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Que seja doce e bastante lucrativo

Apesar da crise, doceiras de Campos incrementam o mercado com inovação e tecnologia; especialistas apostam no crescimento

Economia
Por Ocinei Trindade
31 de julho de 2018 - 16h42

Engrácia Fernanda, uma das mais antigas doceiras de Campos (Foto: Silvana Rust)

Como resistir a um docinho? Há quem não dispense  guloseimas em algum momento do dia, ou, após as refeições como sobremesa. Em Campos, o mercado que envolve produção e venda de doces continua aquecido. Especialistas em economia acreditam que poderia ser bem melhor e bem maior. Porém, quem se aventura a fazer e a comercializar doces e bolos não tem do que reclamar. Doceiros e confeiteiros seguem com agenda cheia de compromissos. A tradição da terra do açúcar, do chuvisco e da goiabada se mantém adoçando paladares.

O mercado de doces no Brasil é considerado uma dos mais expressivos do mundo. Há milhares de opções de empresas especializadas em chocolates, balas, bolos e sorvetes. O consumo próprio ou para  presentear e incrementar festas fazem parte dos negócios que faturam alto. De acordo com dados da Euromonitor International (líder mundial em pesquisa de estratégia para mercados consumidores), são cerca de R$12 bilhões ao ano. Segundo uma pesquisa do Ministério da Saúde, um em cada cinco brasileiros consome doces cinco ou mais vezes por semana.

Em Campos, durante o ano inteiro a venda de doces ajuda a impulsionar o comécio formal e informal. Em algumas ocasiões, como festas típicas e celebrações específicas, o consumo pode ser maior. Um exemplo são as festas caipiras (de junho a agosto) e a comemoração de São Salvador, padroeiro da cidade festejado no dia 6 de agosto. O Festival Doces Palavras criado pelo jornalista Vitor Menezes e realizado em parceria com a Prefeitura, também entrou para o calendário local com duas edições. A ideia é divulgar literatura e a tradição do doce campista. Entretanto, são as comemorações de aniversário e casamento que mais fazem doceiros e doceiras da cidade trabalharem. E toda semana, tem pelo menos algum bolo para fazer.

Rosimery Rangel, especialista em bolos de festas e “fake cakes” (Foto: Reprodução)

A doceira Rosimery Rangel, 50 anos, desde 2005 dedica-se ao ofício. Ela aprendeu com a mãe a arte de fazer bolos e doces, Aurenita Rangel, que aposentou-se, mas segue ajudando a filha. “Minha mãe me inspirou, mas fui aprender o máximo que podia em cursos. Procurei a orientação do Senac e de Fátima Braga, considerada uma das mais importantes doceiras de Campos. É preciso estudar, pesquisar bastante. Há muitos cursos na Internet, cursos on line. Procuro me aperfeiçoar, pois a concorrência tem aumentado nos últimos anos”, diz.

De acordo com o economista Alexandre Dealvaux, não há dados sistematizados sobre a atividade do doce em Campos. Ele destaca a tradição na área por conta da indústria do açúcar que foi bastante próspera. “Os doces daqui são conhecidos no Brasil. Por outro lado, não há uma produção significativa. Na crise, muitas pessoas optaram pelo doce artesanal, doces diversos. Temos uma tradição, mas uma produção tímida. Há espaço para crescer, e isto pode ser incrementado e apoiado pelo setor público. A informalidade impera, principalmente em tempos de crise”, considera o economista.

Se a venda de doces em Campos não é maior, mesmo assim, o mercado informal tem provocado renovações. As antigas doceiras que ficaram conhecidas nas últimas décadas têm disputado freguesia com as mais novas que tentam entrar no mercado em busca de uma fatia desse bolo rentável. “É preciso um apoio formal do poder público, dos setores da indústria e do comércio que podem fazer avançar em vendas e consumo de doces, a fim de gerar empregos e promover melhor esse tipo de produto”, acredita Delvaux.

Três gerações de doceiras em família: paixão e empreendedorismo (Reprodução)

Enquanto a concorrência ocorre na informalidade, doceiras experientes continuam pondo a mão na massa e no açúcar. Na casa de Andréa Coutinho, 53 anos, a cultura do doce atravessou gerações. A mãe dela, Maria Iza Coutinho (73) e a filha, Ana Carolina (24), se dividem em diferentes especialidades.  “A mamãe fica com bolos de casamento e docinhos. Eu e minha a filha e nos dedicamos à inovadora com suspiros recheados, brownie, balas de coco e vários tipos de chocolate”, explica Andrea.

As festas e as parcerias com decoradores e cerimonialistas que encomendam ou terceririzam o fornecimento de doces ajudam Andrea Coutinho e suas parceiras a terem trabalho constantemente. Ela constata que o segmento passou pela crise econômica que afetou o país nos últimos anos, mas não ao ponto de cruzar os braços. “As pessoas consomem menos. Mas o mercado se ampliou e aperfeiçoou. Há pessoas que se especializam em um tipo de doce apenas. Eu faço de tudo”, afirma.

Entre as mudanças de comportamento do setor de doces, o individualismo é uma marca. Por muitos anos, uma cooperativa de doceiras funcionou em Campos, mas o negócio chegou ao fim. Andrea Coutinho conta que tentou montar uma associação ou cooperativa, mas não teve adesão. “O mercado é competitivo, apenas 15 pessoas se interessaram e não funcionou. Acho que há ainda 20 doceiras tradicionais em Campos”, cita.

A doceira Engrácia Fernanda Gonçalves, de 70 anos, é uma especialista em chuviscos, o doce mais famoso de Campos. Dedica-se à esta arte há 48 anos. “Aprendi com uma amiga a fazer em uma aula. Nunca mais parei”, conta a doceira viúva e mãe de dois filhos. “Criei os meus meninos fazendo chuvisco, e agora ajudo uma neta a concluir a Faculdade de Medicina”, orgulha-se.

Para a experiente Engrácia Gonçalves, não há crise para quem dedica-se a fazer o melhor trabalho. Ela não reclama. “Sempre vivi do doce. Faço encomendas para festas, mas se alguém me pedir uma porção, faço também. Todos os dias há pelo menos um pedido de chuviscos em calda ou cristalizado que custa R$90”. Em 48 anos de profissão, perdeu as contas de quantas festas de casamento já preparou. “Há pessoas de outras cidades e da capital que me encomendam. Não sinto vontade de parar. Sou feliz assim”, confessa.

A felicidade das vendas de doces tem contado com a tecnologia. Muitas doceiras têm utilizado as redes sociais digitais para divulgar e comercializar seus produtos. Para Andrea Coutinho, o Instagram é uma excelente vitrine. “As vendas on line cresceram bastante”, comemora. Já Rosimery Rangel se acha mais popular no Facebook. “A Internet ajuda a atrair fregueses, mas as indicações de amigos e clientes prevalecem. Participar de eventos exposições também promovem o trabalho”, avalia.

Apostar em diversificação de produtos e serviços é uma das iniciativas das doceiras, diz Rosimery. “A moda atual é o “mesversário”, comemoração mensal até o bebê completar um ano. Isto  tem ajudado a muitas doceiras. Fazer bolos fakes também ajuda. Acho que a crise de 2016 e 2017 foram os piores anos. O mercado está reaquecendo. A partir de setembro, acho que a tendência é melhorar”, conclui.