×
Copyright 2024 - Desenvolvido por Hesea Tecnologia e Sistemas

O que nós temos a ver com River x Boca

Paixão pelo futebol e a rivalidade desportiva não devem sucumbir à violência

Opinião
Por Redação
2 de dezembro de 2018 - 12h55

(Foto: Reprodução)

Por PAULO CASSIANO JÚNIOR*

Na última quinta-feira, a Confederação Sul-Americana de Futebol finalmente bateu o martelo: o segundo jogo da final da Copa Libertadores 2018 será disputado em Madri. Será a primeira vez em que uma decisão do campeonato acontecerá fora do continente.

A resolução foi motivada pelo fato de o ônibus que transportava a delegação do Boca Juniors ter sido apedrejado pela torcida do River Plate, seu arquirrival, quando chegava ao estádio Monumental de Nuñez, em Buenos Aires.

As cenas da pancadaria escandalizaram o mundo e expuseram a falência da sociedade argentina, incapaz de organizar uma partida de futebol entre dois clubes do próprio país.

Infelizmente, barbáries semelhantes a essa têm ocorrido aqui no Brasil, em todos os lugares e das mais variadas formas.

Em 2014, Paulo Ricardo Gomes da Silva foi morto quando passava próximo ao portão de acesso à torcida visitante, no estádio Arruda, em Recife, atingido por um vaso sanitário arremessado do anel superior da arquibancada. No ano passado, o botafoguense Diego Silva dos Santos foi perfurado até a morte com um espeto de churrasco nos arredores do Engenhão, antes de uma partida contra o Flamengo. O revide veio há três semanas, com o assassinato de um rubro-negro, numa confusão que terminou com a detenção de 60 torcedores do Botafogo. Aqui mesmo na cidade, no ano passado, membros de torcidas organizadas do Americano avançaram pela rua do Gás e agrediram gratuitamente torcedores comuns do Goytacaz, inclusive mulheres e idosos. Os casos são tantos que faltaria tinta para contá-los.

Para que a violência associada ao futebol seja bem compreendida, importa perceber que ela é parte integrante de um contexto mais amplo, de uma sociedade (cada vez mais) embrutecida. Não se trata, portanto, de um fenômeno isolado. Há mais agressividade não apenas nos estádios, mas também nas casas, nas escolas e no trânsito. Nesse sentido, a violência não é do futebol, e sim no futebol.

As sequelas dessa violência podem ser vistas a olho nu. Tradicionalmente transmitida por hereditariedade, a paixão clubística era autenticada pela frequência semanal de pais e filhos aos campos de futebol. Agora, com o aprofundamento do sentimento de insegurança e a elitização do esporte, as famílias optam por outras modalidades de entretenimento menos arriscadas e mais econômicas. As consequências inevitáveis disso são o crescente desinteresse das novas gerações pelo futebol e a fuga dos torcedores dos estádios, que só lotam em jogos de grande apelo.

Especialistas em sociologia da violência sinalizam um plano para enfrentar o problema. Trata-se de um conjunto de medidas permanente, simultâneo e coordenado entre governo e sociedade, o qual envolve ações repressivas, cujos efeitos são sentidos a curto prazo; preventivas, a médio prazo; reeducativas, a longo prazo.

Precedentes de sucesso há. Podemos olhar com esperança para o exemplo inglês. Sofrendo na década de 80 com a brutalidade dos “hooligans”, que espalhavam terror pelos estádios europeus, a Inglaterra adotou providências drásticas e transformou a sua liga de futebol na mais próspera, segura e equilibrada do mundo.

River x Boca nos mostra, mais uma vez, que a paixão pelo futebol e a rivalidade desportiva não devem sucumbir à violência.

* Delegado da Polícia Federal. E-mail: cassiano.pcbcj@gmail.com