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Mar de água doce no subsolo de Campos

Aquífero Emborê é riqueza que pode ser solução para gerações no futuro, mas já está sendo explorada

Campos
Por Redação
24 de fevereiro de 2019 - 0h01

Além do petróleo, a cidade de Campos tem outro ‘tesouro’ importantíssimo que jorra em abundância da terra e poucos sabem: os aquíferos. São áreas com grande volume de água que ficam no subsolo e podem abastecer milhares de pessoas. Apenas um destes aquíferos, o Terciário Formação Emborê, é tão grande que, além de Campos, ainda ocupa parte do território de Quissamã, São João da Barra e São Francisco de Itabapoana. A região tem ainda outros grandes aquíferos: o Quaternário Deltaico e o Terciário Formação Barreiras. A água proveniente do Emborê é considerada de excelente qualidade. Mas, apesar de tudo isso, há uma grande preocupação entre os pesquisadores: a exploração desordenada destes aquíferos por grandes empresas da região.

Coordenadora da primeira pesquisa que delimitou os aquíferos de Campos, em 2003, a professora Sueli Yoshinaga, do Instituto de Geociências (IG) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), frisou ao Terceira Via necessidade de preservar os aquíferos. “Essa é uma água de prioridade para o consumo humano e de consumo de animais. É imprescindível fazer a gestão adequada desse aquífero com responsabilidade para que não haja contaminação dessa área”, explicou.

Pesquisadora Zélia Chrispim faz o monitoramento do nível freático

A pesquisadora e doutora na área de engenharia ambiental, Zélia Chrispim, da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf) também estuda os aquíferos de Campos junto com outros pesquisadores há anos. “O Emborê, quando é perfurado, dependendo da região, ele jorra água a uma altura muito grande por causa da pressão. Porém, nós temos uma grande quantidade de água que está sendo retirada dele e em alguns locais que ele era jorrante, ele já não está mais com essa pressão tão elevada. Não podemos ainda especificar a localização exata destes aquíferos, pois os estudos relacionados ainda estão em andamento ”, comentou.

Alerta

Pesquisadores da Uenf fizeram um alerta sobre a exploração dos aquíferos. “Na região, nós temos empresas como a Águas do Paraíba, o Sesc Mineiro de Grussaí e ainda empresas do Porto do Açu que estão explorando uma quantidade muito grande de água em um poço profundo e isso já está trazendo problemas. Nossos estudos indicam que a população que está situada naquela região vai sofrer escassez de água futuramente, já que é um bem finito. No município de São Francisco, por exemplo, já está tendo intrusão salina porque estão tirando água além do que a natureza recebe de recarga”, denunciou um dos pesquisadores que não terá o nome divulgado.

Reserva para futuras gerações

As denominações dos aquíferos mudam ao longo dos anos, à medida que novas pesquisas sobre estas formações são concluídas. Além disso, algumas características também podem sofrer alterações. O Emborê, por exemplo, tem água de melhor qualidade que o Deltaico. As pesquisas já concluídas apontam que o Emborê tem cerca de 350 km², mas as estimativas dos estudos atuais apontam que ele seja ainda maior. Para se ter uma noção, toda a cidade e São João da Barra está situada em cima do Aquífero Emborê, segundo a pesquisadora Zélia Chrispim.

A concessionária Águas do Paraíba também tem conhecimento da dimensão e importância destes aquíferos. Segundo a assessoria de imprensa, estas áreas são consideradas como tesouro. “Esse é um tesouro, uma reserva estratégica para as próximas gerações, quanto menos usar, melhor. A espessura pode chegar a dois mil metros em alguns pontos”. Ainda segundo a concessionária, “estudos realizados informam que o voluma de água é tão grande que equivale a ‘vários’ rios Paraíba do Sul”.

Produtividade

Segundo a pesquisadora Sueli Yoshinaga, da Unicamp, em termos de produtividade, além da qualidade da água, a vazão é considerada ‘espetacular’. “O Deltaico tem grandes concentrações de ferro, mas uma usina desferruginadora poderia resolver o problema de forma simples. O Emborê tem água muito boa, é só perfurar. Já o Barreiras é o que consideramos mais ‘fraquinho’, mas também tem boa vazão e boa qualidade”, explicou a pesquisadora. Para se ter uma ideia da dimensão da importância destes aquíferos, em apenas um poço perfurado, é possível captar uma média de 140 metros cúbicos por hora, volume suficiente para abastecer uma cidade de 13,5 mil habitantes.

Empresas se posicionam

A reportagem do Terceira Via buscou resposta das empresas Águas do Paraíba, Sesc Mineiro de Grussaí e Prumo Logística sobre a acusação de estarem explorando os aquíferos de forma que represente risco à preservação dos mesmos. A reportagem também procurou o Instituto Estadual do Ambiente (Inea), responsável por proteger, conservar e recuperar o meio ambiente do Estado do Rio de Janeiro, incluindo os recursos hídricos.

Segundo o Inea, “há vários usuários autorizados a realizar captação em aquífero nesta região. Em consulta ao banco de dados do serviço de Outorga, as empresas Porto do Açu e Águas do Paraíba possuem pontos de captação regularizados por meio de Outorga de Direito de Uso de Recursos Hídricos”. Apesar de questionado, o Inea não comentou sobre o Sesc Mineiro de Grussaí e de que amneira deve agira diante do conhecimento da exploração. A Prumo Logística afirmou que “o uso de água subterrânea nas atividades do Complexo do Porto do Açu está prevista no licenciamento dos diferentes empreendimentos e autorizada pelo órgão ambiental”. Após ser questionada sobre a denúncia, a Águas do Paraíba assumiu que praticamente toda água subterrânea da Baixada Campista vem do Aquífero Emborê, que tem o líquido “em abundância e de excelente qualidade”. A concessionária informou ainda que “nessa área há poços que exploram água desse manancial há mais de vinte anos e todos os pedidos de outorga estão devidamente protocolados no órgão ambiental competente”.

O Sesc Mineiro de Grussaí também se posicionou, por meio de nota, sobre o caso e também confirmou explorar o aquífero. “A vazão disponibilizada pela concessionária não é suficiente para suprir toda a demanda da unidade. Desta forma, se faz necessário complementar o abastecimento por meio da captação de água subterrânea. Os procedimentos para a regularização das captações estão sendo conduzidos para obtenção das respectivas outorgas junto aos órgãos competentes”. Questionada por telefone se confirma então que o Sesc de Grussaí explora a área de forma irregular – já que a nota informou que a unidade ainda não possui as outorgas necessárias – a assessoria não soube responder e disse que retornaria a ligação, mas o novo contato não foi feito até o fechamento da reportagem.