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Ode à Ignorância

Neste artigo, Paulo Cassiano Jr. critica o corte de investimentos nas faculdades de Filosofia e Sociologia.

Geral
Por Paulo Cassiano Júnior
5 de maio de 2019 - 7h00

Na semana passada, o presidente da república comunicou que o Ministério da Educação (MEC) estuda “descentralizar investimento em faculdades de Filosofia e Sociologia”. Bolsonaro declarou que a função do governo é “respeitar o dinheiro do contribuinte”, e que o objetivo é “focar” em carreiras como Veterinária, Engenharia e Medicina, as quais “geram renda para a pessoa e bem-estar para a família”.

No mesmo (des)compasso do discurso presidencial, o ministro da Educação Abraham Weintraub afirmou que o MEC reduzirá verbas de universidades que, “em vez de procurar melhorar o desempenho acadêmico, estiverem fazendo balbúrdia”. Ao citar a existência de “festas inadequadas” e “gente pelada dentro do ‘campus’”, Weintraub concluiu que “a universidade deve estar com sobra de dinheiro para fazer bagunça e evento ridículo”.

Antes que o pudico ministro saísse por aí com o seu “balburdiômetro” a aferir a moral e os trajes dos estudantes, tal qual uma inspetora de colégio de freiras, alguém com o mínimo de sensatez logo o advertiu da sua estultícia. Pra quê? Já no dia seguinte, com receio de ser acionado na Justiça, o MEC recuou da medida, mas propôs um contingenciamento de cerca 30% para todas as universidades federais, e não apenas para as que tivessem comportamento reprovado. Ou seja, o que era ruim para alguns ficou pior para todos.

No fundo, o real objetivo do MEC é simplesmente eliminar os cursos de Filosofia e Sociologia. Cabe ressaltar que tal iniciativa não possui amparo legal, já que, nos termos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, cabe à União assegurar recursos suficientes para manutenção e desenvolvimento das instituições de educação superior por ela mantidas.

Importa destacar também que a decisão do MEC fere a autonomia didático-científica constitucionalmente garantida às universidades, posto que a criação, a extinção e a modificação de cursos de graduação no Brasil são de atribuição exclusiva das instituições de ensino superior. Além disso, a autonomia compreende a gestão financeira e patrimonial das universidades, conferindo-lhes a prerrogativa de autogovernar os recursos de que dispõem.

A ingerência do MEC na área das ciências humanas causa estranheza por emanar de um governo mentoreado por um astrólogo autodeclarado filósofo. A incoerência é ainda mais evidente porque implica nítida intervenção do Estado no mercado de trabalho, o que contradiz a agenda liberal do governo na economia.

É inacreditável que o Ministério da Educação (da Educação!) esteja tão empenhado em patrocinar uma causa tão ignóbil, uma autêntica ode à ignorância. Ao asfixiar os cursos de Filosofia e Sociologia, o governo pretende promover um patrulhamento ideológico pela mordaça, já que não é capaz de conviver com a pluralidade e com a crítica. Nesse sentido, a medida é flagrantemente autoritária, pois revela total desprezo pelo conhecimento subjetivo e aspira ao nivelamento de uma sociedade impedida de raciocinar sobre si mesma e sobre o mundo. O sonho do governo é criar uma enorme coletividade de técnicos que se lhe submetam como o gado ao boiadeiro, preferencialmente batendo-lhe continência.

“O que a gente tem que ensinar pras crianças, pros jovens…? Primeiro, habilidades: de poder ler, escrever, fazer conta”, disse o ministro. Na escola da mediocridade de Weintraub, só não se ensina a pensar.