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Entrevista com Christina H. Coutinho: remando em outras marés

Com 60 verões bem vividos, Tina aposta em um novo estilo de vida e se forma em professora de yoga

Entrevista
Por Redação
29 de julho de 2019 - 0h01

Christina Coutinho, a Tina, como os americanos gostam de definir, sempre foi uma garota popular. Não pela forma das coisas que tinha, como um avião de verdade, mas pelo conteúdo de suas ideias. Sempre esteve um pouquinho à frente do seu tempo. Jamais gostou do rótulo de ” filha de usineiro”, embora sempre tenha trabalhado na usina da família. Hoje, se aproximando do seus 60 verões muito bem vividos, Tina deu uma guinada na vida. Decidiu remar e se transformou em professora de yoga. Filha de norte-americana com nordestino, Tina é a mais completa tradução de uma menina que viveu intensamente os anos 80, e que hoje com mais idade, menos ansiedade, mas com a mesma gana, rema com a prancha apontada na direção do destino que escolheu.

 

Você tem dupla cidadania: brasileira e norte-americana. Em uma entrevista com a sua mãe, na época, ela escrachou o presidente Trump. Você concorda com ela?

Na minha opinião pessoal, ele é extremamente antipático e cheio de soberba. Nem consigo ficar olhando ele falando com aquele topete e biquinho na TV. No entanto, me sinto incapaz de julgá-lo na política. Falo dos resultados econômicos que, pelo que se fala, são bons. Tenho alguns amigos americanos que gostam do jeito que ele está governado. Outros não gostam nem um pouco. Quanto a dupla cidadania, minha mãe nasceu nos Estados Unidos, mas eu sou mesmo brasileira, e ela se vê assim também já há muito tempo.

 

Quem te conhece sabe que você nasceu em berço e cresceu em cama de ouro. Sua família tinha até jatinho particular. Mas você sempre foi despojada, em comparação a outras, digamos assim, muito ricas de sua geração. Tem um pouco de nordestina nisso?

Pois é, acho que tudo tem seu tempo. Não fico me lamuriando por coisas que já não tenho mais. Principalmente se foram bem usadas na hora certa. Nunca me permiti ser definida por bens materiais porque sempre soube que um dia eles poderiam não estar mais disponíveis. Acho que o fato de sempre morar longe, me deixava bastante tempo livre para pensar e refletir sobre o que realmente vale a pena. E sempre família e amigos vem em primeiro lugar. Você pode ter certeza que esse é um grande aprendizado de vida. Quanto ao “nordestina” tenho muito orgulho, pois é a terra do meu pai, Geraldo Coutinho, uma pessoa que quem teve o prazer de conhecer jamais esquecerá.

 

Enquanto a maioria das meninas da sua geração escolhiam a feminilidade do Auxiliadora você escolheu o Salesiano. Era para acompanhar os irmãos, ou já era a Tina, sempre feminina mais de certa forma sempre contestadora?

Estudar no Salesiano daquela época (acho que foi em 76) foi uma experiência inovadora para os padres e para nós (eu e umas amigas), como primeiras meninas a estudar lá. Era de uma simplicidade espartana, havia apenas o necessário, mas eles sabiam valorizar o indivíduo. Lá, não havia classes distintas, éramos todos estudantes. Me lembro de cada padre: Olímpio, Pascoal, Afonso, entre outros. Realmente fomos pioneiras. Naquele tempo, por exemplo, meninas não estudavam na Escola Técnica, hoje IFF, assim como meninos não estudavam no Auxiliadora.

 

De que você sente falta daqueles anos 80 em Campos?

 

Sinto falta principalmente da sensação de segurança que nós todos tínhamos e hoje os tempos são outros, preocupantes em termos de insegurança. Esse encarceramento voluntário que nós estamos vivendo por conta desse medo, jamais pensei viver um dia, mas é a pura realidade. Hoje em dia nossa liberdade é limitada. Sinto-me refém e impotente diante dessa realidade. Mas isso aconteceu no país como um todo. Então, realmente eu sinto falta daquela Campos segura, que você poderia ir a qualquer lugar, a qualquer hora, correndo risco mínimo. Hoje, com toda prevenção, os riscos são grandes.

 

O que é melhor: jogar carteado na varanda da casa de Grussaí ou ver ou ser vista na rua das Pedras em Búzios?

 

A varanda da casa de Grussaí é para ficar na memória de todos. As noites jogando buraco, ou mesmo conversando com os amigos. As gerações se encontravam. É uma parte muito lúdica da minha história. Quanto a Búzios, é um Paraíso, mas quando eu fecho os olhos e me reporto ao passado pensando em uma praia, vem uma memória olfativa em mim. Um cheio do mar de Grussaí. Também é uma memória afetiva. Lembro dos carnavais no Clube e muitas vezes a chamada concentração antes de ir para o baile acontecia naquela varanda simples mais terna, e para mim será sempre eterna.

 

Houve um tempo que você tocava junto com Gel os negócios da família. Continua fazendo isso ou acompanha com determinada distância?

Trabalhei na usina toda a minha vida. Mas agora me permiti esse distanciamento, pois estava afetando minha saúde. Meus irmãos e meu sobrinho continuam à frente. Eu fico acompanhando com uma certa distância. Então, essa coisa de dondoca nunca rolou não. Sempre estive ao lado dos meninos e participando das decisões da usina. Quando esse segmento da nossa economia começou a enfrentar dificuldades a gente trabalhou mais ainda. Tenho muito orgulho disso. Foi uma das muitas lições que meu pai deixou.

 

Sua mãe disse que desapegou dos cães que criava. Você desapegou de algumas coisas no curso destes anos? Pode citar algumas?

Risos. Minha mãe pode ter desapegado dos cachorros, mas eu ainda crio alguns e sou totalmente apaixonada por eles. Acho que no decorrer da vida há sempre desapego, alguns voluntários, outros nem tanto. Mas precisamos aprender a viver o presente e entender que a maioria das coisas tem o seu tempo.
A yoga esta me ajudando muito a entender esse tempo. Estou aprendendo a me concentrar no presente.

 

Me contaram que aquela menina de Lua, que gostava da noite, agora é solar? Isso é vero?

Hahah… aquela menina era intensa e se atrevia gostar da lua e do sol. Até que um dia ela teve que escolher, simplesmente porque não havia condições físicas. Como eu já tinha visto demais a lua, optei pelo sol. E foi uma escolha maravilhosa pelo momento que estou vivendo. A gente vive mais intensamente. Respira o dia por inteiro e mantém a saúde. Acho que isso acontece com muitas pessoas. Eu sou hoje uma pessoa diurna, embora nunca tenho deixado de amar a noite, mas tudo na medida certa. É um ponto de equilíbrio. Não é mais a noite pelo o dia e sim o dia pela noite. Todos deveriam experimentar essa mudança.

 

Também soube que está remando. Conta aí…

O SUP entrou na minha vida há 5 anos. Estava em depressão e tentando entender e superar a morte do meu irmão mais novo e sua mulher. Ele me ajudou a navegar nesse sofrimento de perda. Com o SUP, minha vida mudou, paramelhor, fiz novos e bons amigos e conheci um lado de Campos que é maravilhoso e tão mal aproveitado. Não existe nada tão poderoso como o contato direto com a natureza. Essa sensação de pertencimento é inebriante e viciante. Ali, Deus se revela na sua totalidade. Estou em permanente comunhão com isso.

 

Por que não surfou naquela época dos anos 80, como seu irmão Maurício fazia?

 

Olha, você está falando dos anos 80, quando o surfe apareceu com força. Era um esporte de meninos. Hoje não, as mulheres acertadamente entraram nessa onda. Mas naquele tempo meninas não usavam pranchas. Se fosse hoje, com a juventude de ontem, estaria certamente surfando ondas. Então, ficava vendo o Maurício praticar com seus amigos o esporte e adorava. Temos essa coisa do esporte e aventura na família. O Gel, por exemplo, gosta de voar de ultraleve. Faz isso há muitos anos.

 

Parece que a Tina Coutinho está respirando outros ares, como por exemplo os ares da Yoga. Se encontrou com a Yoga?

Pois é, eu e a yoga temos um longo caminho e muitos desencontros. Mas, juntamente com o Sup, eu a procurei como um instrumento para auxiliar a lidar com a dor. E ela me ajudou tanto que resolvi levar a sério. Prestes a fazer 60 anos eu me presenteei com um curso de formação de professor. E foi o melhor presente que já ganhei na minha vida. Meditar é algo necessário, tanto quanto respirar… E na yoga as duas coisas se confundem. Excelente para o corpo e melhor ainda para a mente e para alma. É incrível.

 

Qual conselho você daria às mulheres de sua geração para se comungar com a natureza?

Meu professor me disse um dia: saia de sua zona de conforto se você quer que sua vida melhore. Não use de desculpas e subterfúgios só porque você já chegou a uma certa idade. Você já parou para pensar, que se você estiver receptiva, o universo pode te revelar surpresas incríveis? Para mim a natureza é um veículo de cura, um ambiente sagrado onde eu consigo me sentir parte de algo maior.