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Acessibilidade que ninguém vê

Deficientes físicos e visuais percorreram o Centro de Campos para mostrar obstáculos e dificuldades de locomoção encontrados no caminho

Campos
Por Redação
7 de julho de 2019 - 0h01

O professor JJ mostra dificuldades ao desviar do poste no meio do piso tátil, que deveria estar livre

Acessibilidade. Segundo o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, esta palavra pode ser definida como “condição de acesso por parte do portador de necessidades especiais”. Muito é falado sobre este termo nos dias atuais e, embora várias campanhas de conscientização sejam
divulgadas em todo o país em favor da acessibilidade, a cidade de Campos ainda está longe de ter as condições ideais para garantir o ir e vir de quem tem algum tipo de dificuldade de mobilidade. Calçadas estreitas, falta de rampas, calçamento tátil ineficiente, buracos nas calçadas e transporte público inadequado foram alguns dos problemas citados.

Para João José Nunes dos Santos, o professor JJ, Campos é definida como uma cidade cruel para quem é cego. Ele tem 61 anos e não enxerga desde os 10. “Ser cego aqui é cruel. Onde tem piso tátil, na tal obra da reforma do Centro feita há alguns anos, os postes são colocados bem no meio da acessibilidade. Em cada esquina existem uns ferros com uns 90 centímetros de altura e aquilo é um perigo pra gente. Tenho um amigo que bateu com o órgão genital dele ali e chegou a desmaiar de dor e dia desses eu cheguei aqui em casa com a testa cortada porque bati em um medidor de luz que já estava quebrado”, desabafou.

E segundo o professor os problemas não param por aí. “Outro grande perigo são os cruzamentos de algumas ruas do Centro que a calçada é do mesmo nível da rua. Nós cegos, às vezes estamos já no meio da rua e não percebemos. Tem muita armadilha”.

Quem também enfrenta muitas dificuldades no dia a dia é o cadeirante Alessandro Martins Guimarães. O Pitty, como é conhecido, é atleta do basquete em cadeira de rodas da equipe campista e é cadeirante há 30 anos.

“No meu caso, o transporte é a parte mais difícil. A gente sabe que existe a lei bonita no papel, mas infelizmente a realidade é muito diferente. Campos tem uma frota de ônibus adaptada, mas na grande maioria o elevador não funciona. Acho que deveria ter um controle e fiscalização maior, porque na maioria das vezes o elevador não funciona por falta de manutenção. Acho que hoje a maior dificuldade do cadeirante é o transporte público. Nossa realidade é muito complicada, muito difícil. Eu sei que na cidade tem táxi adaptado, mas a gente sofre para conseguir”, contou.

Calçadas não possuem largura necessária para passagem de cadeirantes

“Somos a única empresa de táxi de Campos que colocou um carro adaptado para rodar. Hoje, somente com a adaptação de um veículo, precisamos investir R$ 35 mil. Eu já levei ofícios para o Instituto Municipal de Trânsito e Transporte (IMTT) e pedi que eles abrissem uma licitação para a gente colocar mais carros adaptados, mas ainda não fizeram nada. Nós temos hoje um carro assim, mas é o único para atender a cidade toda e muitas vezes este veículo está ocupado”.

Não são apenas as pessoas que possuem algum tipo de deficiência que sofrem com a falta de acessibilidade em Campos.

A empresária Luana Freitas é mãe do pequeno Davi Lucas, de 4 meses. Para ela, andar com o filho no carrinho de bebê é um desafio. “Em todos os passeios que vou com meu filho, eu levo o carrinho. Porém, essa locomoção é muito difícil. Nem todos os lugares estão preparados para nos receber. Percebo que a cidade tem tentado se adequar no quesito locomoção, mas ainda está longe do ideal. Além disso, é necessário a conscientização das pessoas que muitas vezes obstruem calçadas e rampas de acesso, por exemplo”, alertou.

Instituições reclamam de falta de apoio
Em Campos, alguns locais funcionam com o objetivo de prestar assistência para estas pessoas com necessidades especiais e quem está à frente destas instituições engrossa o apelo para políticas públicas mais efetivas sejam implementadas, como é o caso da Naira Peçanha, presidente da Associação de Pais de Pessoas Especiais (Apape).

“Fala-se em inclusão e acessibilidade, mas isso tem que ser de forma geral. As pessoas precisam ter acesso à políticas e direitos contidos na Constituição Federal, mas isso não acontece na prática. Não acontece no poder público, em prédios, nos transportes, não temos as calçadas voltadas para esta necessidade…”.

Ainda segundo Naira, a Apape já tentou medidas eficazes, mas não obteve resultados fora do papel. “Chegamos a participar de uma audiência pública sobre esse assunto, mas ela não teve continuidade. A gente não vê uma fiscalização de forma eficaz feita pelo poder público. É algo que precisa ser mais discutido. Nós ainda nem começamos a fomentar essa política de direito. Ainda estamos muito longe de ter acessibilidade na sua integralidade aqui”, lamentou.

Em coro com Naira, o presidente interino do Educandário para Cegos São José do Operário, Roberto Gomes Pereira de Azevedo, também afirmou já ter tentado sem sucesso medidas que beneficiem os portadores de algum tipo de deficiência física.

Cadeirante é conduzida por idoso em meio aos carros na Rua Governador Theotônio Ferreira de Araújo

“Nós já pedimos um sinal sonoro e calçadas melhores pelo menos aqui no entorno do nosso educandário, mas não fomos atendidos. Pedimos ao vereador Jorginho Virgílio há mais de um ano, mas até agora nada. Campos não está preparada para acessibilidade. Nos poucos locais que têm, não funciona. Na rodoviária, por exemplo, as pessoas colocam as bolsas em cima da faixa de acessibilidade. No Centro, a gente vai caminhando na faixa e depois vai parar em cima do poste. É muito difícil. Temos problemas na cidade inteira”.

O vereador Jorginho Virgílio, citado pelo presidente do Educandário dos Cegos, é o atual presidente da Comissão dos Direitos de Pessoas com Deficiência. Segundo ele, o pedido que recebeu foi encaminhado ao Poder Executivo há cerca de um ano, mas por enquanto nada foi feito.

“Já fiz ofícios e também já cobrei medidas ao antigo presidente do Instituto Municipal de Trânsito e Transporte (IMTT) e ao atual, mas não recebi nem uma previsão. A Comissão dos Direitos de Pessoas com Deficiência é um braço que auxilia as entidades. Nós fizemos uma audiência pública no ano passado com todas as entidades que prestam atendimento a pessoas com deficiência e foi uma audiência inédita aqui em Campos que contou ainda com representantes de várias secretarias da prefeitura, que ouviram as demandas. Só que a situação é muito difícil. A cobrança é constante da nossa parte, mas a execução depende da prefeitura”, informou.

Prefeitura responde reclamações

Em nota, a prefeitura informou que a questão da acessibilidade vem sendo tratada através da elaboração do Plano de Mobilidade Sustentável, que direciona de maneira mais específica questões como a padronização de calçadas, dentre outras – com destaque para o estímulo da participação popular.

“A secretaria de Infraestrutura e Mobilidade Urbana informa que toda obra realizada no município respeita as normas de acessibilidade e as mais antigas estão passando por adequações, gradativamente, de acordo com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Com relação à região Central, a secretaria de Infraestrutura e Mobilidade Urbana está revendo alguns pontos para adequações necessárias dentro do projeto Viva o Centro, que devem ser finalizados em até cinco meses. No Calçadão, as equipes já começaram a instalar os postes provisórios de 6 metros. As canaletas também vão passar por intervenção com instalação de uma tubulação. Haverá remoção das grades nos vasos de plantas, que vão passar ainda por pintura e reposição dos que estiverem quebrados. Além de colocação de mais bicicletários, evitando que estes veículos sejam colocados nas grades dos vasos e nas luminárias”, informou a nota.

Sobre as reclamações relacionadas ao transporte público, o IMTT informou que cerca de 60% da frota de ônibus tem o elevador para cadeirante e que as empresas já foram notificadas para que a frota seja 100% acessível. “Todos os ônibus, no entanto, têm piso tátil, braile nos botões de sinaleiro, sinal sonoro e refletivo”.

Além disso, o setor de Fiscalização também recebe denúncias, que podem ser feitas na sede do órgão, localizado na rua Barão da Lagoa Dourada, n° 197 (em frente à Praça do Liceu). Para mais informações, está disponível o número (22) 98175-1160.

Sobre o novo Sistema de Transporte Coletivo, o IMTT informou que é obrigatório que todos os veículos do sistema alimentador tenham elevador para cadeirante, além dos demais itens de acessibilidade e ar condicionado. Quanto à demanda solicitada pelo vereador Jorginho Virgílio, o IMTT busca o equipamento adequado para o semáforo, lembrando que o local possui travessia elevada com piso tátil.