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Aumenta a busca por armas e clubes de tiro em Campos

Especialistas falam sobre o decreto de Bolsonaro que dividiu opiniões, facilitou a venda de armas e aumentou movimento em clubes de tiros

Campos
Por Redação
20 de janeiro de 2019 - 0h01

Repórter conheceu de perto clubes da cidade (Fotos: Silvana Rust)

Com a assinatura do decreto pelo presidente Jair Bolsonaro que facilita a posse de armas em todo o país, o assunto ganhou comentários, dúvidas e, na cidade de Campos, também já é possível notar o impacto da medida – que ganhou opiniões divididas por quem entende do assunto. Especialistas da área já percebem um aumento no número de civis em busca de ter uma arma, mas, por outro lado, ressaltam a burocracia e o alto preço para conseguir cumprir todos os requisitos necessários.

“Apesar de o novo decreto ser um facilitador, há uma série de exigências e custo para os interessados passarem por esses exames. Concordo que o Estado não tem condições de defender o cidadão em todos os locais, mas por outro ponto não posso negar que uma arma é um fator potencializador de crimes que não aconteceriam, como um crime passional durante uma briga de casal ou uma pessoa que vai levar a arma para a rua e usar em uma briga de trânsito. Tem seus prós e seus contras”, garantiu o delegado Gabriel Duarte, da Polícia Federal em Campos.

Na cidade, é perceptível o aumento contínuo na procura por armas de fogo nos últimos anos. Para o mestrando Roberto Uchôa, responsável pela pesquisa “A Demanda Por Armas de Fogo em Campos” da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf), nem o Estatuto do Desarmamento, sancionado em dezembro de 2003 pelo então presidente Lula, garantiu a diminuição da busca por armas pela população.

Clube de tiro em Guarus reúne esportistas para prática (Foto: Silvana Rust)

“Nos últimos anos tivemos maior procura por armas de fogo em Campos, aumento do número de lojas que comercializam este material e também aumento de clubes de tiro. A hipótese que eu trabalho no estudo é que as pessoas não acreditam mais na capacidade do Estado de proteger a população e seu patrimônio, então, na busca da defesa do pouco que eles têm, estão indo atrás dessa alternativa”, afirmou.

Segundo dados nacionais da Polícia Federal, em 2007 foram 681 registros de novas armas para pessoas físicas apenas no estado do Rio de Janeiro. Já em 2017, o número chegou a 1.223. No estado vizinho, o Espírito Santo, o aumento foi ainda maior com 88 novos registros em 2007 e 1.433 em 2017.

Em todo o Brasil, em 2007 foram 3.938 pedidos em 2007 e 33.031 em 2017. E este aumento é comprovado também por quem está do outro lado: os comerciantes. O empresário Rogério Lopes abriu uma loja para comercializar armas em Campos há seis meses. Neste período de funcionamento, ele garante que o comércio superou as expectativas. “Quando abri a loja esperava vender 24 armas em seis meses, mas já vendi mais de 200 neste período, o que me surpreendeu. E a tendência é aumentar ainda mais”, comemorou.

Embora seja atirador profissional há 25 anos e agora também empresário do ramo, Rogério destaca que ter uma arma legalizada não é fácil como parece. “A pessoa chega para comprar e se eu vejo que tem algo na ficha criminal, eu nem dou prosseguimento ao atendimento. Para adquirir uma arma de fogo, tem que ter ficha limpa antes de qualquer coisa”, ressaltou.

Além disso, outros requisitos são indispensáveis. “A Polícia Federal explica todo o procedimento, mas os principais a serem cumpridos são: ter certidão de bons antecedentes criminais, ser aprovado em exame psicotécnico, ter curso de tiro e só depois que tiver a documentação completa, preencher um formulário e aguardar ter a posse de arma deferida. Aí então a pessoa pode comprar uma arma”, explicou o delegado Gabriel Duarte.

(Foto: Silvana Rust)

Atirar por quê?

Há dois caminhos para ter condições de possuir uma arma de fogo: por esporte ou defesa pessoal. Para casos em que o interessado quer praticar o tiro por esporte, é necessário buscar autorizações com o Exército, cumprir as exigências e filiar-se a algum clube de tiro. Para estas pessoas, em resumo, o novo decreto apenas diminuiu custos para manter a arma.

“A prática da atividade é cara e exige o cumprimento de muitas obrigações. O título de sócio de um clube custa R$ 3 mil e a anuidade é R$ 600. Do dia em que se associa até dar o primeiro tiro com arma de fogo e munição próprias, o novo atirador pode ter que esperar até um ano. Na verdade, o decreto mudou pouco para os praticantes do esporte, pois nossas regras são vinculadas ao Exército. Até agora, a única modificação que nos afeta positivamente é a mudança do vencimento do registro de armas que foi estendida de cinco para dez anos”, pontuou João Rangel, presidente de um clube de tiro de Campos que existe há quase 70 anos.

Advogada Valéria Mello inaugurou um clube de tiro recentemente em Campos (Foto: Silvana Rust)

Já para o cidadão ‘comum’ que quer ter a arma em casa para defesa pessoal, o caminho é somente através da Polícia Federal. A advogada Valéria Mello já atira há mais de dez anos e recentemente inaugurou um clube de tiro em Campos. Ela incentiva a prática com o objetivo da defesa pessoal, principalmente para mulheres.

“Atirar é muito prazeroso e penso que não existe nenhum tipo de atividade ou esporte que o homem pratique que nós não possamos praticar. A mulher tem que fazer o que gosta, o que dá prazer e por que não o tiro esportivo? No começo, eu me sentia constrangida porque só via homens nos estandes, mas lugar de mulher é onde ela quiser. Podemos acabar com esse monopólio masculino no esporte”.

Embora seja a favor da facilitação para que mais pessoas possam ter armas, Valéria levanta uma questão sobre o novo decreto. “Para as mulheres, acho que essa facilidade traz muito mais insegurança. Por estar atuando há muito tempo no ramo e ter visto situações inusitadas, acho que o novo decreto poderia ser mais eficaz na prática. Deveriam ter convocado especialistas da área para participarem de sua confecção. Um ponto delicado é o novo tempo de registro. Quem garante que em 10 anos de registro válido e sem interferências do Estado, a condição psicológica da pessoa não possa mudar e ela perder essa capacidade de possuir tais armas?”, questionou.

Eu atirei

Contra qualquer tipo de violência e de incentivo – embora admiradora de esportes radicais e de contato – eu (a jornalista que escreve) experimentei pela primeira vez a sensação de atirar com uma arma de fogo enquanto produzia esta reportagem. Antes de tudo, cabe ressaltar os inúmeros cuidados e recomendações de segurança, inclusive para segurar uma arma descarregada. Quanto ao prazer no momento do disparo, este é inigualável. Recheado de adrenalina a ponto de disparar o coração e tão relaxante como uma aula de yoga. (Priscilla Alves).