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A ditadura da estética

"Neste artigo, Paulo Cassiano Jr. discute a pressão para alcançar o padrão social de beleza."

Opinião
Por Paulo Cassiano Júnior
12 de agosto de 2018 - 11h34

A intenção de fazer uma surpresa para o marido levou Lilian Calixto, de 46 anos, a cruzar os quase 1.600 Km que separam Cuiabá do Rio de Janeiro. Seduzida pela promessa de que a intervenção estética que planejava há quatro meses seria “coisa rápida”, a gerente bancária deixou para trás a aflição da espera e mitigou o medo quando viu que o endereço marcado pelo médico Denis Furtado era o de sua própria residência.

Vaidosa e independente, a mato-grossense reforçara a sua confiança quando uma amiga fez relatos positivos do médico que lhe aplicara um gel nos glúteos e, de tanto repetir a técnica, ganhara um apelido emblemático: “Doutor Bumbum”.

“Doutor Bumbum” sabia como poucos vender o seu peixe, a bioplastia. Em vídeos que divulgava nas redes sociais, aparecia sempre bem-apessoado e não economizava as frases de efeito. “Você já sabe que quando eu coloco esse jaleco verde é porque o bicho vai pegar!”, anunciava. Entre caras, bocas e um estilo pra lá de irreverente, mais parecia um palestrante de marketing comercial, disposto a tudo para conquistar a atenção de sua plateia virtual. “Vai começar o show!”, dizia, antes de começar o procedimento.

No último dia 14, o “show” de “Doutor Bumbum” teve fim catastrófico para a cuiabana. Suspeita-se que a aplicação nos glúteos da paciente de PMMA, substância derivada do acrílico, tenha sido feita em dose excessiva, a qual teria provocado a embolia pulmonar que lhe causou a morte.

Tudo indica que “Doutor Bumbum” será criminalmente responsabilizado pelo óbito de Lilian Calixto. Afinal, o médico não possuía especialização em cirurgia plástica, fato que o inabilitava para a intervenção, e realizou o procedimento fora de uma clínica ou hospital, o que é proibido.

Entretanto, para além de suas necessárias repercussões jurídicas, a tragédia que vitimou Lilian Calixto deveria lançar luz sobre a enorme pressão que se tem exercido, sobretudo sobre as mulheres, para que elas sejam constantemente enquadradas num rigoroso padrão de beleza.

Nada escapa à sociedade de consumo, nem mesmo o corpo humano. Cremes, maquiagens, massagens, aplicações, cirurgias, tudo é idealizado e vendido como senha milagrosa para se alcançar a felicidade. Sob o pretexto de que “é importante ter saúde”, pessoas abarrotam as academias e se entopem de suplementos, mas, no fundo, querem mesmo é “ficar” bonitas e receber elogios pela aparência. Estar com uns quilinhos a mais gera ansiedade, vergonha e culpa. A magreza curvilínea e o rejuvenescimento devem ser perseguidos continuamente. A pele tem de ser a de um bebê, pois, na era da comunicação visual, é imprescindível sair sempre “bem na foto”.

A ética da nossa vida social desperta a ambição e aguça o narcisismo. Dar valor relativo à imagem significa ser “desleixado”. Em busca do sonho das passarelas, jovens modelos têm se tornado anoréxicas. Pessoas têm tomado hormônios veterinários para perder peso e ganhar músculos. Com o objetivo de se tornar idêntico ao boneco Ken, Rodrigo Alves, de 34 anos, esculpiu seu corpo com 60 cirurgias e 120 “procedimentos cosméticos”. “Não aceito envelhecer”, justificou. O que é isso?!

Não sem razão, “Doutor Bumbum” já foi eleito o vilão da vez. Porém, vale ponderar por que o médico exibicionista era seguido no Instagram por 650.000 pessoas, muitas das quais sonhavam em lhe pagar R$ 18 mil para que ele lhes injetasse acrílico nos glúteos, para deixá-los bem empinados.
É de questionar se já demos mais valor à personalidade e ao caráter, pois, na ditadura da estética, a beleza tem se tornado virtude.