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Entrevista: uma nova face da ciência

Conhecimento e promoção da pesquisa acadêmica estimulam jovem cientista e professora da Uenf e do IFRJ

Entrevista
Por Ocinei Trindade
19 de maio de 2019 - 0h01

(Foto: Acervo pessoal)

A bióloga Aline Chaves Intorne, de 36 anos, é uma entusiasta pela investigação científica. Na Universidade Estadual do Norte Fluminense, tornou-se mestre e doutora em Biociências e Biotecnologia, com período sanduíche na americana Texas A&M University. Seu pós-doutorado foi em Ecologia e Recursos Naturais pela Uenf. Com diversas atribuições, ela está à frente da coordenação do Pint of Science, em Campos, um festival mundial onde se divulga ciência em bares noturnos, de 20 a 22, em três bares da cidade.

Nascida em Resende, Sul Fluminense, Aline Intorne mora atualmente em Campos do Goytacazes. Servidora pública desde 2013, ela é professora do Instituto Federal do Rio de Janeiro, além de colaboradora de programas de pós-graduação na Uenf, orientando alunos de mestrado e doutorado. A jovem pesquisadora se diz apaixonada pelo ofício e pelo atual evento que coordena, com a finalidade de popularizar a ciência entre o grande público.

 

Pela segunda vez, acontece em Campos, o Pint of Science. Como tem sido a experiência?

Ano passado eu coordenei a primeira edição do Pint of Science em Campos dos Goytacazes. Novamente este ano estou na coordenação e tem sido enriquecedor. O festival ocorre no mundo todo. O Brasil tem um grande número de participantes. Este ano, todos os estados do país, além do Distrito Federal participam do evento. São 85 cidades brasileiras e isso nos dá um retorno muito grande em termo de network, visibilidade do nosso trabalho. No ano passado, por exemplo, surgiram interações de pesquisa entre os palestrantes. Novos eventos foram criados a partir dessa experiência, como o Brinde ao Museu, que também coordenei em Campos dos Goytacazes. É, sem dúvida, uma oportunidade de aprender com os colegas, fazer novos amigos e festejar a ciência, cumprindo a missão de difundir conhecimento.

 

Como é possível divulgar ciência em bares? Como aliar conhecimento e diversão em um ambiente tão descontraído e longe da sisudez da academia?

Primeiramente, eu não penso que a academia seja sisuda. Para mim, a academia é o lugar onde eu me acho, um lugar onde me sinto feliz e realizada. São mais de 15 anos dedicados à vida acadêmica, e sou muito satisfeita com as escolhas que fiz. Aliás, o Pint está aí para isso, mostrar que a academia é um lugar onde as pessoas se divertem trabalhando. Desde a minha segunda semana na graduação, eu estou no laboratório e acho maravilhoso. Meus amigos são da academia e eu não os acho chatos, nem cientistas malucos. Então, por que não mostrar isso no bar, levando essa conversa sobre ciência e suas implicações para a população que não é cientista? E é muito bom. A combinação deu certo, tanto que o evento não para de crescer. Já são 24 países participando do evento!

 

Há vários pesquisadores e professores renomados que darão palestras nos bares de Campos. Quais as expectativas da equipe?

As melhores. Ano passado estávamos cheios de dúvidas se a população aceitaria a proposta, se ia gostar da ideia, se ia comparecer. Se os palestrantes iriam topar falar do seu trabalho em um ambiente diferente, com outra linguagem. Mas o retorno foi melhor do que pensávamos. Como é um festival muito organizado, de logística mundial, precisamos coletar dados antes, durante e após a realização do Pint. Enviamos um relatório contendo esses dados e os participantes avaliam diariamente o evento. Os palestrantes também fazem uma avaliação. O resultado que obtivemos foi muito positivo, pedindo até novos eventos que não fossem atrelados ao festival, que é anual. Por isso, no segundo semestre fizemos o “Desvendando Mitos”, que foi um evento também no bar tratando do tema vacinação, e o público compareceu. De fato, superamos as expectativas. Do público, dos palestrantes e as nossas mesmas. Para ter uma noção, o público atingido no ano passado foi 40% acima do esperado inicialmente.

 

Você é uma pesquisadora e doutora formada ainda muito jovem. Em um país onde evasão escolar e falta de infraestrutura são recorrentes em instituições de ensino, como avalia esta situação nacional?

É uma realidade difícil, por isso a necessidade de cuidar da educação no país. Eu tive oportunidades, mas venho de uma família humilde que lutou muito para isso. Nada foi fácil, foi necessário muito esforço dos meus pais e meu também. Virei inúmeras noites estudando e deixei de ir a muitas festas, mas foi transformador, recompensador. É claro que as realidades são diferentes, mas existem políticas que nos permitem alcançar esta formação.

 

Você está na Uenf que figura entre as 15 melhores universidades brasileiras e entre as que mais publicam pesquisas científicas. Por outro lado, os governos têm enxugado investimentos e cortado verbas. Como encara este momento?

Estou na Uenf desde 2002. O corpo docente e discente tem uma qualidade que é reconhecida não só no Brasil, mas ao redor do mundo. Eu vivi isso quando estive nos EUA. Nossos alunos são referência no exterior, uma consequência dos excelentes professores que tiverem na sua formação. E ao longo desses 17 anos para ser mais precisa, passei por períodos de maior e menor disponibilidade de recurso. É cíclico. Depende da economia no país. Importante é continuar e não deixar a peteca cair, eisso a Uenf também sabe fazer muito bem.

 

Como as pesquisas sobrevivem com essa situação?

É difícil, mas a vida do cientista é reflexo de muito amor e dedicação. As ideias não saem da cabeça. Elas permanecem, ficam martelando e como a economia é cíclica, os recursos voltarão em algum momento e os trabalhos serão realizados.

 

Hoje, especula-se em privatizar o ensino, sobretudo as instituições de ensino superior. Como encara essa possibilidade?

Sendo especulação, não me cabe opinar.

 

E as parcerias público-privadas no ensino ou em pesquisas acadêmicas? Há instituições privadas também com desempenho acadêmico, não?

Parcerias público-privadas são muito positivas tanto no ensino como na pesquisa. Por exemplo, nós temos um programa de pós-graduação na Uenf que foi construído assim, unindo a Uenf e a Universidade de Vila Velha. É um programa ainda jovem, mas está caminhando bem. Já formou seus primeiros mestres e tem turmas de doutorado em andamento. Existem instituições privadas com bom desempenho acadêmico no país, mas é importante ressaltar que a maior parte da produção científica brasileira acontece em instituições públicas, cito a fonte Clarivate Analytics.

 

Como observa o interesse dos mais jovens pelo ensino ou formação superior em um país ainda com número alto de analfabetos ou analfabetos funcionais?

Acho que há interesse sim. Precisamos incentivar.

 

Há quem considere a universidade uma espécie de ilha que não se aproxima da sociedade ou que cria uma barreira? Você concorda? Como reverter essa prática?

Não concordo. Na minha seleção para docente na Uenf eu tive que apresentar um Plano de Ensino, Pesquisa e Extensão. Esses são os três pilares da universidade. A extensão cuida especificamente da relação com a sociedade. No pós-doutorado eu dei início a esses projetos e como docente sempre realizei esse tipo de trabalho. Acho que soma muito a universidade, permitindo a compreensão do seu papel social.

 

O Pint of Science pode funcionar como um atrativo ou estímulo para as pessoas se aproximarem da academia?

Sim. Esse é o primeiro objetivo do evento. Unir academia e sociedade. Cada porta que se adentra na universidade, um mundo de perguntas e respostas se abre. É fantástico. Por que não mostrar isso para as pessoas? É sério. Eu fico maravilhada! A universidade precisa buscar maneiras de apresentar seu trabalho para o público não-cientista.

 

A vida acadêmica exige esforço e “sofrimentos” para pesquisadores e estudantes geralmente. É possível ser feliz nesse ambiente?

Eu não acho que seja assim. Não temos masoquistas na universidade. Eu não conheço. Por que as pessoas iriam gostar de estar aqui sofrendo? Por que concorrer em uma prova tão exigente como o ENEM e as seleções de mestrado e doutorado para sofrer na universidade? Penso que é mais uma ideia equivocada, que precisamos esclarecer e o Pint é um momento para isso. A academia é um ambiente de muito esforço, mas que não vejo diferente de outras profissões.

 

O Brasil teve conquistas na área da educação nas últimas décadas, mas também retrocessos. Arrisca um palpite sobre o futuro do país nesse quesito? O que espera?

Não arrisco, mas espero o melhor, sempre. Sou otimista. O brasileiro trabalha para isso.

 

Não há soluções mágicas para questões complexas na vida diária ou na área científica, não é? Tem alguma dica para lidar com as adversidades?

Persistir. A academia me ensina isso todo dia. O cientista leva anos buscando um resultado, que pode ser a cura para uma doença ou não. Mas o aprendizado ao longo desse processo é imensurável, por isso, não podemos desistir. É seguir adiante.

 

Resuma em uma frase a importância da educação para você:

A educação transforma vidas.