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Cidade em crise

Campos amarga o pior momento de sua história recente

Guilherme Belido Escreve
Por Guilherme Belido
1 de setembro de 2019 - 0h01

Seria um risco escrever sobre a greve dos médicos de Campos, posto que entre a construção do texto e sua efetiva publicação (incluindo a versão digital que aguarda o início da distribuição do jornal físico), poderiam ocorrer mudanças substanciais.

Mas não. A despeito de ter sido o fato motivador, as considerações miram não só a crise da Saúde – que para além da greve deixa evidente o cenário catastrófico que atinge em cheio o importante setor – como, também, o estágio declinante que empurra a cidade ladeira abaixo, sabe-se lá até quando e em que condições vai estar quando parar de piorar.
Sim, porque antes de melhorar (afinal, há que se ter em mente a esperança em dias menos sombrios) é preciso que pare de piorar. E neste ponto reside, à luz da realidade, o ‘x’ da questão: a possibilidade de se enxergar um mínimo de expectativa favorável, visto que o município enfrenta a pior crise de sua história recente, não sentida com tal peso nem mesmo no período do declínio do setor açucareiro ou na fusão GB-RJ (1974), que abalou sobremaneira os municípios mais importantes do interior fluminense, entre os quais, naturalmente, Campos.
Em termos da era dos royalties, nem se fala. Não há o que dizer, tampouco comparar o momento atual com qualquer outro dos últimos 20 anos.
Caos da Saúde
Mas, por ora, a tão longe não se vai, refletindo-se, antes, sobre o caos da Saúde. Da greve dos médicos iniciada dia 07 de agosto, cabe feito luva o velho ditado que diz “em casa que não tem pão, todo mundo briga e ninguém tem razão”.
Assim, temos as duas faces da moeda, ambas erradamente cunhadas: 1) A dos médicos – uma fatia deles, frise-se –, que resolvem deflagrar greve justamente quando entra na pauta o ponto biométrico. Coincidência? 2) A do governo, que de forma arrogante decide primeiro e conversa depois, como no episódio em que suspendeu as gratificações dos médicos plantonistas e das substituições, inoportunamente ao mesmo tempo que trouxe ponto biométrico. (Se foi pura coincidência, faltou sensibilidade para escolher hora menos ingrata, quer para a biometria, quer para adiar gratificações).
Sob esse ângulo, se faz pertinente outra consideração: ainda que entendamos a greve como retaliatória à biometria, não há como negar que os médicos têm à disposição uma lista sem fim de irregularidades para estruturá-la.
Bem entendido, ainda que se traga à discussão hipótese na qual a justificativa apresentada queira camuflar a verdadeira razão, vê-se que essa mesma justificação tem embasamento de sobra, alicerçada no estado caótico dos hospitais Ferreira Machado e AGG, onde o que falta não  constitui exceção, mas padrão. Em resumo, seja por este ou aquele motivo, as alegações dos médicos são verdadeiras, notórias e de todos conhecidas.
Comprovação da falência do setor
Relatório do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio (Cremerj), divulgado no início da semana passada, 20 dias após a greve,  apontou mais de 300  “inconformidades” no Ferreira Machado e no Hospital Geral de Guarus, entre elas – segundo se noticiou – com risco de desabamento do teto em alguns pontos do HGG e parte da fiação elétrica exposta e em contato, inclusive, com água.
O Cremerj informou, ainda, a existência de infiltrações em vários locais, falta de revestimento e até mesmo a presença de insetos. Alias, há poucas semanas viralizou na internet vídeo em que mostrava uma barata subindo pela parede numa das dependências Ferreira Machado.
Como se não bastasse, logo em seguida vistoria da Vigilância Sanitária Estadual confirmou problemas “estruturais e operacionais”, como manipulação incorreta de produtos saneantes no ambiente hospitalar, infiltrações, falta de revestimento, material higiênico sem registro no Ministério da Saúde, além de péssimas condições sanitárias e de higiene.
De certo, não há como negar o quadro desastroso que impõe sofrimento inaceitável à população, em particular aos mais carentes, que não tem a quem recorrer senão ao setor público, e padece, até mesmo, pela falta de dipirona, de termômetro, de papel higiênico e do mais básico e simples que se possa imaginar. Não vale, aqui, relacionar uma lista que é quase interminável.
Mas é necessário que se faça justiça: esse desastre cruel vem de longe, bem anterior do governo Rafael Diniz, que assumiu em janeiro de 2017. Corredores lotados de pacientes, descaso e humilhação. Gente despachada – empurrada mesmo – de um hospital para outro, pelejando para (não) ser atendida. Em suma, um quadro que vai aos os píncaros da indignidade numa cidade que já era rica antes dos royalties. Horror!
Problemas generalizados e a voz das ruas
Na sexta-feira (30) os médicos realizaram nova assembléia. Logo, é possível que ao mesmo tempo em que este texto está sendo escrito, a greve pode estar caminhando para ser encerrada – que é o desejo de todos no sentido de que a população que necessita dos serviços de saúde pública não sofra além do suportável.
Entretanto, como observado no início da matéria, a crise vai muito além da greve. A falta de leitos nas UTIs, de medicamentos e de insumos básicos. Gente amontoada pelos corredores mendigando para ser atendida – aflição dos familiares inconformados com a calamidade é algo estarrecedor e que precisa ser enfrentado.
Não se cogita do que principalmente nos primeiros dias da greve foi colocado nas redes sociais – extraordinário instrumento tecnológico que deveria aproximar as pessoas mas que, ao contrário, as afasta e mais se presta a disseminar ódio – em que uma grande fatia defendeu, geralmente sem argumentação plausível, a greve; enquanto outra, de tamanho menor, falava a favor do governo, simplesmente negando o fato de que a saúde pública de Campos está submersa no caos.
Por outro lado, a voz da aflição que vem de dentro dos hospitais, onde as pessoas buscam, desesperadas, por atendimento, precisa ser ouvida.
Não são as redes sociais – as mesmas redes sociais que ajudaram a eleger o prefeito Rafael Diniz – mas a voz das ruas… do que se houve do porteiro, do taxista, do funcionário público mais humilde, do pessoal do Mercado Municipal, da dona de casa, do trabalhador em geral – para citar apenas os menos favorecidos, porque também dos abastados a reclamação é severa.
Soluções para o grave problema
Desse completo desastre em setor essencial para a população, manifestaram-se o Cremerj, a Vigilância Sanitária Estadual, a Defensoria Pública e a Justiça marcou audiência para 12 de setembro.
O fim da greve, se ainda não aconteceu, está por vir. Mas é imperativo que os médicos cumpram a carga horária para a qual fizeram concurso público, da mesma forma que ao executivo municipal cabe corrigir as gravíssimas deficiências, oferecendo à categoria e à população condições básicas e estruturais para que aquela atenda a esta.
Como mencionado, o problema não é de hoje nem começou no atual governo. Vem de longe, de 10-15 anos. Por outro lado, não se tem notícia de outro momento de tamanha desesperança.
Receita em baixa – O governo herdou dívidas e sofre com queda de receita. Mas o prefeito foi eleito sabendo das dívidas e disse, à época da campanha, que a questão não era dinheiro, mas gestão. Por isso obteve 151 mil votos. Se a população estivesse satisfeita com o governo anterior, não teria votado num candidato de oposição.
A queda de receita traz dificuldades da mesma forma que diferentes dificuldades são enfrentadas por outros municípios, muitos deles sem um tostão de royalties.
Campos recebeu cerca de R$ 20 bilhões de dólares nos últimos 20 anos. É gravíssimo o fato de que esteja a passar penúria após tamanho volume de dinheiro. Mas, e antes dos royalties?
A cidade não apareceu no mapa no final da década de 1990. Tem 184 anos de município e quase 350 como Vila. Ora, como viveu todo esse tempo sem os repasses?
Desta questão – para que novamente se faça justiça – nada cabe ir para a conta do atual prefeito. Entretanto, caminhando para completar três anos de administração, alguma coisa precisa ser feita além de dar notícia ruim e colocar a culpa na gestão anterior.
O governo deve ampliar os horizontes, pensar em saídas, trabalhar com criatividade, trocar as peças de seu grupo mais próximo que não estejam funcionando e apresentar, ao menos, uma projeção de melhoria com base em dinamismo e capacidade.
O prefeito precisa olhar a cidade, ir às ruas e fazer diferente.