconta a história de Campos? Historiadores trabalham com a data de 29 de maio de 1677 como origem da formação do lugar, mas seu livro sugere o ano de 1652.

Eu acho que não reconta, mas conta a história que estava desconhecida. Até pouco tempo, a história estava registrada em nosso pátio da Igreja São Francisco, inclusive, que em 1977 quando a Prefeitura de Campos comemorou os 150 anos da elevação à categoria de cidade, e disse que “há 300 anos neste lugar foi instalada a Vila de São Salvador dos Campos”. Tivemos notícias através de historiadores e museólogos que aqui vieram que antes da Vila houve uma organização que foi a Freguesia dos Campos dos Goytacazes. Pesquisamos a respeito, e tivemos confirmado isto. Antes da Vila, neste mesmo local se instalou a Freguesia de São Salvador dos Campos dos Goytacazes fundada pelo general Salvador Correa de Sá e Benevides que teve como base uma capela construída a seu mando, que teve como pároco um monge beneditino que atuava no Mosteiro de São Bento. Naquela época, uma capela como pároco constituía uma freguesia ou paróquia que era menor organização reconhecida em Portugal, na colônia, capaz de atividades religiosas e dos primeiros registros civis. Não havia cartório naquela época. O próprio padre fazia os registros de nascimento, casamento, óbito, primeira comunhão. Tivemos recentemente a confirmação desse fato. Em 2015, a Prefeitura de Campos e Câmara Municipal descobriram em um cartório em cofre lacrado, arquivo relativo a Benta Pereira (heroína de Campos), onde havia seu inventário e uma série de registros dela. Ela declara em sua biografia que nasceu em 1775 na Freguesia de São Salvador de Campos dos Goytacazes. Ou seja, dois anos antes da instalação da Vila, criada em 1677.

E qual é essa fonte de 1652 para o início da história de Campos?

Inicialmente, foi registrada por Alberto Lamego. Um outro historiador jesuíta, Monsenhor Pizzarro. Um outro historiador franciscano, Basílio Hauer escreveu dois livros. Em um deles, ele registra em 1934, que a Freguesia deu início a povoação de Campos dos Goytacazes.

E como o senhor lida com os historiadores que defendem a data 29 de maio de 1677 para o início de Campos?

Há historiadores que defendem a data de 1 de dezembro de 1653, que seria a primeira tentativa de instalar a Vila. Logo em seguida, foi desmontada. Mais a frente houve uma segunda tentativa para montar a Vila, mas não prosperou. Na terceira tentativa, em 1677, que prosperou a ação. Eu fico com a data de 1652, e arrisco dizer no dia 6 de agosto, dia do padroeiro São Salvador no calendário católico. Naquela época, todos os eventos históricos estavam atrelados ao dia de um santo católico. Nessa ocasião, deve ter sido celebrada a primeira missa em Campos.

Tudo isto está no seu livro? Há algo a acrescentar?

Na próxima edição, irei acrescentar esse relato sobre Benta Pereira que nós só tivemos acesso após a confecção do livro. Nossa publicação histórica mais forte é “Terra Goytacá” e toda a obra de Alberto Lamego. Mas, ele não chegou a registrar o termo “freguesia”. Acredito que isso foi caracterizado pelos franciscanos que recorreram ao “Livro de Tombos”, o mais antigo que hoje, infelizmente, não tivemos acesso no Convento de Santo Antônio, no Rio de Janeiro. Acredito que para as próximas gerações, Campos reverá sua história iniciada em 1652.

O senhor é chamado de major, função que exerceu no Exército, mas pediu para sair das Forças Armadas, ainda no período da ditadura, em 1978, quando Ernesto Geisel era presidente. Por que saiu? Isso não foi considerado deserção?

Não desertei. Já tinha servido por 25 anos em várias regiões do país. Eu ajudei a montar a antiga Remonta do Exército em Campos, antes de se tornar batalhão. Criei os jogos esportivos da região. Participei da criação da Fundenor (Fundação de Desenvolvimento do Norte Fluminense) e da direção do Hospital dos Plantadores de Cana. Quiseram me transferir para uma fronteira do Sul, onde não teria escola para os meus filhos. Optei pela família e pelos negócios. Houve resistência com meu pedido de exoneração, mas tiveram que aceitar.

O senhor entrou para a política em 1986, e se tornou deputado federal constituinte. Como foi essa experiência?

Fui eleito com 34 mil votos pelo Partido Liberal. Digo que entrei para a política por uma porta e saí por outra. Não foi das mais agradáveis. Ajudar a escrever a nova Constituição Federal foi um pouco conturbado. Havia muitos interesses no Congresso Nacional. Aquele não era o meu lugar. Fiz alguns amigos. Pude ver a primeira experiência como parlamentar de Luis Inácio Lula da Silva. No início, seus discursos causavam muita curiosidade. Acompanhei a habilidade do presidente da Câmara, Ulysses Guimarães, com os deputados para costurar e promulgar a Constituição Cidadã. Creio que dei minha contribuição, mas passou. Nunca quis retornar após o mandato concluído em 1990.

O senhor está nesta igreja desde 1978. O que destaca desse período?

Quando nós assumimos, a igreja estava fechada ou interditada há quase 25 anos. Desde a saída dos padres redentoristas em 1950, que se mudaram para o Convento na Rua do Leão. Nesse período, a igreja se deteriorou de tal forma que tivemos de levar um longo tempo recuperando, desde o telhado até o piso tomado por cupins. Nós conseguimos recuperar durante muitos anos. Até hoje, nos meses de janeiro e fevereiro, paralisamos as atividades para fazermos a manutenção desse patrimônio vivo da cidade que possui 248 anos. Recebemos muitas visitas de escolas com professoras que contam que neste terreno nasceu a historia de Campos.

A igreja começou a ser erguida em 1771 quando ainda era capela, e só em 1900 foi concluída?

O último de registro de lançamento foi a instalação do relógio que tem um aspecto importante. Veio da França e foi comprado por uma subscrição pública. A partir de 1900, ele passou a reger a vida dos moradores e visitantes com seu som forte. O relógio continua operando mesmo em fase de restauração.

O campista conhece e valoriza esse patrimônio de quase 250 anos?

Não. Muita gente ficou surpresa com o livro porque o campista, por natureza, é acomodado. A gente precisa chamar a atenção. O livro exerce essa função.

Nesse templo há muitas particularidades. O que mais chama a atenção?

Arquitetonicamente, nosso barroco é chamado de barroco tropical. Se você olhar o frontispício da igreja, há registros de frutas tropicais, muito usados no Nordeste também. No interior, temos a quarta fase do barroco. Dentro do estilo franciscano, ela é simples e austera por fora, e muito rica por dentro. Ela não é tão rica como as igrejas franciscanas da Bahia, do Rio de Janeiro e de Minas Gerais. Porém, todos os bispos e padres que aqui chegam, sentem um ar diferente porque a igreja é bonita, mas é simples. A Capela de Santa Clara, tivemos o prazer de inaugurá-la ao lado da Igreja de São Francisco da Penitência. É um lugar sereno e tranquilo.

O senhor é devoto de que santo?

São Francisco, Santa Clara, São Bento e, ultimamente, de São Salvador (risos).

Há um projeto de se criar um centro cultural na igreja?

Sim, e pretendemos destacar as referências do índio goytacá neste espaço também. Nós precisamos resgatar a história desse povo e dono da terra antes da chegada dos portugueses. Dependemos de adequar e concretizar o projeto com o uso da Lei Rouanet.

O que representa pessoalmente esta igreja para o senhor?

Eu nasci em Campos. Frequentei o Liceu até fazer exames para a Escola Militar. Tive uma formação humanista muito boa, mas eu não sabia nada da história de Campos. Foi preciso eu vir para cá para me envolver e descobrir tantas coisas importantes. Acho que pude contribuir um pouco com esses registros.