×
Copyright 2024 - Desenvolvido por Hesea Tecnologia e Sistemas

Um ator de milagres e paixões

Pedro Carneiro participa de “A Paixão de Cristo” há 37 anos, peça que já emocionou milhares de pessoas

Cultura
Por Ocinei Trindade
21 de abril de 2019 - 0h01

Fotos: Silvana Rust

Pedro Carneiro é ator e diretor de teatro em Campos há 37 anos. Atualmente, aos 52, revê sua trajetória e contabiliza que já fez de tudo um pouco em cena. Além do teatro sacro, passou pelo gênero infantil, drama como Nelson Rodrigues; escreveu, fez figurino, contra-regra e iluminação. Faz 23 anos
que ele dirige o espetáculo “A Paixão de Cristo” com o Grupo de Teatro Sacro Dom Carlos Alberto Navarro. A cada ano, a peça ao ar livre se renova e segue atraindo um grande público na Praça São Salvador.

A aparência física de Pedro Carneiro costuma ser associada à figura do Cristo difundida pela Igreja Católica em mais de dois mil anos. Ele diz que não é intencional, pois sempre gostou de usar barba e cabelos compridos. Por muitos anos, Pedro fez o papel de Jesus no espetáculo “A Paixão de Cristo”, mas foi substituído pelo ator Matheus Nogueira. Porém, não se afastou da peça em nenhum momento durante quase quatro décadas, pois assumiu a direção no lugar de seu irmão, Félix Carneiro, já falecido.

“Minha primeira experiência na peça foi como Anjo Gabriel, em 1982. Na ocasião, erraram o figurino e, em vez de branco, usei amarelo. Fui um anjo dourado (risos). Na época, meus irmãos Paulo, Leila e Félix Carneiro pertenciam ao Grupo de Teatro Sacro Dom Carlos Alberto Navarro. A ideia era usar o teatro para evangelizar em massa. Cecilia Martins ajudou a criar. Ela foi ao Teatro de Bolso, onde Orávio de Campos, Maria Helena Gomes e outros atores ensaiavam, e todos juntos ajudaram a montar os primeiros espetáculos”, recorda.

Embora não interprete mais Jesus no espetáculo da Diocese de Campos, uma vez por ano, Pedro Carneiro participa da Festa de Maria, no Colégio Auxiliadora, encarnando o Messias.

“Fazer Jesus é gratificante. É ter oportunidade para rever e analisar muitas coisas dentro de mim. Estamos na Terra de passagem. Ele pregou o amor e a esperança. Não podemos nos apegar a nada, bens materiais, dinheiro, poder, nada. Jesus é esperança. Interpretá-lo é recontar a verdade de Jesus: amar ao próximo, apesar da violência e do mundo conturbado”.

Este ano, o espetáculo foi intitulado “Eu sou a Ressurreição e a Vida” e voltou à Praça São Salvador. Os ensaios começaram em outubro.

“É uma criação coletiva. Todos nos ajudamos. Temos atores experientes como Pedro Fagundes, Gildo Henrique, Rodrigo Mendes. Este ano
temos dois novatos em cena. Flávio Rodrigues no papel de Pilatos e Otaviano Martins fazendo Jesus. Depois de
Felício Rizzo, eu e Matheus Nogueira, o Otaviano assume Jesus na peça. A cada fim de espetáculo, já começamos a pensar
no próximo. Dá muito trabalho, pois há pesquisa de textos. Não é só o sofrimento que importa exibir mas os ensinamentos, a palavra”,
conta.

Quando não está fazendo teatro, Pedro Carneiro dedica-se à esposa e à filha de 18 anos, além de coordenar eventos e a disciplina de alunos em uma escola particular. “Trabalhar com crianças é muito bom. A maturidade exige muitas coisas de nós e ajuda bastante a construir junto com
as crianças. Não é só uma relação de educador, mas de pai e filhos. Além dos dois espetáculos, participo do Presépio Vivo Itinerante em dezembro, projeto que ajudei a criar, levando às igrejas do interior do município um pouco de teatro sacro”, revela.

Apesar das muitas peças infantis e dramáticas que participou em Campos, Pedro Carneiro não esconde
que Jesus é o seu papel de maior destaque. “Fiz Maria Clara Machado, Nelson Rodrigues, ganhei prêmios em espetáculos infantis, mas A Paixão de Cristo é o melhor espetáculo, é o que mais gosto de fazer, seja na direção ou atuando. A gente vê pequenos milagres acontecendo e o público
sempre se envolve e se comove”. De acordo com o ator e diretor, em 37 anos de espetáculo, em apenas duas ocasiões passou por dificuldades.

“Uma vez, em Campos, o som parou. Como a peça é dublada, tivemos que ficar imóveis no palco até o som ser restabelecido. O Félix Carneiro nos orientava assim. Se desse problema, a cena deveria ser congelada até poder retomar. Em outra ocasião, em Niterói, na praia de Icaraí, uma tempestade se formou durante o último ensaio. Disse a Beatriz Rangel (atriz falecida) que a gente deveria deixar o palco. Em um minuto, todo o grupo desceu. Fui o último a sair, quando tudo desabou. Apenas duas pessoas se feriram sem gravidade. Cancelamos e voltamos no ano seguinte. Deus sabe o que faz”, considera.

Diante de um país afetado por divisões políticas e religiosas como o Brasil se encontra, Pedro Carneiro acredita que o espetáculo “A Paixão de Cristo” é oportuno para se refletir essas e outras questões.

“Jesus disse que no mundo tereis aflições. Muitas verdades têm sido propagadas, mas qual é a sua verdade? A todo instante somos questionados, julgados e condenados pela opinião pública. Todas as igrejas e bandeiras políticas passam por isso. Jesus foi julgado por uma questão partidária. Cada um deve fazer uma auto-análise e refletir sobre seus atos. Mesmo quem não seja cristão, o personagem Jesus ensina a renovação e o amor. Porém, o amor assumiu posturas de violência e morte, mas é o amor manso e misericordioso que precisa ser seguido. Este é o maior legado do Cristo”, conclui.