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Mar que não está para peixe

Pescadores da região enfrentam uma disputa desleal com barcos modernos equipados com tecnologia que invadem o litoral do Norte

Economia
Por Redação
13 de janeiro de 2019 - 0h07

A pesca no Farol ainda é rudimentar comparada a de outros lugares, com tratores rebocando barcos (Foto; Silvana Rust)

Comer é um dos maiores prazeres existentes e isso não é novidade. E, no verão, a preferência por pratos em que peixes ou frutos do mar são o principal atrativo é ainda mais comum do que em outras épocas do ano – seja nos restaurantes, em quiosques, na beira da praia ou em casa. Mas, o que muitos consumidores não sabem é que este prazer está ameaçado devido à escassez de peixes na região. E, além disso, há uma preocupação ainda maior que é com o meio ambiente. O fato pode ainda não ser notado pela maioria dos consumidores, mas já é comprovado por quem entende do assunto. Além disso, quem sobrevive da pesca no mar já sofre os impactos e o principal motivo é a concorrência desleal entre pescadores da região com grandes embarcações que vêm de outros estados e capturam até 30 vezes mais peixes aqui.

Segundo o eco-historiador Arthur Soffiati, a escassez de peixes já acontece há cerca de 40 anos e é gradativa. “Os cardumes estão diminuindo e isso é notado tanto em água doce quanto em água salgada. É possível observar que com as drenagens das lagoas para integrar grande área de terra para a agricultura e agropecuária, a pesca começou a diminuir. Outro fator influenciador são os desastres ambientais que ocorrem tanto no mar da região quanto nos rios e, para piorar, ainda temos a pesca predatória”, numerou o ambientalista.

Para Soffiati, é justamente a pesca predatória uma das maiores ameaças da reprodução e preservação dos peixes. “O número de pescadores e de grandes embarcações aumentou ao longo dos anos e, infelizmente, há quem não respeite o período do defeso”, lamentou.

A declaração do pesquisador também é comprovada na prática por quem tem ligação direta com o mar: os pescadores. Em Campos e São João da Barra há, em média, dois mil pescadores registrados. São pessoas que lidam diariamente com os desafios cada vez maiores para garantir o sustento de suas famílias através das atividades pesqueiras. Segundo Elialdo Bastos Meireles, presidente da Colônia de Pescadores Z-2, que fica em Atafona, distrito de São João da Barra, para conseguir a quantidade de peixes ideal para voltar à terra firme, um barco hoje precisa ficar o dobro de tempo em alto mar.

“Antes, com quatro dias a gente voltava cheio de peixes. Agora, ficamos dez dias e voltamos com muito menos. Temos muita embarcação de fora que vem pescar aqui. Esses barcos grandes fazem um cerco e pegam umas 30 toneladas de pescado de uma vez só, enquanto a gente demora dias pra pegar uma tonelada. Isso nos prejudica demais”, lamentou o presidente, que é pescador há mais de 40 anos.

Ainda segundo ele, justamente essa pesca predatória – que é realizada de forma excessiva e ameaça a reprodução dos peixes – é praticada aqui na região por grandes embarcações de outras áreas e já traz consequências. “A curvina, por exemplo, é um peixe bom e foi muito impactado com isso. Antes a gente pegava uma quantidade grande e agora diminuiu muito”, lamentou.

Analisando o cenário atual, que é agravado por outros fatores como os desastres ambientais ocorridos em anos passados nos rios da região e as atividades industriais no mar, o eco-historiador Soffiati afirma que a tendência é que a pesca artesanal – esta feita por embarcações menores – diminua gradativamente.

“Você junta todos esses fatores e vê que a pesca está em decadência. Eu acho que, de fato, vai se tornar uma atividade muito restrita. Nós temos o que chamamos de ‘esforço de pesca’, que é quando tiram mais peixes do mar e do rio do que a capacidade de reprodução desse pescado”.

Se o declínio da pesca já é uma afirmação de quem estuda o assunto e quem trabalha diretamente na pescaria, esta constatação também é feita por quem está no outro extremo desta atividade, como é o caso do empresário do ramo gastronômico Breno Romano. Dono de um restaurante em Campos, ele tem experiência como comprador de pescados há pelo menos 9 anos e mesmo que 80% dos pratos vendidos em seu restaurante tenham como ingrediente principal os peixes e frutos do mar, Breno percebe que não há mais a mesma facilidade para encontrá-los no mercado como antes.

“Eu priorizo comprar peixe na região e percebo que há sim uma diminuição. Às vezes eu tenho que ir à lugares mais distantes e isso é fato. Muitas vezes, o problema é a pesca predatória. Eu tenho contato direto com muitos pescadores e também pesco, então todos nós sabemos da presença destas embarcações maiores na nossa costa, como as traineiras industriais, que vêm de várias partes do país para pescar aqui e isso causa um impacto muito grande”, contou Breno.

A reportagem tentou contato com a Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro (Fiperj) e com a Marinha para obter mais detalhes sobre o assunto, mas não teve retorno. Já a Prefeitura de Campos informou que algumas medidas vêm sendo adotadas para tentar amenizar estes impactos para os pescadores da região. Como base para parte destas ações, a superintendência de Pesca e Aquicultura de Campos tem o diagnóstico feito pela Fiperj, que confirma a escassez do pescado e sinaliza uma preocupação com a atividade.

“Estamos desenvolvendo, junto ao Núcleo de Biodiversidade do Ibama, um trabalho de readequação do período de defeso. Reuniões já vêm sendo realizadas com representantes da pesca e com a Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf). O diagnóstico vai dar a base técnica, científica e empírica, junto aos pescadores, para modificar o período do defeso tanto do mar como da água doce, que consideramos não ser adequados”, informou o superintendente adjunto de Pesca e Aquicultura, José Armando Barreto.

Ainda segundo ele, a superintendência também vem atuando para agilizar o acesso dos pescadores à políticas públicas voltadas para eles. Outra medida é incentivar a venda do pescado da região por meio da Feira do Peixe, que vem sendo realizada de forma itinerante em vários bairros da cidade.

Pelo lado ambiental, o eco-historiador Soffiati também sugere possíveis medidas. “Além de respeitar o período do defeso, há ainda soluções como reflorestar as margens dos rios e recriar lagoas importantes. Recuperar o meio ambiente é muito demorado e caro e não é possível refazer em um ano o que foi destruído em 100. Mas se começar agora, em dez anos teremos resultados”, indicou.

O peixe da Madonna (por Aloysio Balbi)

Nos anos 80, um peixe de carne branca e saborosa encontrado em grande quantidade no litoral do estado do Rio de Janeiro, com maior concentração em Farol do São Tomé, virava notícia nacional: o pargo. O peixe, que já havia dado seu nome a uma das plataformas de petróleo da Bacia de Campos, ficou ainda mais famoso, quando a cantora pop Madonna esteve pela primeira vez no Brasil, para um show no Rio, no Maracanã.

Depois do show, Madonna foi com seu agente e outros membros da sua equipe jantar em um refinado restaurante da Zona Sul carioca e disse para o garçom que queria comer peixe e pediu sugestão. A casa sugeriu um pargo com ervas verdes. A cantora se apaixonou pelo peixe e na entrevista dada no dia seguinte desfiou elogios, dizendo que nunca tinha comido algo tão saboroso.

Certamente, o pargo servido a Madonna foi pescado no mar do Farol de São Tomé, que abastecia o mercado da Praça XV deste tipo de peixe. O assunto ganhou destaque no jornal O Globo, com o título “O Peixe da Madonna”. Naquele mesmo ano, o mesmo jornal publicou no alto de uma de suas páginas de economia a seguinte manchete “Campos exporta pargo para a Itália”.Antes de Madonna, os italianos descobriram que o peixe era bom demais. Importava do Brasil em média 10 toneladas por mês deste pescado, o que o colocou na condição de peixe nobre. O tempo foi passando e a pesca do pargo em Farol de São Tomé foi ficando escassa. O pargo foi minguando e no final dos anos 90, a exportação para a Itália havia caído em 80% deixando de existir na década de 90.