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Entrevista: As razões do orador

De personalidade marcante, o ex-diretor da Faculdade de Direito de Campos, Levi Quaresma, segue afiado e aberto a discussões

Entrevista
Por Ocinei Trindade
21 de janeiro de 2019 - 16h37

Levy Quaresma (Foto: Silvana Rust)

O procurador de Justiça e professor Levi Quaresma, nasceu em Campos dos Goytacazes, há quase 77 anos (completará em 24 de abril). Casado com Gláucia Quaresma, são pais de Marcus Vinicius e Cláudia, avós de Linda, Daniella, Mariana e Laís. Formado em Direito e em Filosofia, ele destacou-se em diversas funções públicas, entre as quais, diretor da Faculdade de Direito de Campos por décadas, e do Presídio do Norte do Estado por cinco anos. Conhecido pela personalidade forte e pelo rigor profissional, Levi Quaresma discorre sobre política, OAB, problemas na carreira, qualidade do ensino e a fama de bravo e exigente.

 

A maior parte de tua vida profissional, creio, foi dedicada ao Direito e ao ensino e formação acadêmica de futuros advogados, juízes, promotores e defensores públicos. Como avalia essa função docente em tantos anos?

Trabalhar nessas duas searas  — Direito /Justiça e Educação — é uma bênção especial que me foi concedida pelo Altíssimo Onipotente. Em verdade, nenhuma das duas é simples profissão. É privilegiada missão.  Não há remuneração melhor para o trabalho desenvolvido do que ver o resultado, o fruto do trabalho. O que existe de mais gratificante do que aproximação de um ex-aluno para cumprimentar seu antigo mestre? O que enche o coração de um mestre mais do que isso? A gratidão e o carinho dos ex-alunos falam mais alto do que tudo o mais. 

O senhor conciliou diversas atividades por muito tempo como servidor público, professor e diretor da Faculdade de Direito de Campos por muitos anos. Como conseguia fazer tantas coisas ao mesmo tempo?

Buscando cada vez mais, permanentemente, uma maior capacitação pelos caminhos da autodidática, pela reflexão e meditação; pela descoberta de caminhos para a maximização do tempo. Falar menos e fazer mais. Examinar as alternativas, escolher a melhor. Escolheu? Mãos à obra. Errou? Corrija. Karajan diz: “Quem decide, pode errar. Quem não decide, já errou”. Já Jean Cocteau diz: “Não sabia que era impossível, foi lá e fez”.

Estar à frente da FDC foi o trabalho que te deu maior visibilidade na sociedade e no meio acadêmico?

Em Campos, sim. No Rio, o destaque foi meu trabalho como procurador de Justiça em uma das Câmaras do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, e na administração do Ministério Público. Em Campos, além da FDC, estive à frente da direção do Presídio Norte do Estado entre 1986 e 1991.

O senhor chegou a ser afastado da direção da FDC, e voltou a lecionar na instituição recentemente. Este episódio ficou esclarecido, contornado e superado? Gostaria de voltar às funções de gestor?

Ainda não chegou a hora de falar sobre isso. Apesar de já existir uma sentença da primeira instância a meu favor, com condenação da Faculdade/Fundação a pagar salários pelo tempo em que fiquei afastado, e com condenação a pagamento de indenização por danos morais. Ainda não chegou a hora de falar sobre isso. Aguardo o veredicto final da Justiça que será dado pela segunda instância.

O senhor sempre foi conhecido pela destreza e inteligência rápida, além de ter tino para gestão e negócios. Isto te envaidece? Aliás, o senhor se considera vaidoso?

“Vaidade das vaidades, tudo é vaidade”, diz o Pregador no Livro de Eclesiastes da Bíblia Sagrada. A vaidade não presta para nada de bom. Quem disse isto foi Salomão que se auto-definia como pregador, filho de Davi e rei de Jerusalém. Você é o segundo jornalista que me faz essa pergunta. O primeiro foi Nicolau Louzada ao vivo na televisão. Respondi-lhe de pronto: a vaidade é o orgulho normal que um ser humano possa ter, lembrando Santo Agostinho,  que diz: “a humildade deve ser a primeira virtude do cristão”. Se eu respondesse que sou humilde, na verdade, estaria sendo vaidoso.

Pergunto isto também porque o senhor tem fama de homem bravo e muito exigente. Algumas pessoas têm certo receio de se aproximarem. Concorda com essa fama?

Exigente, sim. Digo às vezes que sou muito exigente comigo. Então, posso e devo ser exigente com os outros que trabalham sob minha condução. Tenho de avaliar alunos pelo que foi transmitido em sala de aula, porque os concursos aos quais se submeterão não são de menor exigência.  Quanto à fama de bravo e receio de aproximarem de mim há controvérsias. Melhor perguntar isso aos meus alunos. Minha sogra, dona Guiomar, gostava de repetir: “quem gosta de mim, já gosta. Quem não gosta, não sabe o que está perdendo”.  

Como é lidar com as novas gerações da área jurídica? E como analisa o índice de violência, criminalidade e encarceramento no país?

É muito gratificante lidar com as novas gerações da área jurídica de hoje. Chega a ser emocionante a garra com que lutam com todas as circunstâncias desfavoráveis. O principal dos problemas das prisões permanece intocado pelos governos que se sucedem. Quem não sabe que não pode haver cumprimento de pena sem trabalho do preso?  “Cabeça vazia é oficina do Diabo”, diz o ditado popular. Temos prisões ou depósitos de presos?  O espaço e o tempo aqui são insuficientes para tratar desse tema.  

Como o senhor avalia a quantidade de bacharéis formados em Direito que não são aprovados no exame da OAB ? Os cursos se multiplicaram e a qualidade do ensinou caiu?

A questão é complexa e não comporta análise tão sucinta. Os cursos se multiplicaram e a qualidade do ensino caiu. Quanto aos exames da OAB, a problemática das avaliações aparece também nos resultados dos concursos públicos para juiz, promotor, defensor, etc., e no Exame Nacional de Desempenho Escolar (Enade).

Na República, como o senhor analisa a participação dos Três Poderes no país? O senhor concorda que tem havido judicialização da política no Executivo e Legislativo  e politização do Judiciário?

No que tange à judicialização da Política, o maior responsável é o Poder Legislativo que apresenta três deficiências: não legisla como deveria, deixando margem para o Judiciário preencher correta ou incorretamente as lacunas; muitos legisladores se deixaram perder pelos descaminhos da corrupção, abarrotando o Judiciário com muito trabalho de processamento e julgamento dos crimes dos legisladores; o próprio Poder Legislativo muitas vezes leva ao Poder Judiciário questões que, por mero interesse próprio, não logrou/decidiu resolver internamente.

 

Temos um ex-juiz no governo do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, e um ex-juiz como superministro no governo federal à frente do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro. Qual a sua impressão do ingresso de magistrados na vida política?

Lamentável que a má qualidade dos políticos chegue ao ponto de levar juízes citados — verdadeiros patriotas —, a se sentirem vocacionados a irem para as trincheiras da Política, para servirem melhor ao País; isto à custa de terem de abandonar direitos previdenciários para os quais contribuíram por mais de 20 anos. Acrescento à lista o atual governador do Maranhão, Flávio Dino.

No convívio mais próximo como é em uma cidade, como o senhor define as relações entre Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público? O combate à corrupção deve começar por onde?

Maior integração entre o Ministério Público e a Polícia Judiciária.

O senhor é membro da Academia Campista de Letras e é violinista. Como lida com a música e a escrita atualmente?

Estou escrevendo dois livros. O primeiro, sobre Direito Administrativo e Administração; o segundo se chama “Minhas lições dos outros”, inspirado em Zuenir Ventura, autor de “Minhas histórias dos outros”. Ele já está ciente dessa associação. Continuo praticando o violino, porém, menos do que eu gostaria.

Pensa em parar ou se aposentar de vez?

Meu lema é PN: Parado Nunca.

Que expectativas têm para 2019 e o futuro do Brasil?

2019 é transição. Os problemas do Brasil não se resolvem em quatro anos. É uma interrogação porque não se sabe ainda da capacidade do Poder Executivo de se relacionar com o Legislativo.  O princípio constitucional da harmonia e da independência dos poderes é mais fácil de ser enunciado do que exercitado na prática.

Alguma frase te inspira?

Que Deus me dê força para mudar o que pode ser mudado; que me dê paciência para suportar o que não pode ser mudado (ainda); sobretudo, que me dê sabedoria para distinguir uma situação da outra.