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Escolas sob tensão e medo

Ameaças de ataques feitas por estudantes em Campos e região preocupam autoridades e especialistas em educação

Campos
Por Ocinei Trindade
22 de abril de 2019 - 15h35

Pedagoga Denise Tinoco sugere revisão das posturas escolares  (Foto: Silvana Rust)

Todos os dias, problemas acontecem nas escolas de qualquer lugar do mundo. Porém, quando a violência se manifesta, todo mundo deve se unir para combatê-la. Os casos de ataques homicidas em escolas norte-americanas tornaram-se relativamente comuns nos noticiários nos últimos anos. O Brasil passou a figurar esta lista, infelizmente. O de maior repercussão e mais recente aconteceu na cidade paulista de Suzano, no dia 13 de março, onde dez pessoas morreram. Em Campos e região, surge uma onda de supostos ataques nas escolas que provocam medo e preocupação. As polícias, o Ministério Público e o Conselho Tutelar foram acionados, mas especialistas em educação consideram que é preciso fazer mais para prevenir.

Além do episódio do massacre na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano, o Jornal Terceira Via, tem noticiado quase que semanalmente, algum fato envolvendo alunos de escolas públicas e privadas que fizeram algum tipo de ameaça aos colegas e professores. Muitas mensagens são publicadas direta ou indiretamente pelas redes sociais. Destacamos alguns desses episódios em sequência cronológica, ocorridos desde fevereiro até 15 de abril (veja quadro abaixo). Diante dos últimos casos que vem acontecendo e, nem sempre, chegam ao conhecimento da imprensa, o governo estadual do Rio de Janeiro disse que está se precavendo.

Em recente nota enviada ao Terceira Via, a Secretaria de Estado de Educação (Seeduc) informou que “há um protocolo estabelecido em reunião com a presença do Ministério Público, Defensoria Pública, Conselho Tutelar, Policia Civil, Polícia Militar, Secretaria de Estado de Saúde e equipe técnica da Seeduc, de atuação imediata em caso de violência nas escolas. Assim que constatado qualquer ato infracional ou ameaça à integridade da comunidade escolar, a direção da unidade deverá acionar imediatamente a Polícia Militar e o Conselho Tutelar”.

Ações pedagógicas

Para a pedagoga Denise Tinoco, ameaças efetivadas precisam contar com apoio das polícias e Ministério Público. “Como forma preventiva, precisa se organizar para se proteger. No caso de documentos escolares, há necessidade de reformulação. Hoje, não se tem no regimento escolar, na proposta pedagógica, artigos que versem acerca desses assuntos. É preciso dizer o que não será tolerado e quais serão as punições, de forma clara e documentada junto aos pais ou responsáveis. Vivemos em um mundo de impunidades. A escola tem regras e precisam ser cumpridas”, diz. A profissional de educação destaca o preventivo nas instituições de ensino. “A escola tem que acolher quem foi afetado pela violência. Rodas de conversa, esportes, espaço de convivência. O pátio precisa ser ocupado além do recreio. Artes, música, rodas de conversa sobre cidadania, política, sexo, vida social, religião. A gente precisa dar oportunidade para as pessoas falarem para que a escola saiba agir. Isso a escola não faz há tempos. Atolada e atrelada ao currículo, às pressões de mercado, as escolas têm falhado na formação de cidadania”, diz Denise.

A pedagoga diz que é preciso criar uma rede de proteção. “Temos que unir pessoas interessadas ao novo, às novas metodologias. O diálogo renova as ações. As orientações, políticas públicas disponíveis devem fazer sentido na escola e na vida dos alunos. Governos devem pensar e repensar sobre políticas públicas, para ajudar alunos e professores a cumprirem seu papel”, diz.

Apoio emocional

Psicólogo Luis Cosmelli: “Escola tem que trabalhar contra discurso de ódio”

O psicólogo Luis Cosmelii é especialista com o público adolescente. Segundo ele, nunca deve-se subestimar uma ameaça. “Aos profissionais de saúde cabem: acolhimento, identificação de transtornos, encaminhamento e tratamento adequado. A maioria dos conflitos familiares se manifesta na escola. É preciso estar atento às situações de tristeza, raiva, isolamento em relação aos outros. Famílias com o mínimo de estrutura devem dialogar, acompanhar a escola, o contato com amigos dos filhos e vigiar celulares e redes sociais”, orienta.

De acordo com o psicólogo, a agressividade é inerente a todos os seres humanos. Alguns gatilhos como bullying, frustrações, intolerância, insegurança, abusos físicos, morais e sexuais podem desencadear em alguns momentos explosões de violência. Há uma combinação de uma mente enferma e de uma sociedade enferma em suas estruturas fundamentais.

“Devemos lidar com essas manifestações com cuidados na medida de que o adolescente é muito influenciável e o seu desejo é ser reconhecido pelo grupo, mesmo que através de ações violentas e doentias. Toda escola precisa trabalhar coletivamente contra o discurso de ódio. O teatro, filmes, debates, esportes, promovem o discurso de paz , tolerância e otimismo”, cita. Cosmelli explica que sentimentos de rancor, ressentimento, angústia, ansiedade seu desejo é ser reconhecido pelo grupo, mesmo que através de ações violentas e doentias. Toda escola precisa trabalhar coletivamente contra o discurso de ódio. O teatro, filmes, debates, esportes, promovem o discurso de paz , tolerância e otimismo”, cita.

Cosmelli explica que sentimentos de rancor, ressentimento, angústia, ansiedade e depressão vão se instalando na mente dos jovens. Fantasias autodestrutovas assumem proporção para realizá-las devido à angústia que causam. “A escola é segunda instituição na vida das crianças e dos jovens. Sociedade adoecida contamina a escola. É um assunto para ser tratado com seriedade e responsabilidade. Exageros e paranóias só alimentam esse processo”, conclui.

Ameaças em Campos e região

Carla Elize: “ameaças e agressões precisam ser enfrentadas” (Foto: Silvana Rust)

21/02 – Aluno do Ciep Nação Goitacá, no distrito de Goytacazes, em Campos, agride verbal e fisicamente a diretora. Ela prestou queixa na 134ª Delegacia de Polícia.
10/03 – Em entrevista exclusiva, a professora Carla Elize Rocha relata algumas ameaças e agressões que sofreu em escolas públicas e particulares de Campos e São Francisco de Itabapoana.
13/03 – Dez pessoas morrem após dois terroristas atacarem a Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano (SP). Entre os mortos, alunos, professora, diretora e os dois autores do massacre.
21/03 – Aluno de 16 anos faz ameaças via rede social à Escola Municipal Olga Linhares Correa, em Guarus; jovem de 18 anos planejava ataque ao Ciep Nina Aroeira; aluno de 14 anos do Colégio Estadual Phillipe Uebe exibiu em rede social foto com arma em punho apontada para a professora e colegas em sala de aula. Todos os casos foram registrados nas delegacias.
29/03 – Em Itaperuna, a polícia apreendeu três adolescentes que fizeram graves ameaças a estudantes e professores do Colégio Romualdo Monteiro de Barros. Eles foram encaminhados pela Justiça para o Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase). Em Campos, o professor Marcos Antônio Tavares da Silva foi ameaçado com ataques pelas redes sociais depois que usou a charge dos presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump nus na cama, em atividade escolar. Ele foi afastado das funções pela Secretaria Estadual de Educação.
09/04 – Aluno do Censa, de 14 anos, usou redes sociais para ameaçar colegas. Ele e os pais foram levados para 134ª Delegacia de Polícia para prestar esclarecimentos.
15/04 – Aluno de 16 anos da Escola Estadual Dr. César Tinoco, em Santa Cruz, Campos, também foi denunciado à polícia depois que usou Whatsapp com mensagem de teor violento. A diretora registrou boletim de ocorrência na delegacia.