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Bolsonaro e os 200 dias de governo

por Guilherme Belido

Geral
Por Guilherme Belido
28 de julho de 2019 - 0h01

Com gestos imprevisíveis,
presidente faz com que País
viva em estado de sobressalto

A famosa marca dos 100 dias de governo vem de longe, tem origem na França e, não obstante histórica, está inserida em contexto meramente simbólico.
Diz respeito ao distante ano de 1815, quando o imperador Napoleão Bonaparte, após fugir da ilha de Elba, na Itália, onde cumpria exílio, retornou a Paris para governar a França por cem dias, até que nova derrota na Batalha de Waterloo o afastara em definitivo.
Assim, não obstante a narrativa lendária do período, com o passar dos tempos os ‘Cem Dias de Napoleão’ se transformaram numa espécie de baliza com que se “avalia” a fase inicial dos governos. Entretanto, apesar de se levar em conta a insipiência de tão curto prazo de tempo, não deixa de ser um cartão de apresentação.
Logo, se a aferição em cima dos 100 dias de governo é tanto emblemática quanto objetivamente irrelevante, os 200 – que sem o glamour histórico quase passam despercebidos – já não são tão simbólicos assim, ultrapassando a metade do primeiro ano do mandato e permitindo, quando pouco, um esboço de análise.
Semana passada a administração do presidente Jair Bolsonaro completou 200 dias, os quais, essencialmente, foram marcados por embates e ações imprevisíveis.
Discursos pouco convencionais e defesa de pautas excêntricas tem gerado polêmicas e revelado um modus operandi confuso.
Numa lista quase interminável constam, entre outras, a intromissão dos ‘filhos presidenciais’, o vídeo durante o carnaval que acabou divulgando o que desejava combater, o discurso de “rememorar o Golpe de 64” e as alfinetadas em Rodrigo Maia que puseram em risco a votação da reforma da Previdência.
Prosseguindo, cunhou a pejorativa expressão “política velha” também no momento errado e divulgou o “compromisso” de indicar Moro para o STF. Em outra fala infeliz, a citação que “democracia e liberdade só existem se as Forças Armadas quiserem”… e por aí segue.
No geral, o presidente esteve mais distante do que próximo da liturgia do cargo e parece não ter entendido que ao subir a rampa do Planalto deixava para trás o palanque de campanha.

Nível de confiança afetado

Chegando muito perto de completar 15% do mandato, a impulsividade de Bolsonaro segue como característica indelével do governo, o que gera tensão em diferentes segmentos da sociedade e deixa o País em permanente estado de alerta, como que a se perguntar qual vai ser a surpresa da semana.
Além de não fazer bem ao Brasil, essa maneira de agir atrapalha a governabilidade na medida que produz inquietação. Afinal, ao mandatário, àquele que está no poder, interessa a calmaria, não o contrário, posto que politicamente ele próprio é quem tem mais a perder num ambiente conflituoso.
Para fazer justiça, nas últimas semanas – no período que antecedeu a votação da reforma da Previdência para cá – o presidente pisou no freio e, prudentemente, vem adotando posições mais cautelosas.
Isso, apesar das desafinações recentes, como o desastroso anúncio de que irá indicar seu filho, Eduardo Bolsonaro, como embaixador em Washington, o que, para além do nepotismo, gerou indignação em diferentes segmentos da sociedade face à falta de credenciais do deputado para tão elevado cargo; bem como de comprar mais uma briga com a imprensa ao dizer, sobre o mesmo assunto, que se a mídia está criticando a indicação, significa que a escolha foi acertada; e, ainda, o ataque gratuito à jornalista Miriam Leitão, a quem chamou de mentirosa (“conta uma drama todo… de que teria sido torturada… mentira, mentira”), contrariando fatos comprovados por documentos o que despertou a fúria da Rede Globo, que usou a audiência do Jornal Nacional para contundente nota de repúdio.
Mas, de toda sorte, Bolsonaro parece ter reduzido a ‘produção de constrangimentos’. Torçamos para que sim, muito embora na média dos 200 dias faça pouca diferença.

Economia é o quer mais preocupa

Sendo bastante provável que a Câmara confirme em segundo turno a aprovação do texto base da reforma da Previdência, espera-se que a economia comece a reagir a partir de um ambiente de negócios confiável, o que significa dizer mais investimentos, crescimento, redução de juros e melhora no nível de emprego.
Mas, por ora, o gráfico dos 200 dias é de curva descendente, com sucessivas quedas na previsão de crescimento do PIB, alto nível de ociosidade na indústria, desemprego chegando aos 14 milhões, 5 milhões em desalento, endividamento das famílias batendo recordes, nenhuma melhora em dados macroeconômicos, deterioração das expectativas e, na soma geral, economia estagnada. Em resumo, um quadro de total letargia.
Uma observação bastante simples ilustra a situação: comparar em que patamar estava a economia brasileira 200 dias após Michel Temer tomar posse como presidente, com o mesmo período de Bolsonaro. Isso, sem levar em conta a precária legitimidade de Temer e o grave cenário em que recebeu o País.
Então, não estamos a falar de análise pessimista, mas de fatos concretos. De mais a mais, a reforma da Previdência, a despeito de absolutamente necessária, sozinha não é suficiente para recuperar a expectativa de crescimento.
E não vamos entrar aqui na assustadora falta de habilidade do governo para aprovar a mudança, lançando mão de uma atmosfera de terror, com Paulo Guedes ‘advertindo’ que o Brasil iria parar, iria quebrar e iria sair do mapa se a reforma não fosse aprovada, o que contribuiu de maneira significativa para que os avanços conquistados em 2017/18 e que espantaram recessão praticamente se perdessem.

Tuítes e os ‘filhos presidenciais’

Numa imitação de Donald Trump (como se Trump fosse exemplo a ser seguido), Bolsonaro iniciou o governo inovando, emprestando a seu tuíter status de porta voz da Presidência da República.
Não assimilou que a cadeira de presidente guarda peculiaridades que precisam ser observadas, sob risco de banalizar o cargo a afetar a imagem do País dentro e fora de suas fronteiras.
Nesse particular os filhos do presidente, tratados pela mídia de ‘filhos presidenciais’, prestaram desserviço sem precedente em desfavor do Brasil.
O vereador Carlos Bolsonaro, sem qualquer cerimônia, chamou o então ministro Gustavo Bebianno de mentiroso. Divulgou um áudio do próprio presidente enviado a Bebianno e, com ou sem razão – não vem ao caso – agiu como se fosse o porta voz da Presidência.
Não tardou para deslocar artilharia contra o vice Hamilton Mourão, com insinuações de que o general buscava debilitar o presidente. Carlos Bolsonaro chamou o vice presidente de “o tal Mourão”, “queridinho da imprensa” e o acusara de ligações com “políticos que detestam Jair Bolsonaro”.
Novamente o vereador do Rio agira como se fosse o representante oficial do presidente e, para tal, difícil supor que sem consentimento. Também o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, esteve, mais recentemente, na mira de Carlos.
Fechando com ‘chave de ouro’, a já mencionada polêmica em torno da indicação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada nos EUA ganhou novo episódio há 10 dias, quando o presidente disse, com todas as letras, que pretende “beneficiar filho meu, sim”. Ou seja, não só ‘filhos presidenciais’, mas também com viés de monarquismo.