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Flocos de neve

Neste artigo, Paulo Cassiano Jr. discute a geração "mimimi".

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Por Paulo Cassiano Júnior
15 de setembro de 2019 - 10h36

“Os jovens de hoje gostam do luxo. São mal comportados, desprezam a autoridade. Não têm respeito pelos mais velhos e passam o tempo a falar em vez de trabalhar. Contradizem os pais e tiranizam os seus mestres”. Apesar de ter sido escrito por Sócrates há mais de 2.400 anos, o texto impressiona pela atualidade e poderia ser inspirado na geração contemporânea de jovens-adultos a qual os especialistas têm denominado “flocos de neve” (“snowflakes”), “milênio” (“millenial”) ou geração “Y”.

Nascida a partir da segunda metade dos anos 90, essa linhagem é composta por pessoas que atingiram a maioridade na década de 2010. No Brasil, com certa dose de irreverência, também é conhecida como geração “Nutella” ou “mimimi”.

Nativos digitais, esses jovens receberam uma educação exageradamente protetiva, a qual exaltava as suas virtudes e a sua condição de criaturas formidáveis. Seus pais se esforçaram para prevenir que se envolvessem em quaisquer situações de risco ou pressão, ou em experiências que pudessem implicar percalços ou resultar em sofrimento.

Incapazes, pois, de lidar com a realidade fora dessa bolha de supervalorização e egocentrismo, os “flocos de neve” logo se descobrem vulneráveis diante das hostilidades da vida social e da renhida competitividade do mundo capitalista, especialmente quando começam a enfrentar a engrenagem do mercado de trabalho. Não por acaso, tornam-se adultos frágeis e inseguros e retardam cada vez mais a saída da casa dos pais, onde encontram proteção, conforto e provisão financeira.

Por ser desacostumada a reconhecer seus erros e inapta a lidar com a frustração, a geração “mimimi” recorre à atitude de vitimização sempre que contrariada. A culpa por seus fracassos é sempre transferida a terceiros, a Deus ou à “vida”, esse ente abstrato o qual nunca lhe faz justiça. São os outros que não reconhecem seus talentos à altura de seu merecimento. A todo momento, os “flocos de neve” estão de prontidão para cobrar, reivindicar e reclamar.

Outra característica típica dos jovens da geração “mimimi” é o ressentimento. Prepotentes, esperam que suas opiniões prevaleçam sem necessidade de convencimento; imaturos, tomam como ofensa pessoal tudo que lhes desagrada, pois ambicionam fazer o que querem, quando querem e do jeito que querem. Como possuem baixa capacidade de resiliência, não suportam qualquer tipo de censura e, em geral, são hipersensíveis a tudo o que não se coaduna com a sua visão de mundo. “Tenho alunos de 19, 20 anos, que não aceitam críticas, deixam de fazer trabalhos porque dizem estar deprimidos ou têm receio de enfrentar determinadas tarefas”, conta a professora Myrian del Vecchio, da Universidade Federal do Paraná.

Evidentemente, os “flocos de neve” não se criaram à toa. Grande parte dessa responsabilidade deve ser atribuída às famílias, que não lhes ensinaram o valor do respeito à hierarquia e à autoridade; criaram, em cativeiro, filhos cujas habilidades socioemocionais acabaram atrofiadas. Dopados por remédios para ansiedade, esses jovens viraram adultos infantilizados, os quais veem o mundo desabar quando cai a rede do “WhatsApp”. Afinal, o floco de neve sobrevive bem no inverno das mídias sociais, mas derrete no calor da vida real.