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Crise no Educandário dos cegos

Instituição atende deficientes visuais há 56 anos e acumula dívidas e processos trabalhistas desde a morte de ex-presidente

Geral
Por Redação
19 de maio de 2019 - 0h01

(Foto: Silvana Rust)

“Aqui eu fui preparado para a vida. Enquanto este local existir, eu vou estar sempre presente, porque isso daqui é tudo pra mim”. As palavras usadas pelo aposentado Roberto Gomes Pereira de Azevedo, de 70 anos, são sobre o Educandário São José do Operário, também conhecido como Educandário dos Cegos, que existe em Campos há 56 anos e oferece atendimentos especializados para deficientes visuais e também para quem tem múltiplas deficiências. Cego desde os 42 anos, Roberto atualmente é o presidente interino da instituição, que luta para se manter, mas acumula cerca de R$ 40 mil em dívidas e alguns processos trabalhistas na Justiça.

Atualmente 173 deficientes são assistidos pelo Educandário dos Cegos, entre crianças e idosos, sem contar os que estão na fila de espera por uma vaga. Se estivesse com todos os atendimentos em funcionamento, seriam 20 os serviços disponibilizados, entre eles Orientação e Mobilidade, Estimulação Precoce, Pedagogia, Braille (leitura e escrita) e Soroban (matemática), Práticas Educativas para uma Vida Independente (Pevi), Informática Adaptada, Psicologia, Letra Cursiva (aprendem a assinar o próprio nome), Equoterapia e Percussão. Por causa das dificuldades financeiras, muitos dos atendimentos estão interrompidos e sem previsão de retomada.

O pequeno Miguel, de três anos, é atendido no local desde que tinha poucos meses de idade. Ele nasceu com baixa visão e o diagnóstico médico era que ele não enxergaria nada, mas com a prática das atividades, conseguiu, segundo a mãe dele, desenvolver minimamente a visão. Agora, Ana Beatriz Barbosa de Moraes, mãe do Miguel, teme que o desenvolvimento do filho seja prejudicado por causa da interrupção dos atendimentos.

(Foto: Silvana Rust)

“Como ele é criança, quanto mais estímulo ele receber, mais avanços vai ter. O problema é que muitos atendimentos estão deixando de acontecer e meu medo é chegar uma hora que não sobre mais nada. O meu filho precisa muito da instituição. O Educandário é o único local que oferece determinados atendimentos aqui na região. É uma pena que esteja acontecendo isso, pois todo mundo está perdendo e muitas crianças estão deixando de ser ajudadas”, desabafou.

O principal objetivo do Educandário dos Cegos é que os deficientes visuais tenham autonomia e inclusão social. Esta autonomia inclui atividades que parecem comuns a quem não conhece a realidade destas pessoas. Arrumar a cama, escrever o próprio nome, fazer contas e se locomover dentro de casa, por exemplo, parecem atividades simples, mas para quem não enxerga são desafios e é preciso muita dedicação para superá-los.

Helena Santos Gomes tem 27 anos e nasceu cega. Ela é aluna de Letra Cursiva, que é o atendimento responsável por ensinar os assistidos a assinar o próprio nome, o que para Helena é uma grande superação.

“Tem um significado muito grande conseguir assinar e colocar meu nome ali. Todo mundo vai ver que eu que fiz e está ali. A primeira vez que eu for assinar um documento vai ser muito legal e eu vou querer trocar todos os meus documentos que antes tinham só a minha digital. As pessoas acham que agente não consegue fazer nada, mas a gente faz tudo. A gente só não enxerga”, contou enquanto assinava o seu primeiro nome durante a aula.
Para conseguir assinar o primeiro nome o aluno demora em média um ano, como conta a professora Eleonora Maria Soares. “É muito difícil porque eles não têm noção nem como é um círculo e os desenhos das letras são mais complicados. A Helena está agora aprendendo a escrever os dois sobrenomes dela e a expectativa é que ela consiga daqui a cerca de dois anos”, contou.

(Foto: Silvana Rust)

Mudança de vida

A gratidão dos assistidos pela instituição é unanimidade entre todos os que foram ouvidos nesta reportagem. A aposentada Maria Lúcia Pessanha é uma das mais enfáticas ao falar sobre o assunto. Ela perdeu a visão de forma gradativa por causa do diabetes e há oito anos não enxerga nada. Há cerca de um ano ela buscou apoio no Educandário e conta que a vida mudou após a decisão.

“Eu sempre trabalhei muito e depois que fiquei cega, por causa do diabetes, só ficava na cama. Tive depressão e tinha preconceito de mim mesma. Quando eu vim pra cá, estava muito pra baixo, mas recebi muito carinho aqui e fui saindo daquela depressão, daquela tristeza. Hoje eu voltei a cozinhar e faço de tudo dentro da minha casa. Além disso, aqui eu dou risada, converso, brinco com todo mundo… Me sinto muito bem aqui, sou muito bem tratada. Eu creio que eu só saio daqui quando eu morrer”, contou com entusiasmo e bom humor.

Quem também já percebe a mudança após freqüentar o local, mesmo que há pouco mais de 15 dias apenas, é o aposentado Manuel Napoleón Muro Arbulú, de 75 anos. Natural do Peru, ele mora em Campos há mais de 40 anos.

“Estou aqui tendo todas as aulas para ganhar minha independência. Vim aqui para aprender a usar a bengala, aprender o braile e outras atividades. Estou aprendendo coisas que eu nem sabia que existiam e estou muito satisfeito. Perdi a visão depois de duas cirurgias por causa de complicações que tive, mas acredito que em poucos meses já vou ter a autonomia que preciso. Os professores daqui são muito cuidadosos com os alunos”, falou orgulhoso.

Além dos elogios, Manuel também fez um apelo. “As pessoas precisam saber do trabalho maravilhoso que é feito aqui e que as instituições possam nos ajudar, até porque essa ajuda pode ser restituída pelo imposto de renda.

Temos um local maravilhoso e ótimos profissionais, mas faltam muitos materiais”.

Dificuldades

Quem ajuda o presidente Roberto Gomes a gerir a instituição é a coordenadora geral Angélica Pereira. Para ela, a missão é muito difícil já que além dos problemas financeiros e processos, a instituição enfrenta ainda a dificuldade com prestações de contas e está com verbas retidas por isso.
“A nossa antiga presidente faleceu de forma inesperada há cerca de um ano e por isso não tivemos transição, nem houve um preparo da atual gestão. Tivemos que aprender na marra e ainda estamos aprendendo. Estamos com dificuldades para reunir os documentos necessários para regularizar nossa situação e conseguir voltar a receber verbas. Assumimos que este é um problema interno, mas estamos com muita dificuldade para resolver”, explicou a coordenadora.
Além do problema com as prestações de conta, os salários dos funcionários estão há meses atrasados e alguns encerraram a prestação de serviços e processaram a instituição. “Nossas verbas não pagam nem as rescisões, ainda mais o processo. Não sabemos de onde vamos tirar esse dinheiro”, lamentou.
Questionada sobre o que poderia ajudar a instituição a resolver estas pendências, além da ajuda financeira, Angélica sugeriu. “Um contador voluntário com certeza nos ajudaria demais a resolver essas questões burocráticas”.

Ajuda

Além de um contador, outras pessoas também podem ajudar a instituição através de doações financeiras, alimentos e materiais de limpeza. O local também aceita voluntários. O Educandário São José Operário fica na Rua Dr. Gilberto Cardoso, nº 161/203. As doações em dinheiro podem ser feitas através da conta corrente 23341-8, agência 8288, Banco Itaú. Quem quiser saber mais, pode ligar para o telefone (22) 2723-3411.