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Dia Internacional da Mulher: é preciso falar sobre a violência

Delegada de Campos comenta sobre casos que marcaram, motivos para denunciar, empoderamento e mais

Campos
Por Redação
8 de março de 2019 - 7h48

Foto: divulgação

Muitas são as explicações para que o Dia Internacional da Mulher seja marcado no dia 8 de março. Mas apesar de diferentes, todas têm algo em comum: o motivo. A data é um marco pela luta das mulheres por direitos iguais ou, pelo menos, não tão inferiores. Segundo registros históricos, esta luta das mulheres pela igualdade vem desde o século XIX. Mesmo assim, ainda hoje em uma época em que muito se fala e se encoraja sobre o empoderamento feminino, são cada vez mais notórios os casos de desigualdade – que muitas vezes evoluem para agressões graves e até morte. E, neste ano, o Terceira Via destaca a data com foco na prevenção da violência contra a mulher em uma entrevista com a delegada Ana Paula de Oliveira Carvalho, titular da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam), que lida diariamente com casos deste tipo.

Somente na delegacia de Campos, a média de registros varia entre 1.000 e 1.500 por ano. Porém, não há um consenso entre os órgãos de segurança se os casos de violência doméstica estão aumentando ou se o número de mulheres que denunciam é que está maior. “O que a gente sabe é que tem um índice muito grande de subnotificações. Ainda temos inúmeras mulheres que estão sendo agredidas agora e que não vêm na delegacia registrar”, lamentou a delegada Ana Paula.

Mesmo ainda evoluindo a passos lentos – segundo a delegada, desde 2014, ano em que assumiu a Deam Campos, a quantidade das denúncias anuais oscilou pouco – as mulheres que buscam a delegacia para fazer denúncias encontram um ambiente com atendimento diferenciado. “Aqui é menos desconfortável para vítima, pois temos ambientes reservados para este tipo de atendimento. Além disso, toda equipe passa por treinamentos específicos”.

Delegada Ana Paula fala sobre casos de violência (Foto: Silvana Rust)

Confira a entrevista com a delegada:

Ainda hoje são muitos os casos em que pessoas presenciam situações de agressões e não interferem, com base na velha história de que ‘em briga de marido e mulher não se mete a colher’. O que a senhora tem a comentar sobre isso?

Essa velha história precisa ficar pra trás de uma vez por todas. Penso que o Brasil está começando a mudar isso aos poucos porque as pessoas estão começando a se conscientizar de que não devem se meter. Um dos casos mais tristes relacionados a isso é aquela advogada do Paraná que o marido jogou da sacada. Há imagens dela correndo gritando pela garagem, pelo elevador e não teve um vizinho, um porteiro, não teve ninguém para ajudar. Aquela mulher morreu também porque ninguém interferiu.

Ainda sobre essa questão da ajuda de outras pessoas, de que maneira quem está próximo destas vítimas pode auxiliar?

Sempre tem alguém que sabe. Então é importante que essa pessoa convença a mulher a denunciar, que leve esta vítima à delegacia e dê apoio emocional. Se você está em casa agora e sabe que alguém apanhou e está lesionada, converse com essa pessoa, a convença a vir na delegacia. Nós temos mulheres que são agredidas e buscam ajuda na hora. Essas ‘já estão no século XXI’, mas têm outras que infelizmente não têm essa disposição. Havendo provas, a condenação é certa.

Nos últimos tempos as leis se tornaram mais rígidas, mas, ainda assim, algumas mulheres não têm conhecimento de que violência não é só física. Você pode citar alguns exemplos de violência contra a mulher?

Há um engano que muitas pessoas acham que crime contra a mulher é apenas agressão, mas não é. Perseguir, se apropriar de forma indébita do dinheiro da mulher, fazer terrorismo psicológico, impedir a comunicação da vítima com outras pessoas, ameaçar, tudo isso pode entrar na Lei Maria da Penha. Não é só lesão corporal. Esse tipo de entendimento ainda falta um pouco na população.

 E trabalhar com estes casos específicos requer um preparo emocional diferenciado?

Não lidamos apenas com estatísticas, são histórias difíceis. A carga emocional de trabalhar aqui é infinitamente superior. São vítimas muito abaladas, histórias muito complexas… Sem contar que aqui nós não lidamos apenas com vítimas. Nós também lidamos com autores, com os piores tipos de elementos, então têm situações em que estes agressores chegam aqui completamente drogados, violentíssimos.

Até hoje, qual foi o caso que mais te marcou?

Posso citar dois casos. Um foi o de uma estudante que foi estuprada a caminho da escola e a mãe da vítima pediu para conversar com o estuprador e fez um desabafo. As palavras desta mãe me marcaram muito. O outro foi uma tentativa de feminicídio a uma jovem no Farol que levou mais de 30 facadas do ex-companheiro na frente do filho de dois anos. O autor ainda abandonou o menino todo sujo de sangue na rua. Essa jovem sobreviveu por um milagre e o homem foi preso e condenado há 25 anos, se não me falha a memória. A cena do crime era um ambiente de terror, tinha muito sangue e muitas marcas das mãos dela na parede. O depoimento dela contando o que ele falava enquanto a esfaqueava também foi muito forte. Nos dois casos os autores foram presos. Há poucos dias encontrei com uma tia desta moça esfaqueada que me cumprimentou e disse que ela seguiu a vida bem. Cada caso que a gente encerra aqui dá um sentimento de satisfação, assim como os casos que não conseguimos encerrar dão um sentimento de frustração muito grande.

Bruno Lacraia é apontado como responsável pelo desaparecimento de sua ex-companheira (Foto: Divulgação)

E qual caso virou uma grande frustração?

A maior frustração da minha carreira até hoje é o caso da Débora, a ex-mulher do Bruno Lacraia, que desapareceu após ser vista pela última vez sendo obrigada a entrar em um carro com ele no Vivendas do Coqueiro, na Penha, e nunca mais foi vista. Nós hoje temos certeza absoluta que Débora foi um crime de morte com ocultação de cadáver, mas na época nós reviramos a Penha inteira com retroescavadeiras, equipes, cães farejadores e até hoje não conseguimos resolver esse caso. O Bruno Lacraia está preso, mas por outros crimes, pois ele nunca confessou a morte da Débora. Eu tenho o sentimento de que fizemos tudo o que poderíamos ter feito, mas o fato de a família não poder ter dado um enterro digno pra ela, pra mim é a maior frustração da minha carreira.

Recentemente tivemos o caso de um petroleiro que foi preso após tocar nas partes íntimas de uma jovem dentro de um ônibus. A vítima, desta vez, não se calou. Registros como este são exemplos de como as mulheres estão mais empoderadas e cientes de seus direitos?

Em casos como este, a gente vê na prática que as coisas estão começando a mudar. É importante que as vítimas façam o que essa jovem do ônibus fez. Após o crime, tudo ‘funcionou’: a vítima falou com o motorista na hora, então a mentalidade das vítimas de ‘aceitar’ está mudando. O motorista fez a volta com o coletivo e parou no posto da PRF e o caso veio parar aqui na Deam. Este exemplo da vítima deve ser seguido.

Que conselho daria para uma mulher que foi vítima de agressão doméstica?

Se você está lesionada, denuncie o mais rápido possível, busque ter provas, testemunhas. Não é preciso esperar virar uma agressão grave. Se foi agredida, venha. Temos bastantes casos assim em que as mulheres levam um tapa ou um empurrão e vêm na delegacia fazer registro de vias de fato. Se for flagrante, o autor é preso na hora e se não pagar fiança vai para a Casa de Custódia. Peça auxílio, denuncie. Aja na hora.

 

A Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) fica na Rua Barão de Miracema, 231, Centro (ao lado da Delegacia do Centro). Denúncias de casos de agressão também podem ser feitos através do número 180.