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Entrevista com missionário Paulo Brito: um verdadeiro apóstolo

Com 23 anos rodando o mundo como missionário e há 8 na Tanzânia, ele já abriu 234 igrejas nesse país

Entrevista
Por Thiago Gomes
13 de maio de 2019 - 0h01

Carregar o nome de um apóstolo de Cristo não é mera coincidência. Ele se dedica há 23 anos a disseminar a palavra de Deus e a fazer o bem

Ele tinha uma vida tranquila, em sua cidade natal — Manga, no Norte de Minhas Gerais. Trabalhava em serviços gerais, com pintura e ajudante de pedreiro. Em 1994, em meio a uma decepção amorosa, ficou mais íntimo da palavra de Deus, virou pastor e descobriu sua verdadeira vocação. Pastor Paulo Brito Vieira, hoje com 43 anos, é missionário há 23 e já passou por nada menos que 37 países, como Guiana Francesa, Venezuela, Bolívia, Peru, Colômbia, Guiné Bissau, República da Indonésia, Timor Leste, China…

Há dez anos o pastor está no continente africano. Há oito se dedica a melhorar a vida de moradores de vilas afastadas da Tanzânia, onde já participou da fundação de 234 igrejas. E também contraiu malária 11 vezes. Segundo Paulo, a falta de perspectiva de vida dos aldeões da Tanzânia chamou sua atenção e fez despertar em si uma necessidade de fazer algo para mudar a realidade do país africano onde mais de 23 milhões de pessoas não têm acesso à água potável. Um de seus projetos é abrir poços para matar a sede dos tanzanianos.

Além da satisfação em fazer o bem, as missões de que participou lhe deram outro presente: sua família. Durante uma ação da Jocum (Jovens com Uma Missão), o pastor, com nome de apóstolo, conheceu sua esposa. Da união nasceram duas filhas, atualmente com 16 e 11 anos.

Na última semana Paulo Brito esteve em Campos dos Goytacazes pela terceira vez, para visitar amigos que conheceu durante as missões, e conversou com o Jornal Terceira Via.

 

Quando veio a vontade de ser missionário?

Isso veio muito firme no meu coração, um encorajamento através de um pastor chamado Luiz Carlos. Isso foi em 1994, quando tive o primeiro encontro com esse pastor. Fui à igreja dele, uma Igreja Batista, ele saiu do Pará, foi morar no norte de Minas e me encorajou muito, falando sobre missões e suas experiências em comunidades ribeirinhas do Pará. Pastor Luiz Carlos percebeu em mim esse chamado missionário e me apresentou a missão Jocum, da qual participo de forma integral desde 1997.

 

A qual projeto o Sr. tem se dedicado atualmente?

Minha família e eu estamos morando na Tanzânia há 8 anos. Fomos, inicialmente, com o propósito de começar a trabalhar com pastores locais, igrejas cristãs locais, e começamos a implantar várias igrejas lá. Depois começamos a desenvolver projetos com a comunidade dessas igrejas. Elas foram se multiplicando e hoje são 234 igrejas. As comunidades onde entramos são muito carentes. Percebemos que essas comunidades estavam entre as mais pobres da Tanzânia. Eles não tinham água, não tinham tratamento médico, comida escassa, não tinham emprego e não podíamos fechar os olhos para essas necessidades. Esses projetos que nos dedicamos nós os chamamos de desenvolvimento comunitário.

 

Como surgiu a ideia de levar água para essas comunidades carentes na Tanzânia?

Me lembro que, em determinado dia, eu estava lá no meio de uma mata, e tinha esquecido de levar uma garrafa de água para beber. O sol estava quente, três horas da tarde, quarenta graus, no meio do mato, não havia nenhuma brisa, nenhum vento, um calor insuportável, e aí, um amigo africano que estava comigo falou: “Paulo, aqui na África, onde tem água tem vida”. Foi quando surgiu a ideia de levar água para as vilas. Na primeira vila beneficiada, conseguimos levar água de um poço que estava a cinco quilômetros de distância. Depois começamos a construir poços artesianos em algumas aldeias.

 

Como as pessoas interessadas podem ajudar?

Elas podem entrar em contato conosco pelo site www.aguaparatodos.com.br e lá estão todos os nossos contatos. Atualmente, com os poços que nós abrimos, conseguimos beneficiar, no mínimo, 15 mil pessoas. Elas recebem água diariamente em suas vilas. Não é um trabalho fácil, pois alguns poços precisam de perfuração muito profunda. No último que abrimos, há duas semanas, conseguimos encontrar água a 150 metros de profundidade. Em algumas regiões, em 40 metros de profundidade a gente consegue encontrar água, porém, não em quantidade suficiente para abastecer uma comunidade de três, quatro mil pessoas. Um poço com a profundidade necessária custa de R$ 50 mil a R$ 60 mil.

 

Há outros projetos em desenvolvimento nestas comunidades?

Há outros, sim. Além dos poços artesianos, nós começamos agora um projeto piloto na área de agricultura, na vila Mtakuja (na língua suaíli significa “ele virá”). Esse projeto é da Embrapa e se chama Mandala. São hortas em círculos. No centro da mandala existe um galinheiro que vai gerar adubo para manter a própria horta, além de fornecer ovos para a alimentação. No primeiro círculo, o menor, ficam as hortaliças que vão produzir sementes, então ninguém come. No segundo círculo ficam os produtos para a alimentação e, no terceiro e último, ficam as verduras e legumes destinados à venda. O próximo passo é implantar esse projeto em todas as comunidades onde há poços artesianos.

 

De todos os locais por onde o Sr. passou, por que escolheu a Tanzânia para morar?

Uma das coisas que me chamou a atenção na Tanzânia foi justamente essa falta de perspectiva de vida. Por isso, começamos a pensar em alguma coisa que levasse desenvolvimento àquele povo. Como entramos nessas vilas por meio da implantação de igrejas, nós percebemos que precisávamos legar o que chamamos de evangelho integral, que é beneficiar o povo não apenas em seu espírito, mas também no seu corpo. É o evangelho que a gente leva a palavra e também o pão.

 

Nessas comunidades isoladas com as quais o Sr. trabalha, a saúde geralmente é de difícil acesso. Como a missão ajuda neste sentido?

Nós começamos a perceber que nas vilas a necessidade de tratamento de saúde era muito grande. Eles não têm acesso a médicos, remédios. A maioria das famílias vive com o equivalente a US$ 1 por dia. Estou falando de uma família de seis, sete, oito pessoas. Ou seja, é situação de extrema pobreza. Por isso, lançamos um projeto chamado Mutirão da Saúde. Nós contratamos quatro médicos locais e pagamos a diária de trabalho deles.  Recentemente, algo muito interessante aconteceu.  Por meio de um post no Facebook, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte tomou conhecimento sobre nosso trabalho e ofereceu material para treinar agentes de saúde comunitários. A universidade está preparando esse material na língua suaíli.

 

A missão enfrentou alguma resistência por conta do Cristianismo?

Por meio das igrejas que implantamos, atualmente são 234 vilas que temos acesso. Na Tanzânia, na área onde o Islamismo é predominante, que é na região costeira, tem muita perseguição religiosa. Não é tão aberto, o próprio governo tenta abafar os casos, mas a gente sabe por causa do contato com os moradores, pastores, cristãos no dia a dia. Em algumas regiões há radicalismo e opressão em cima dos cristãos.

 

Qual o objetivo de sua visita ao Brasil?

Cheguei dia 28 de abril e volto em 27 de maio. Minha esposa e filhas ficaram na Tanzânia. Esse tempo no Brasil, um mês agora, estou passando pelas igrejas e divulgando nosso trabalho, fazendo relacionamento para no futuro levantar novos mantenedores, doadores.

 

Em sua opinião, qual o grande desafio de um missionário?

Temos vários desafios, mas eu acho que, hoje em dia, talvez um dos grandes desafios seja a falta de entendimento da própria igreja sobre o que é uma missão e como praticá-la. Muitas igrejas não sabem o que é uma missão na prática, ali no dia a dia. De um modo geral, a igreja, que deveria ser um dos principais agentes de transformação da vida das pessoas, não sabe, na prática, o que é uma missão e sua necessidade.

 

Como foi sua adaptação à Tanzânia?

A gente ainda está em processo de adaptação, você nunca se adapta 100%. Porque não é a sua cultura, não é a sua língua, não sãos os costumes que você aprendeu desde cedo. Mas eu posso dizer que já estou 90% adaptado. Esses 10% que faltam representam aquela vontade que a gente acorda de comer um pão francês, ir a uma churrascaria, mas a gente supera.

 

O Sr. já pensou em desistir?

Já pensei em desistir várias vezes, principalmente em algumas situações de conflito, por falta de alguma coisa. Os momentos em que mais pensei em desistir foram aqueles em que me senti solitário. Mesmo com a minha esposa ali, com as minhas filhas, mas como um bom brasileiro, um bom mineiro, eu queria que tivesse um outro brasileiro lá, um amigo meu para falarmos, por exemplo, do Atlético Mineiro, que é o maior time do Brasil (risos), colocar uma garrafa de café na mesa e comer uma cestinha de pão de queijo.