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Dr. Abram Wendrownik, uma vida a serviço da medicina

Por décadas atuando na cidade como pediatra, médico descendente de poloneses, cuidou de várias gerações

Entrevista
Por Redação
12 de agosto de 2019 - 0h01

POR ALOYSIO BALBI

Aos 91 anos, sendo 60 dedicados integralmente a medicina, Dr. Abram Wendrownik, filho de poloneses, nascido em São Paulo, criado no Rio de Janeiro e campista por opção desde que se formou em 1959 pela Universidade Federal Fluminense – UFF- é uma unanimidade; não somente como médico, mas principalmente com ser humano. Exercendo a medicina até hoje, Dr. Abram deu a primeira entrevista de sua vida. Não foi bem uma entrevista, e sim uma lição de vida, uma vida rara de um homem raro.

Defensor intransigente da Educação, o médico que, aos cinco anos morou em casa de teto de zinco e paredes de sapê na Baixada Fluminense, nunca se interessou por política, mas faz provocantes observações sobre ela. Sobre Deus, diz que acredita em forma de energia. Sobre pacientes, citou emocionado uma que tinha 116 anos. Perguntado se ficou rico com seis décadas dedicadas a medicina, respondeu com uma risada que não tem preço.

Ao mesmo tempo em que reconhece os avanços da medicina, ele alerta para a necessidade de as academias médicas intensificarem a humanização da profissão. Em aposentadoria não pensa jamais; não está nem aí para o resultado da Reforma da Previdência. Para ele, a riqueza que acumulou na vida foram seus pacientes e numericamente talvez nenhum outro os tenha tanto. Admite que se emociona quando sai nas ruas e é abraçado por eles. “Cuidei da saúde deles e hoje eles se preocupam com a minha. Estou muito bem e não me pergunte quem é meu médico”.

Quanto tempo exercendo a medicina?

Me formei na turma de 1959 pela Universidade Federal Fluminense – UFF- em Niterói. Desde então, trabalho e nunca parei. São mais de 60 anos seguidos, sem nunca ter parado, fazendo o que mais amo na vida que é a medicina.

Aos 91 anos o senhor define isso como uma façanha?

Defino como vida. Não me vejo sem trabalhar. Trabalhos todos os dias. Tenho necessidade de me manter em movimento, tanto o corpo quanto o cérebro. Tenho necessidade de prestar meus serviços ao próximo. Na minha vida foram milhares de plantões. Não gosto de recordar muito porque tem vida pela frente. Quando me recordo, lembro-me de Lourival Martins Beda, Jaime Faria e outros colegas que são saudades. Isso é necessário, mas não é muito bom. Bom é ir em frente e eles certamente concordariam comigo.

O senhor nunca deu uma entrevista?

Não. Essa é a primeira. Se eu começar a falar aqui, vamos escrever um livro. Contar que meus pais vieram da Polônia porque contaram para eles que o Brasil era um paraíso, e aqui se fazia amigos rapidamente, com um povo cheio de calor humano. Se você me perguntar se meus pais estavam certos, eu diria que, naquela época, sim. Não que o Brasil e seu povo tenham mudado, mas o mundo inteiro mudou. E também, antes que você me pergunte, eu sou brasileiro, nascido em São Paulo e sou testemunha viva de que no aspecto humano o mundo poderia ter evoluído bem mais.

Como foi a sua infância?

Foi dura, muito dura. Morei em casa de teto de zinco em Nilópolis, na Baixada Fluminense, na Grande Rio. Morei em casa de sapê em Queimados também na Baixada. Meus pais não tiveram vida fácil aqui. Tudo era com muita dificuldade. Mas consegui estudar e me formar em medicina pela Universidade Federal Fluminense, uma das melhores do país. Meu filho, Educação é tudo, mas tudo na vida. O resto é secundário. Podem tirar tudo de você, menos o que você aprendeu.

A Educação brasileira vai mal?

Nas últimas décadas sim e em todos os níveis. Hoje, exatamente hoje, fala-se mais em construir presídios do que escolas. No meu tempo, o discurso era outro: construir escolas para fechar presídios. Nunca me envolvi com política, mas sempre me considerei um ativista, mesmo que de forma isolada, em defesa da Educação. Os professores não ganham o que deveriam ganhar. Para chegar aqui, tive muitos professores e é uma categoria extraordinária, mas hoje pouco reconhecida.

Isso é uma homenagem aos professores?

Professores e professoras deveriam ser alvo de homenagens todos os dias. Eu sou de um tempo onde um pai batia no peito e falava com um enorme orgulho “Minha filha é professora”. Hoje, muitos têm vergonha. É preciso inverter isso rapidamente, pois caso contrário o futuro deste país vai se tornar imprevisível, para não dizer previsível demais.

O senhor lecionou medicina?

Não. Não tinha tempo para ensinar, mas reservava um pouco de tempo para continuar aprendendo, me atualizando. São seis décadas de medicina de forma integral. Tenho dúvidas se seria um bom professor. Minha prioridade era atender em ambulatórios, nos plantões. Assim eram minhas horas, meus dias. Fiz dois juramentos na minha vida: um de médico outro de maçom e honro a ambos.

Exercendo medicina há 60 anos o senhor ficou rico?

Pena que os leitores não vão ouvir o som da risada que dei quando você me perguntou isso. Logicamente, não fiquei rico. Não tive tempo para ganhar dinheiro. Sou rico de outras coisas, como o fato de quase não poder sair na rua, aqui pelo Centro, e encontrar pacientes que me abraçam e sempre falam aquela tradicional frase “obrigado Doutor”, quando na verdade sou eu quem agradeço. Nada contra quem ganhou dinheiro, tanto que reclamei aqui da questão do magistério. Mas eu não tinha isso como prioridade de vida. Ganhei o que precisava, para gastar com o que precisava. Com isso ganhei mais tempo para trabalhar como médico por mais tempo.

O senhor foi médico de várias gerações e então são muitas as histórias, não?

Te disse que dava um livro (rindo…). Eu aqui atendi muitas crianças que cresceram, se tornaram pais e trouxeram seus filhos. Esses filhos também cresceram e igualmente se tornaram pais e trouxeram seus filhos. Já fui médico do bisavô e avô de muitos dos meus atuais pacientes. São muitos os casos assim.

Um paciente em especial?

Dona Eber, que morava em Palacete, um lugar no limite de Campos com São João da Barra. Era plantonista do Posto de Barcelos. Dona Eber é uma daquelas pacientes que marcam a gente. Mulher forte, com mãos calejadas de trabalhar na lavoura e com uma saúde de ferro, que aos poucos foi perdendo. Parece uma paciente como qualquer outra, mas dona Eber tinha nada mais nada menos que 116 anos e, de certa forma, ainda trabalhava. Trabalhar faz bem para a saúde. Foi o tempo que acabou levando dona Eber.

O senhor acredita em Deus?

Um Deus diferente. Para mim Deus é uma energia, pelo menos essa é minha filosofia. Cada um enxerga o Deus próprio. Lógico que existe algo acima de nós. Acredito na soma de todas as energias e Deus está presente em cada uma delas. Acredito em alma. A medicina está falando em um homem robótico, artificial, mas não vejo alma nisso. A coisa artificial não tem sentimentos. Nada tenho contra o maravilhoso avanço da medicina, estou apenas fazendo uma analogia.

E como o senhor enxerga Campos?

Campos e muitas cidades caminham em sentido contrário. Quando um homem de 91 fala essas coisas, parece que está vasculhando na memória seu saudosismo. Mas que saudosismo é esse!? Eu tenho saudade do bonde que Campos tinha. Eu falo isso e parece coisa de velho. Então digo aos mais novos: vocês não têm ônibus. Certamente poderíamos estar bem melhor.

O senhor tem noção de sua importância como médico para Campos?

Não quero medir isso. Se soubesse também não teria. O reconhecimento que me satisfaz, como já te disse, é encontrar pacientes na rua que correm para me dar um abraço. Eu que cuidei da saúde deles e eles, hoje, com o passar do tempo, se preocupam com a minha. Afirmo aqui que minha saúde vai muito bem e não me pergunte quem é meu médico.

O senhor acha que os médicos de hoje estão menos humanizados?

Não é culpa deles. O mundo gira. A medicina avançou e esse avanço tira muito da coisa humanista do médico. São médicos excelentes, mas essa perda houve. Porém posso afirmar que em uma situação extrema o médico mesmo jovem, ele reage em geral de forma humana. Uma coisa compensa a outra. Percebo até que já há alguns anos existe uma grande preocupação das escolas de medicina de todo o mundo em trabalhar essa questão da humanização que é algo inerente ao médico.

E como se forma um bom médico?

Com bons professores, e aí retomo ao tema Educação. O futuro médico sabe que precisa aprender muito, estudar muito e tem que ser extremamente vocacionado. Com toda certeza, ele antes de chegar ao curso de medicina passou por um processo de Educação acima do razoável.

E o que é preciso para ser um bom médico?

Basta honrar e cumprir o juramente que fez quando se formou.