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Dependência química: uma batalha árdua e diária

Em Campos, iniciativas públicas, particulares e religiosas sinalizam as dificuldades e prováveis soluções para o problema com álcool e drogas

Comunidade
Por Ocinei Trindade
18 de agosto de 2019 - 0h01

Tâmara Montalvão passou por nove internações para se livrar do vício. (Fotos: Silvana Rust)

Ser dependente de álcool e drogas ilícitas é uma doença grave.  A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a dependência química como doença crônica que pode ser agravada, caso não se faça um tratamento adequado. A dependência química está relacionada a algum tipo de transtorno mental. Em Campos, há várias pessoas com grandes dificuldades para lidar com o problema ou para se livrar do vício. Além dos usuários, familiares e amigos próximos também são afetados pelo drama da dependência.

A luta contra a dependência química é árdua e diária, sem um dia sequer de interrupção, afirmam especialistas. Por se tratar de doença crônica, ela não tem cura, mas há tratamentos.  O Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas Dr. Ari Viana (Caps AD) é um dispositivo da saúde mental do município de Campos dos Goytacazes que atende gratuitamente usuários de álcool e outras drogas que sejam maiores de 18 anos. Outras organizações, como os grupos Alcoólicos Anônimos (AA) e Narcóticos Anônimos (NA), também oferecem apoio a dependentes. Entidades religiosas acabam se destacando como centros terapêuticos e de abrigo a pessoas adictas que foram abandonadas pelas famílias.

No projeto Vidamor, a fé é um instrumento de reforço no combate às drogas.

Aos 29 anos, Luam Martins, conta que se tornou dependente de cocaína quando tinha 17. No começo, dizia que conseguia controlar o vício. Porém, sentia cada vez mais necessidade de consumir a droga e o dinheiro nem sempre dava para pagar o entorpecente. Chegou a ser preso quatro vezes por furto. Se afastou das drogas, mas teve diversas recaídas. Nos últimos meses, está internado na Associação Vidamor, uma entidade mantida por doações voluntárias  de empresários e igrejas evangélicas.

“A droga destruiu meu casamento e o meu trabalho. As pessoas me rejeitam, principalmente pelos furtos que cometi. Me sinto excluído pela sociedade. A pessoa que é dependente química, e que não tem uma religião, é mais difícil enfrentar o vício. Digo que Jesus me libertou, mas já tive recaídas. Uma casa de reabilitação ajuda a tratar também o caráter”, diz o jovem que atua como monitor da Vidamor, onde moram outros 25 homens.

A Associação Vidamor existe há 33 anos e fica em um sítio na Estrada de Brejo Grande, zona rural de Campos. A direção do local é de responsabilidade do pastor Luciano Chagas, 45 anos. Ex-usuário de cocaína e álcool, conta que se livrou da dependência e ajudou a montar locais de reabilitação. Para ingressar no Vidamor, há uma triagem para saber se o dependente químico precisa de internação ou atendimento ambulatorial. Profissionais médicos e psicólogos não existem no local, mas há sempre a necessidade de voluntários, segundo o pastor.

“Seguimos o método do pastor John Baker que fundou o grupo Alcoólicos Anônimos, nos Estados Unidos. O plano de tratamento obedece a 12 passos, entre eles o da desintoxicação por três meses, além de fases de adaptação e ressocialização no período de um a dois anos. Lidero uma igreja frequentada em sua maioria por dependentes químicos. Defendo o lema “só por hoje sem drogas e álcool”. Nem todo usuário é dependente, mas todo usuário já foi um usuário”, diz Luciano. 

Esperanças contra o vício

Campos conta com outras instituições evangélicas no apoio a tratar de dependentes químicos, como a Ágape, no Jardim Aeroporto; Vida Nova, no KM-8; Projeto Amor ao Próximo, no Jockey Club; Casa do Oleiro, no Parque Esplanada; Casa do Pai, na Tapera; Nova Vida e Jari em Goytacazes. Há ainda, locais sem vínculos religiosos, como o escritório do Alcoólicos Anônimos, na Rua Santos Dumont, 35, no Centro de Campos, Há mais de 15 locais do AA nos bairros e distritos. Já o grupo dos Narcóticos Anônimos se reúne em quatro locais da cidade. Um deles fica na Rua João Pessoa, nº 75.

No projeto Cristolândia, no bairro Jardim Carioca, apenas mulheres dependentes químicas são atendidas. Uma das coordenadoras é a voluntária Rosângela das Dores, ex-dependente de álcool. Ela conta que o projeto de Campos é pioneiro no Brasil, e que em dez anos, outras 42 unidades no país foram criadas.

Elisa Mayerhoffer dirige o Caps AD.

“Atualmente contamos com 24 mulheres internadas. Psicólogos e assistentes sociais nos auxiliam no tratamento. Promovemos esperanças aqui. Há pessoas que acham que não existe mais jeito para quem tem dependência química. Porém, há jeito, sim”, afirma.

Após nove internações, Tâmara Montalvão, de 41 anos, está prestes a deixar o centro de reabilitação. Se tornou adicta aos 16 anos e usou todos os tipos de drogas e álcool. Chegou a ser presa por homicídio, foi a júri popular, mas ganhou absolvição por ter sido em legítima defesa.

“Tenho três filhos e quero voltar para o convívio familiar. Quero estudar Direito e fazer capelania missionária para ajudar outras pessoas que passam pelo que passei. Quando a família abandona um adicto, é quase uma sentença de morte. A pessoa precisa querer se curar e se tratar. Eu quis e sigo na luta”, diz.

Há quase um ano, Campos passou a contar com a clínica psiquiátrica particular Vila Verde Saúde Mental, destinada a pacientes com problemas decorrentes do uso abusivo ou abstinência de álcool e outras drogas. O espaço funciona na Avenida Alberto Torres,382.De acordo com o médico psiquiatra Cláudio Teixeira, a proposta é estabelecer no mesmo espaço toda as intervenções necessárias para o tratamento dos portadores de transtornos mentais e problemas com o uso de álcool e drogas. “A equipe conta com profissionais experientes em Saúde Mental e usa condutas terapêuticas de forma articulada e focada na conquista do paciente que busca qualidade de vida e espaço social”, disse.

Atendimento pela Prefeitura

O Programa de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde é dirigido pela psicóloga Elisa Mayerhoffer. O Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas Dr. Ari Viana (Caps AD) O Caps AD funciona na Rua José do Patrocínio, número 102, Centro, por 24 horas. Há prioridade na assistência com 10 leitos de atenção ao usuário em crise.

De acordo com o Caps, cada paciente tem elaborado seu projeto terapêutico individualizado de acordo com seu grau de comprometimento com uso de substâncias, sua rede de apoio e suas questões psicossociais. O Caps AD funciona sem marcação para porta de entrada e não há necessidade de encaminhamento. Sobre internação involuntária, a mesma acontece por indicação clínica no Hospital João Viana, onde há 120 leitos disponíveis, após avaliação de equipe médica.

“Não dá para generalizar avaliações e tratamentos da dependência química. É muito complexo e delicado este tema. O Caps tem uma equipe preparada e disposta a ajudar. O Estado tem muitas limitações e nem sempre oferece o que o indivíduo necessita. A droga é um recurso falho, porém as pessoas encontram nela algum alívio para seus problemas. A internação compulsória fere os direitos individuais. Em caso extremo de ameaça à segurança de outras pessoas pode ser cogitada. A droga é um problema social de solução difícil”, comenta.

Em casos de emergência, a população pode recorrer ao telefone 192. Há ambulatórios de saúde mental funcionando em duas unidades de atenção básica: a UBS Alair Ferreira, no Jardim Carioca, e a do Parque Imperial. Os serviços contam com médico, psiquiatra, psicólogo, assistente social, enfermeiro, técnico de enfermagem na equipe multiprofissional.

Abandono Clínica em Pedra Lisa está desativada desde 2015.

Clínica desativada

Em 2012, durante o governo de Rosinha Garotinho, foi inaugurada na localidade de Pedra Lisa, uma clínica de reabilitação de dependentes químicos, no distrito de Santo Eduardo. Na época, o atendimento era oferecido gratuitamente pela Prefeitura de Campos por meio de um convênio com a Comunidade S-8, entidade com experiência em recuperação de adictos. O local funcionou por pouco mais de dois anos. Em 2015, a Clínica de Reabilitação Geremias de Mattos Fontes encerrou as atividades por problemas financeiros, pois a Prefeitura deixou de pagar pelo serviço contratado. Cerca de 800 pessoas chegaram a passar pelo atendimento. O imóvel, onde antes funcionava um hotel-fazenda, foi desapropriado pela Prefeitura. Encontra-se fechado sem nenhuma utilização.

Estatísticas e contradições

De acordo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC), 5% da população mundial entre 15 e 64 anos de idade são usuários de drogas ilícitas. Só no Brasil, o índice de dependentes químicos seria em torno seis milhões de pessoas ou cerca de 3% da população.

Apesar dos números oficiais de pesquisas estatísticas gerarem conflitos e discussões, milhões de famílias brasileiras conhecem de perto o drama de alguém que sofre com dependência de álcool ou drogas ilícitas. A impressão que se tem é que o número de usuários aumenta cada vez mais. Muitos registros de violência estão relacionados ao tráfico de entorpecentes, furto ou roubo para a manutenção do vício ou do consumo por parte dos dependentes.

Em 2015, a Agência da ONU para Drogas e Crime (UNODC) divulgou que o Brasil teve aumento no consumo de cocaína e maconha nos anos anteriores. No Brasil, o uso de cocaína aumentou de 0,4% em 2001 para 0,7% da população entre 15 e 64 anos. Recentemente, o governo Bolsonaro contestou a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), instituição ligada ao Ministério da Saúde, que concluiu um levantamento em 2016, onde apontou que, no Brasil, 0,9% da população usou crack alguma vez na vida, 0,3% fez uso no último ano e apenas 0,1% nos últimos 30 dias. No mesmo período, maconha, a droga ilícita mais consumida, foi usada por 1,5%, e a cocaína, por 0,3% dos brasileiros. Estes números, segundo a Fiocruz, não caracterizariam uma epidemia de drogas, o que contrariou vários setores do governo.

Para o levantamento, a Fiocruz usou a mesma metodologia da Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar, a Pnad, do IBGE, para ouvir 16.273 pessoas em 351 cidades. Foram analisados primeira vez, os padrões de consumo dos municípios rurais e da faixa de fronteira do país. Investigou-se o uso de drogas lícitas – tabaco e cigarro – e ilícitas em dez tipos ou categorias: maconha, haxixe ou skank, cocaína em pó, crack e similares, solventes, ecstasy/MDMA, ayahuasca, LSD, ketamina e heroína, além de estimulantes e anabolizantes. A pesquisa não divulgada oficialmente segue sendo contestada.