Toda cidade tem um marco histórico. Em Campos dos Goytacazes, a praça do Santíssimo Salvador, no ponto urbano mais central, reúne milhares de histórias e situações que não são publicadas em livros ou jornais. Os passantes anônimos ajudam a contar sobre a trajetória do lugar que oscila entre o apogeu e a decadência no decorrer dos últimos séculos. A São Salvador sempre dividiu opiniões. A atual configuração desde 2005 gera críticas, mas há quem elogie. No espaço frequentado por todo tipo de gente há prazeres e problemas. Como na vida.
O pesquisador Leonardo Vasconcellos conta que a imagem mais antiga que se tem da Praça São Salvador é uma fotografia estereoscópica que pertenceu à coleção da imperatriz Teresa Cristina e ao imperador Dom Pedro II. O registro está na Biblioteca Nacional e foi realizado pelo fotógrafo francês Revert Henrique Klumb, no século 19. O prédio da cadeia pública destacava-se na paisagem. Em 1847, na primeira visita do imperador a Campos, a construção carcerária causou estranhamento ao monarca.
Em 1872, a Igreja Matriz, o cemitério, além da Santa Casa e da Igreja Mãe dos Homens se destacavam na paisagem, em uma época que não eram comuns jardins e ordenamento em cidades brasileiras ou portuguesas como Lisboa. Em 1896, depois de jardinagem e arborização, a praça tornou-se um centro de convivência e contemplação, inclusive gradeado.
Em 1935, um novo projeto surgiu para marcar o primeiro centenário de Campos como cidade, que antes era chamada de Vila de São Salvador dos Campos dos Goytacazes. O Jardim de São Salvador voltou a ser praça aberta. “Campos é marcada pelas constantes transformações da praça. Estilos foram alternados com a praça vazia ou com árvores recém-plantadas, piso de pedras portuguesas, um monumento ao Soldado Desconhecido feito pelo escultor campista Modestino Kanto, bancos de madeira. Esta paisagem perdurou por cerca de 70 anos.
Em 2004, o prefeito Arnado Viana iniciou a obra da praça atual, que foi concluída em 5 de maio de 2005 pelo prefeito Carlos Alberto Campista em seu curto mandato. Na época, foram gastos R$46 milhões para a construção da nova Praça São Salvador.
“Na minha concepção, a praça pós-gestão de Arnaldo Viana é um equívoco. Temos uma cidade muito quente. É inconcebível tirar as árvores e plantar palmeiras outra vez que não oferecem sombra e conforto térmico. Ali só é possível ficar um período da manhã e à noite. Não é praça de convivência. Na Europa funciona por ser região fria. A São Salvador atual foi inspirada em uma praça de Nice, na França”, compara Leonardo.
Praça histórica
A historiadora Sylvia Paes diz que a Praça do Santíssimo Salvador quando Vila era um campo aberto, entre a igreja matriz e o Rio Paraíba do Sul, coberto de mato ou lama. Contudo, era o palco principal para apresentações de bandas musicais e festas populares como a de São Salvador e cavalhadas. Além de recepções ao imperador Dom Pedro II que esteve em vários momentos em Campos.
“Em cada um desses momentos, a Praça São Salvador sofre intervenções menores ou maiores, de acordo com o gosto da época. A última transformação foi de um escritório de arquitetura do Rio de Janeiro que deu à bucólica praça uma identidade européia. Para nós é difícil usufruir dela em dias quentes e chuvosos, mas ela ainda é muito acolhedora nas noites frescas e iluminadas de verão. Ela vai continuar a se transformar, seguindo e contando nossa história, de cada uma das gerações que dela usufruiu. Vamos continuar sentindo saudades de tempos que não vivemos, e criticando o atual uso que se faz dela. Parte de nossas histórias individuais e coletivas”, diz Sylvia.
“A praça continuará reunindo os mais diversos grupos como hoje: o skate, o funk, os evangélicos, os católicos, as bandas de música e de rock, a arte somadas às brincadeiras infantis, aos moradores de rua e aos loucos. Assim como a praça é um palco que se transforma, o que está em sua volta se transforma também”, destaca a historiadora.
Problemas e soluções
É visível a degradação da Praça São Salvador nos últimos anos. Postes e bancos quebrados, fiação elétrica exposta, postes e lâmpadas danificados, chafariz e fontes de água afetados são alguns dos problemas apontados em várias reportagens do Jornal Terceira Via. A prefeitura de Campos lançou o projeto Viva o Centro com a substituição temporária das luminárias. Réplicas de modelos históricos passam por restauração. “Os postes laterais também serão substituídos e darão lugar a novos postes com braços duplos de luz, iluminando a praça e rua. Todos os serviços devem ser finalizados em até cinco meses. Calçadão, canaletas e bicicletários serão revistos em novo ordenamento do Centro”, explicou a subsecretária de Governo, Daniela Tinoco.
O povo na praça
O jornaleiro Luiz Gomes é filho de Manoel Gomes, primeiro proprietário da banca de jornais instalada em frente ao prédio dos Correios. “Só eu tenho 40 anos de atividades na praça. Lembro da época quando o bonde passava por aqui. Antes da última reforma, a praça era bem melhor, natural e arborizada. Durante a obra, por quase um ano não pude trabalhar. O acesso foi fechado. Hoje, o movimento de clientes caiu e os moradores de rua são um transtorno. O cheiro de urina fica impregnado”, queixa-se.
Trabalhadores de rua também encontram na praça oportunidade de renda. É o caso do artesão paulista Willians Cabral. Ele confecciona peças com folhas de coqueiros. “Há três anos moro em Campos, onde me casei e tive uma filha. Vivo da minha arte e pelo menos duas vezes por semana exponho na São Salvador. É uma forma de ganhar de R$10 a R$20 por peça”, diz.
A moradora de rua e cadeirante Ana Neri Nobre vive nos últimos dois anos na São Salvador. Ela e o marido se juntam a outras pessoas que dormem no entorno da praça. “Eu durmo debaixo da marquise do Banco do Brasil, é mais seguro. A praça é nossa casa. Vivia em Muriaé, mas sem trabalho e onde morar, viemos para cá. Vendo bala e meu marido vigia carro. A gente vai vivendo”, conta.