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Escola Técnica Agrícola: gigante, histórica e quase esquecida

Passado glorioso e futuro incerto para a Escola Técnica Agrícola Antônio Sarlo, em Campos

Educação
Por Ocinei Trindade
10 de fevereiro de 2019 - 0h01

Na primeira metade do século XX, a cidade de Campos viveu o apogeu da produção de açúcar, tornando-se, inclusive, o maior exportador do produto da América Latina. Com a economia pulsante, um grupo de educadores, usineiros e políticos da época consideravam oportuna a criação de uma escola técnica que formasse mão de obra para atuar nas plantações e engenhos da região. Foi assim que um projeto começou a tomar forma nos anos 1950, com a criação do Colégio Agrícola, mais tarde chamado de Escola Técnica Estadual Agrícola Antônio Sarlo. A instituição tornou-se referência nacional. Porém, nas últimas décadas, entrou em franco declínio, com várias especulações de fechamento, além de um projeto de anexação por parte da Universidade Estadual do Norte Fluminense, em 2018. Será o fim?

Parte da história da criação do Agrícola de Campos transformou-se em literatura, em 2017. A autora Dayane Altoé dedicou-se a pesquisar a instituição durante seu curso de Mestrado em Políticas Sociais pela Uenf, entre 2010 e 2012. A dissertação foi transformada no livro “Políticas para a educação profissional: trajetória histórica da Escola Técnica Estadual Agrícola Antônio Sarlo”. Formada em História pelo Uniflu-Fafic, Dayane conta que sempre teve curiosidade em conhecer a trajetória da escola, da qual muitas pessoas até já ouviram falar, mas poucas, de fato, estiveram ali, na imensa área com mais de 35 alqueires, no Parque Aldeia, em Guarus.

“Quis investigar as mudanças de gestão ao longo de sua trajetória. O Agrícola, primeiro passou pela Secretaria Estadual de Agricultura. Nos anos 1970, quem assumiu foi a Secretaria de Educação. Desde 1999, o colégio passou a ser de responsabilidade da Secretaria de Ciência e Tecnologia vinculada à Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec). Tinha interesse em saber dos impactos sobre essas mudanças na educação e formação escolar. Deparei com um declínio de demandas e perda de alunos”, lembra.

O Colégio Agrícola completará em 21 de setembro, 64 anos de fundação. Atualmente, é dirigido por Marcelo Barbosa e Victoria Carógio que estão há um ano na função. O Curso Técnico em Agropecuária conta com 40 alunos matriculados no primeiro ano do Ensino Médio, 20 no segundo ano, e apenas 8 no último ano de ensino. Há mais de 20 anos, o ensino fundamental também é oferecido na escola. Atualmente, há 250 alunos distribuídos em uma turma do 6º ao 9º ano cada. A estrutura física da escola poderia abrigar mais de 1000 alunos nos ensinos fundamental e médio, segundo a direção. Marcelo e Victória informaram que houve aprovação para a criação de três novos cursos técnicos (Informática, Recursos Humanos e Logística Portuária), mas que não colocaram em prática ainda por falta de financiamento e apoio da Faetec.

Crises

Dayane Altoé (centro) escreveu sobre o Agrícola (Reprodução)

De acordo com a pesquisa de Dayane Altoé, em alguns momentos, no início da gestão da Faetec, a escola chegou a ter 260 alunos matriculados no Curso Técnico em Agropecuária. Em 2010, esse número foi reduzido para 60 alunos. Em 2007, o menor número, com 49 alunos matriculados. “Em outras gestões, a escola recebia alunos de outros municípios, estados e países. Era de grande referência, e isso me intrigava bastante, sobre o seu declínio. Essa escola foi muito importante para formação de grandes profissionais de todo o país. Na década dos anos 2000, foi um período bastante representativo para o ensino profissional no Brasil, com surgimento e expansão dos institutos federais. O ensino técnico estava em evidência, mas o Colégio Agrícola na contramão, passando por grande desprestígio”, afirma.

Em 2011, Victória Carágio conta que uma comissão de professores foi até a presidência da Faetec para questionar a falta de investimentos na escola. “Foi nos dito que não havia sentido em investir com poucos alunos. Fecharam o alojamento ou internato, e isto provocou muita evasão. A única saída para a escola não fechar seria a incorporação pela Uenf. O tempo passou e as dificuldades se somaram. Precisamos manter a instituição. Não esperamos apenas pelo governo do Rio para resolver os problemas da escola. Doações e colaborações individuais e por parte da iniciativa privada auxiliam a manter o colégio funcionando. Com ou sem incorporação do Agrícola pela Uenf, não admitimos o fechamento da escola”, frisa.

Uenf e parcerias

Reitor da Uenf, Luis Passoni: projetos de incorporação do Agrícola (Foto:Arquivo)

As especulações sobre o fechamento do Agrícola ou sobre sua incorporação por parte da Universidade Estadual do Norte Fluminense não foram confirmadas pela presidência da Faetec, apesar de vários pedidos de entrevista. O reitor da Uenf, Luis Passoni, voltou a manifestar o interesse em incorporar o colégio que, há mais de 20 anos, é utilizado em atividades dos cursos de Agronomia e Zootecnia do Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias (CCTA).

De acordo com o professor Raul Palácios, assessor da Reitoria, é fundamental a parceria entre as duas instituições. “Sem o Colégio Agrícola, não teria como desenvolver a prática dos cursos com qualidade. Há pesquisas de extrema importância em Mestrado e Doutorado realizadas no colégio, como produção de sementes, investigações com animais, peixes e outras culturas também acompanhadas por alunos do Colégio Agrícola”, explica.

Em 2018, a Reitoria da Uenf percebeu a possibilidade real de fechamento do Colégio Agrícola e da escola de ensino fundamental mantidas pela Faetec.  Para evitar isto, consideraram-se: a importância do Agrícola para a Uenf durante as pesquisas; a interação com os alunos da instituição que poderiam ingressar futuramente nos cursos da universidade; a importância do desenvolvimento da agricultura no município e região. “Daí, iniciou-se um processo de incorporação do Agrícola pela Uenf, mas não como um colégio de aplicação, e sim, como um colégio tecnológico que estaria dentro da universidade para se trabalhar com estudantes do ensino médio que poderiam desenvolver atividades práticas junto aos professores e pesquisadores. Esses jovens poderiam ter um curso de alta qualidade, uma vez que os estudantes de Mestrado e Doutorado, além de seus professores, poderiam colaborar com a grade curricular no processo de desenvolvimento. Por outro lado, é preciso uma infra-estrutura que hoje não é utilizada no Agrícola. Há interesses da universidade desenvolver outros tipos de pesquisa ali”, disse Palácios.

Segundo a Reitoria da Uenf, o processo de incorporação do Agrícola foi aprovado pelo Conselho Universitário. A comunidade acadêmica entendeu a necessidade de anexação do colégio para que este seja preservado. “Ainda estão sendo realizados trâmites burocráticos necessários para a conclusão da incorporação. Toda documentação referente à parte jurídica e formação de conselho foram entregues à Secretaria Estadual de Planejamento e ao Setor de Patrimônio. Esse processo quase foi encerrado no fim do governo passado, mas não aconteceu. Com o novo governo aí, pensamos que já adiantamos o bastante, cabendo ao governador assinar a transferência. Gostaríamos de concretizá-la antes do fim do primeiro semestre”, informou.

Victoria Carágio disse que, se a incorporação for a melhor saída para o Agrícola no momento, os servidores e estudantes estão abertos. “Não acredito no fechamento porque os servidores e a comunidade do entorno não querem e não vão deixar que a escola pare. Estamos dispostos a brigar e a lutar pela preservação do Agrícola. O nosso aluno vale muito”, defende.

Comoção

Dom Américo foi aluno e professor do Colégio Agrícola (Foto: Stefany Magalhães)

Antes de Dom Américo se tornar famoso como cantor e performer, o artista campista foi professor. Entre 1964 e 1970, foi aluno do Colégio Agrícola Antônio Sarlo; e de 1973 a 1995, lecionou na escola como Osvaldo Américo Freitas.  “Foi de importância enorme em função da produção canavieira. Grandes mestres formaram profissionais de diferentes áreas espalhados pelo Brasil e pelo mundo. Muitos agrônomos, veterinários, técnicos agrícolas e afins saíram daquela casa de ensino”, destaca. Para ele, enquanto o colégio pertenceu à Secretaria de Agricultura do Estado Rio de Janeiro, na década de 1960, viveu sua melhor fase. “Depois que passou para a Educação começou o declínio. Fala-se em crise do Agrícola, mas é geral no país. Na década de 1990, a gente era praticamente obrigado a aprovar o aluno, mesmo sem ele ter capacidade. Houve um desestímulo muito grande”, diz.

Recordar sobre o Colégio Agrícola leva o ex-professor Osvaldo Américo às lágrimas. “Conheci cada pedaço dos 35 alqueires daquela sede. Morei ali. Em épocas de férias, continuei na escola trabalhando na cozinha e na faxina, o que muito me honra. Há placas com o meu nome, fui paraninfo de muitas turmas. Minha formação musical começou na banda marcial. Fui tubista, corneteiro-mor e instrutor por muitos anos. No apagar das luzes, a banda passou a se chamar Banda Marcial Professor Oswaldo Américo. Tive colegas como Paulinho Rezende, um dos maiores poetas e compositores do Brasil. A música “Butterfly” é dele. Foi um grande marco da minha vida”

O Hino do Colégio Agrícola é cantado ainda pelo ex-aluno e ex-professor, como o trecho “À procura incessante do sucesso, os nossos corações vibram com ardor, caminhamos em par com o progresso, na trilha abençoada do labor…”