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Um outro filme para as eleições

As relações do período eleitoral com o cinema e fatos marcantes do Brasil nas últimas décadas

Blog dos Jornalistas
Por Ocinei Trindade
11 de setembro de 2018 - 15h54

Cena do filme “Terra Estrangeira”, de Walter Salles e Daniela Thomas (Reprodução)

A cada dois anos, o Brasil vai às urnas. As eleições gerais e municipais obrigam os brasileiros, nesse período, a pensarem e a praticarem o ato de votar. Desde a redemocratização do país, após o fim do Regime Militar (considerado Ditadura entre 1964 e 1985), o Brasil vem tentando aprender a votar. Durante os chamados Anos de Chumbo, houve eleições para prefeito, vereador, deputados estadual e federal, senador e até para governador dentro das regras do bipartidarismo imposto pelo sistema à época. Historiadores consideram que os militares passavam verniz na “democracia”. A vontade do povo ou da maioria do povo segue à prova nas eleições de 2018. Estas sugerem dramas e dúvidas sobre fato, ficção com algum verniz.

Independentemente das paixões que acometem eleitores de direita ou de esquerda, além da apatia e da descrença em políticos ou na política, o Brasil vê-se confuso, perdido, cabisbaixo, e ainda, recorrendo aos extremos, ao extremismo, aos extremistas e à saída pelos portos e aeroportos do país: “fugir é preciso”, afirmam alguns desesperados e desesperançados. Entretanto, para onde escapar em um mundo com fronteiras cada vez mais demarcadas quando as migrações em massa passam a ameaçar países prósperos da América do Norte, Europa, Ásia e Oceania e seus povos nem sempre abertos para receberem refugiados de “guerras”?

Bastidores de “Entreatos”, documentário de  João Moreira Salles (Reprodução)

Brasileiros que migram dentro de seu próprio país, em busca de vida melhor sabem do perrengue que atravessam. Porém, nem todos sabem dos grandes desafios de viver em terra estrangeira; das amarguras, preconceitos e rejeições que podem passar em outro país. Recentemente, sírios, haitianos e venezuelanos em suas diásporas cruéis vivenciam esse drama, inclusive, procurando acolhimento e salvação no Brasil. Já há brasileiros experimentando a xenofobia na prática, como é o caso de moradores da cidade de Pacaraima, em Roraima, fronteira da Venezuela com o Brasil. O estado de Roraima vem enfrentando vários problemas com a fuga em massa de venezuelanos de seu país, devastado por desemprego, violência, fome e instabilidades política, social e econômica.

O desencanto pelo Brasil difere do de cidadãos saídos de países como Venezuela, Síria ou Haiti. Temos graves problemas também, mas, ainda não tão próximos como os experimentados por indivíduos desses lugares. É comum ouvir desses refugiados o sonho e a vontade de retornarem às suas terras natais. A onda desanimadora e a baixa autoestima vivida pelos brasileiros nos últimos quatro anos, talvez, assemelham-se às já encaradas no regime militar por aqueles que defendiam ideias socialistas e comunistas, por exemplo. Já aqueles que se identificam com ideais mais conservadores à direita, também se desapontam com o país de pretos e pobres estigmatizados pela criminalização de violências. Já a corrupção, esta é capaz de afetar a todos sem maiores distinção, independentemente da classe social, credo ou preferência partidária. A corrupção é democrática ou a democracia é corrupta?

Dilma em “O Processo”, de Maria Augusta Ramos (Reprodução)

No início dos anos 1990, logo após a posse de Fernando Collor de Mello, primeiro presidente eleito após o fim da ditadura que durou 21 anos, o desencanto pelo Brasil tomou corpo, cara e formas. Muitos jovens, emigraram, buscando algum alento nos EUA, Europa e outros destinos. Os cineastas Walter Salles e Daniela Thomas levaram para as telas um recorte desse drama no longa “Terra Estrangeira” (1995), estrelado por Fernanda Torres, Laura Cardoso e Fernando Alves Pinto. A angústia de quem deixa o Brasil não é tão distinta de quem decide ficar e sofrer todas as injustiças e desafios da sociedade brasileira. Esta obra de ficção ajuda a rever a História do Brasil recente e suas consequências na atualidade.

Ainda referindo-se ao cinema brasileiro que serve de autocrítica e autoconhecimento de quem somos e do que somos capazes, outros cineastas têm colaborado com esta função. Em “Entreatos” (2004), documentário de João Moreira Salles, conhecemos os bastidores das eleições que deram vitória a Luiz Ignácio Lula da Silva para presidente do Brasil, em 2002. Já este ano, a cineasta Maria Augusta Nunes revela em “O Processo” (2018), o dramático e controverso documentário sobre o processo de impeachment que cassou o mandato da presidente Dilma Rousseff, em 2016. São obras que ajudam a recuperar nossa frágil memória sobre os graves problemas político-sociais brasileiros. Enquanto as eleições de 2018 não chegam, recomenda-se a colaboração dos brasileiros que ajudarão a escrever um novo script para o país de verdade no dia a dia, para o país recortado em documentários ou para um romance ficcional ou longa-metragem nos próximos anos. Além de eleitores, somos coautores do Brasil.