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Na expectativa por uma família

No Estado do Rio, 379 menores estão disponíveis para adoção, sendo que 35 estão em Campos. Destes, apenas um tem menos de seis anos

Geral
Por Redação
11 de agosto de 2019 - 0h01

Quase 5 mil crianças e adolescentes
estão à espera de um lar no país (Foto: Silvana Rust)

Segundo os dados estatísticos mais recentes do Cadastro Nacional de Adoção, vinculado ao Conselho Nacional de Justiça, 4.945 estão a espera de um lar. Outras 4.705 crianças e adolescentes estão acolhidas em todo o país, mas ainda possuem vínculos familiares. No estado do Rio de Janeiro, 379 menores estão disponíveis para adoção, sendo que 35 estão em Campos. Destes 35, apenas um tem menos de seis anos, fase preferida por quem quer adotar. Segundo dados da Fundação Municipal da Infância e Juventude (FMIJ), 13 acolhidos estão na faixa etária entre 7 e 12 anos e 21 acolhidos têm entre 13 e 17 anos.

Quando se trata da quantidade de pretendentes (pessoas que querem adotar) cadastrados a nível nacional, o número é praticamente cinco vezes maior que o número de crianças e adolescentes disponíveis para adoção. São 46.185, sendo que 42.540 estão aptos para adotar. Entre os pretendentes de todo o país que planejam adotar crianças pela faixa etária, 32.224 (76%) preferem crianças de até cinco anos de idade. O perfil de crianças acima desta idade até os 17 anos são alcançados por apenas por 10.177 pessoas (24%). Isso significa que muitas crianças maiores ficam por anos nos acolhimentos sem encontrar uma família. Algumas chegam até a completar 18 anos ainda sem encontrar um lar, são então que elas precisam sair destes acolhimentos. Em Campos, há um total de oito unidades de acolhimento institucional, que recebem tanto crianças que ainda mantêm o vínculo com a família, como as que não possuem um lar e estão aptas para serem adotadas.

Segundo a presidente da Fundação Municipal da Infância e Juventude (FMIJ) de Campos, Sana Gimenes, a maior parte destes menores são afro-descendentes e tem mais de cinco anos. Ou seja, diferente do perfil mais buscado por quem quer adotar.

“Ainda prevalece a lógica de que as famílias preferem as crianças menores e brancas, mas isso está mudando e as pessoas estão tendo outra consciência do que é adoção para além daquela coisa muito próxima da biologia. A grande questão é que ser pai e mãe não é fácil em hipótese alguma, mas quem tem esse sonho vai viver essa emoção da mesma forma, seja biológica ou adotiva. Uma adoção é algo muito sério que é pensado e sonhado por muito tempo… Além disso, são crianças e adolescentes que têm muito amor a oferecer. O fato de terem vivido situações traumáticas não impede isso, pelo contrário”, explicou.

Na adoção, uma das fases mais difíceis é o período de adaptação à nova família (Foto: Silvana Rust)

Para a psicóloga Patrícia Barreto Silva, que trabalha em uma das casas de acolhimento de Campos, crianças e adolescentes que são adotados tardiamente tendem a buscar mais agradar a nova família e também sofrem mais com a situação de abandono, por já terem uma consciência mais desenvolvida.

“Elas têm a consciência de que por serem mais velhas, é mais difícil de conseguir uma família, mas ao mesmo tempo isso gera uma ansiedade e expectativa. Eles se preocupam se a família vai gostar deles. O que vejo na prática, é que as crianças da adoção tardia querem tanto uma família, que têm uma adaptação muito rápida”, ponderou.

Já em relação aos que querem adotar, Patrícia alerta que a idealização de uma família perfeita precisa ser desconstruída. “A família idealiza que a criança mais nova vai atender à expectativa da família, que vai ‘pegar o jeito dos pais’, mas isso é errado, porque às vezes nem o filho biológico, que está naquela família desde o primeiro dia, tem esse ‘jeito dos pais’. Essa ilusão que alguns pais às vezes criam em busca de uma criança perfeita, precisa ser desconstruída. Alguns não querem adolescentes porque alegam que eles dão mais trabalho, mas adolescente dá trabalho de qualquer jeito. Não existe criança ou adolescentes perfeitos. É preciso mais incentivo para a adoção tardia, eventos e debates para conscientizar as pessoas”, defendeu.

E com este objetivo de incentivar a adoção tardia, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, disse em abril deste ano que o Governo Federal deve lançar uma campanha e ainda enviar para o Congresso um projeto de lei que prevê alterações na Lei da Adoção. Segundo ela, a intenção de mudar a legislação é fazer com que o procedimento completo dure nove meses, o mesmo tempo de gestação de um bebê. “No máximo nove meses entre a destituição do pátrio poder e o deferimento da adoção, mas se for mais rápido, melhor. Queremos desburocratizar e melhorar a legislação”, garantiu durante um seminário para debater o tema.

Presidente da FMIJ, Sana Gimenes (Foto: Carlos Grevi)

E depois dos 18?

Uma das iniciativas recentes do poder público municipal é o Programa de Autonomia e Estratégias para o Desligamento Institucional (Paedi), que tem como objetivo a inserção destes adolescentes de 14 a 17 anos na vida adulta de maneira que os auxiliem a enfrentar os desafios da vida. O programa está sendo implementado em agosto de 2019 pela FMIJ.

“Depois dos 18 anos, nós não podemos mantê-los nos acolhimentos e este programa é para preparar esse adolescente para que ele viva a vida adulta, dando responsabilidade a ele também. Isso envolve orientações básicas como lidar com dinheiro, se locomover sozinho pela cidade, cozinhar. Possibilitamos a eles reflexões sobre a importância de seu protagonismo para garantir o exercício da vida autônoma na comunidade”, frisou a presidente da FMIJ, Sana Gimenes.

Ainda segundo Sana, em um caso recente, um adolescente completou 18 anos e a equipe da FMIJ já havia o preparado para os novos desafios. “Ele recebia um dinheiro a que tinha direito e a equipe o ajudou a arrumar um local alugado para morar e desde então faz todo o acompanhamento para verificar o desenvolvimento dele durante alguns meses”, explicou.

Adoção tardia e final feliz

De maneira geral, as histórias destas meninas e meninos que buscam um lar são marcadas por situações de abandono e traumas, mas a adoção pode proporcionar a eles uma nova chance de recomeço. A funcionária pública Thaís Lopes e a professora Andrea Souza moram juntas há dez anos e são casadas há três. Embora não tenha sido o desejo inicial, elas adotaram três irmãs em Campos que hoje tem 3, 7 e 11 anos.

“Adotar crianças maiores não era o nosso sonho inicial, mas percebemos que era preciso nos despir de todos os preconceitos e descobrimos que queríamos filhos, fossem grandes ou pequenos. Em 2018 fomos consultadas para o nosso trio de bonecas, com 10, 6 e 2 anos. Tivemos trigêmeas, com idades e comportamentos completamente diferentes, mas com o mesmo sonho que nós: sermos uma família, sermos e fazermos as outras felizes, construirmos uma história linda”, lembrou Thaís.

Ainda segundo a funcionária pública, foi amor à primeira vista. “Quando fomos até o acolhimento pela primeira vez havia uma sala com umas 60 pessoas chorando e nos avisaram que era a última oportunidade delas ficarem juntas, senão eles iam separá-las para que as chances delas serem adotadas aumentassem. Quando elas foram avisadas que nós seríamos as mamães e que elas iriam continuar juntas, eu vi os três sorrisos mais bonitos da minha vida e eu ganhei os três melhores abraços da minha vida e percebi que eram elas. Meu colo estava esperando por elas. Naquele dia mesmo, elas nos chamaram de mãe e perguntaram quando a gente iria pra casa. Tivemos uma adaptação muito tranqüila e com muito pouco tempo, toda a família estava totalmente integrada, nossos amigos, familiares, todos da família as acolheram”, contou emocionada.

Outro caso comovente de adoção tardia foi o de quatro irmãos com idades entre 7, 10, 11 e 13 anos, adotados por duas famílias. A história é contada pela psicóloga Patrícia Barreto, que acompanhou todo o processo. “Eles eram muito unidos e tinham medo da separação, por isso não queriam ser adotados. Fomos trabalhando essa consciência deles, até que foram mudando de ideia a partir do momento que o mais novo passou a querer uma família. Apareceu um casal interessado nos dois do meio e poucos dias depois apareceu outro casal interessado no menor e no mais velho. Eles eram muito unidos, muito. A gente falava que era a família de patinhos, porque onde um ia, todos iam também”.

Ainda segundo a psicóloga, as duas famílias que adotaram os quatro irmãos passaram a vir em Campos visitá-los e se conheceram no Dia das Mães, no acolhimento. “Ali percebi que os irmãos passaram a ter mais tranquilidade e as famílias falaram que eles iam se visitar mesmo morando em casas diferentes. Assim aconteceu. As duas famílias estão em fase de adaptação. Acompanhamos esse período e percebemos que estão super dispostas a manter este vínculo. Acompanhar esse processo deles é muito gratificante”, concluiu.