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Mulheres seguem presas à rotina de violência

Vítimas ainda sofrem violências como a física, a sexual, a moral, a psicológica e também a chamada violência patrimonial

Geral
Por Thiago Gomes
29 de julho de 2018 - 0h01

Treze homicídios dolosos, 557 casos de lesão corporal e 103 estupros vitimaram mulheres ano passado em Campos dos Goytacazes. Os números são do Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro (ISP), com base nos registros de ocorrência da Polícia Civil, e mostram que, apesar da proteção da Lei Maria da Penha, que completa 12 anos em 7 de agosto, as mulheres seguem presas a uma rotina que inclui os mais variados tipos de violência, como a física, a sexual, a moral, a psicológica e também a chamada violência patrimonial.

De acordo com o Dossiê Mulher 2018 — uma publicação anual do ISP que analisa dados de violência contra a mulher no Estado — foram registrados 68 feminicídios no Rio de Janeiro em 2017, assim como 187 tentativas de feminicídio e 4.173 casos de estupro. Em relação a homicídios dolosos, 381 mulheres foram vítimas deste tipo de crime no território fluminense.

Os números apontam a presença da violência doméstica, familiar e suas consequências mais extremas contra as mulheres: uma parcela significativa (29,7%), 113 dos homicídios dolosos de mulheres (incluídos os feminicídios) registrados em 2017 ocorreram no interior de residência. Companheiros e ex-companheiros corresponderam a 12,6% (48) dos acusados. Ou seja, de acordo com os dados do ISP em 2017, por semana, pelo menos uma mulher foi vítima de homicídio doloso tendo como acusado seu companheiro ou ex-companheiro.

Ainda segundo o dossiê, a violência sexual é o tipo de agressão que proporcionalmente mais atinge as mulheres: no universo dos diferentes crimes sexuais tratados pelo documento, as mulheres representam entre 80% e 90% do total de vítimas.

O dossiê traz dados, mas sugere que os números podem ser ainda maiores por conta de subnotificações. “Naturalmente os delitos contra mulheres já sofrem efeitos de subnotificação em razão da própria natureza da violência de gênero, em que questões como medo, pressão familiar, vergonha, afeto, dentre outras, podem fazer com que as vítimas deixem de registrar”, ressalta o documento.

Por conta do movimento reivindicatório dos agentes da Polícia Civil nos três primeiros meses de 2017, o Dossiê Mulher 2018 não fez análises comparativas com dados anteriores, já que, no período, apenas flagrantes e ocorrências de crimes graves eram registrados. Segundo a publicação, os dados podem ter sido impactados pela greve.

A equipe de reportagem tentou contato com a titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher de Campos (Deam), Ana Paula de Oliveira Carvalho, para comentar os números de violência contra a mulher, mas não recebeu retorno.

(Foto: Marcos Santos/USP Imagens)

Estupro

Não bastasse a crueldade do crime em si, o estupro no Estado do Rio de Janeiro tem uma característica que chama a atenção: a maioria das vítimas é menor de idade. De acordo com os dados do ISP, em 2017, 66,6% das vítimas de estupro eram crianças ou adolescentes, ou seja, 2.779 vítimas tinham até 17 anos de idade. Analisando em detalhe, verifica-se ainda que 13,8% das vítimas (576) eram meninas de 0 a 5 anos de idade e 23,6% (986) tinham entre 6 e 11 anos.

Lei Maria da Penha completa 12 anos

Considerado pela ONU como um dos três dispositivos legais de proteção à mulher mais avançados do mundo, a Lei 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, foi sancionada em 7 de agosto de 2006. Além de garantir punição mais rigorosa aos agressores, ela cria mecanismos para prevenir a violência e proteger a mulher agredida. A lei também acaba com as penas pagas em cestas básicas ou multas.

A lei recebeu o nome em homenagem à farmacêutica bioquímica Maria da Penha Fernandes, que foi vítima de violência doméstica ao longo de 23 anos de casamento, cometida pelo marido Marco Antônio Heredia Viveros. Em 1982, ela sofreu duas tentativas de assassinato. Na primeira, depois de um tiro nas costas, perdeu o movimento das pernas. A segunda tentativa de homicídio aconteceu meses depois, quando Viveros empurrou Maria da Penha da cadeira de rodas e tentou eletrocutá-la no chuveiro. A história virou o livro “Sobrevivi… posso contar”.

Rede de Atendimento falha no município

Para a integrante da OAB Mulher – Campos, Margarida Estela Mendes do Nascimento, a rede de atendimento à mulher vítima de violência doméstica em Campos é falha. Com a experiência de quem milita na cidade há cerca de duas décadas, Margarida aponta a falta de um centro especializado de atendimento às mulheres que sofreram violência, assim como um centro para atender aos agressores.

“Também é necessário implantar uma casa de passagem e estruturar a casa abrigo, sem falar em um centro de atendimento destinado às mulheres que amam demais. Este último é importante porque muitas vítimas não conseguem se livrar de seus agressores. Junto com a Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher, todos esses mecanismos formam a rede de atendimento ideal”, analisou Margarida.

Política pública

A secretária de Desenvolvimento Humano e Social, Sana Gimenes, explica que desde 2017 a prefeitura articula com os demais órgãos como a Deam e Ministério Público, por exemplo. “Constantemente fazemos eventos para estreitar estas parcerias. Em razão disso, a prefeitura vem buscando as melhores formas de atendimento junto à Deam, inclusive com cessão de mão de obra para atendimento ao público. Estamos em conversa para viabilizar a reestruturação da Casa da Mulher Benta Pereira, para que ela se torne, também, uma casa de passagem. Mas o processo não é tão simples, pois há questões técnicas e legais envolvidas e que estão sendo tratadas. Além disso, nossa equipe tem buscado trazer para o município o Centro Especializado em Atendimento à Mulher (Ceam). Questões ligadas à implantação do Ceam na cidade estão sendo tratadas desde o início de 2017, mas também dependem de convênio firmado entre os governos Federal e Estadual. A implantação do Ceam é uma das políticas que realmente queremos implementar o mais breve possível”, pontuou a secretária.

Assistência Judiciária

Já a Superintendência de Justiça e Assistência Judiciária informou que, por meio de parceria com a Delegacia da Mulher, oferece serviços de atendimento às vítimas de violência doméstica, com a intenção de que estas vítimas tenham respaldo na Vara de Família, com um atendimento imediato para regulamentação de visitas, guarda dos filhos, partilha de bens, pensão alimentícia e outras possíveis necessidades como divórcio e dissolução de união estável. A Superintendência conta com 14 núcleos de atendimento espalhados pela cidade e também faz o acompanhamento de processos referentes à violência doméstica, especialmente quando há medida protetiva.

“Após a violência doméstica, a Lei Maria da Penha protege esta mulher com uma série de mecanismos como a medida protetiva, que proíbe contato do agressor com a vítima. Porém, muitas vezes, a mulher tem filhos com o agressor e precisa procurá-lo para cobrar a pensão, entre outras situações, e fica exposta novamente ao risco de agressão. Queremos evitar que elas fiquem perdidas e que acabem desistindo dos processos. É muito importante que em caso de risco de violência se estipule, por exemplo, quem levará os filhos para visitar o pai e assim evitar o contato da vítima com o agressor. Esses são mecanismos importantes para evitar reincidência de violência”, explicou Mariana Lontra, superintendente de Justiça e Assistência Judiciária.  Para outras informações, a população pode entrar em contato pelo telefone (22) 98175 -1915.

Um tiro no coração

Um dos casos de feminicídio de maior repercussão em Campos no ano passado foi o de Mônica Gomes Rangel, de 29 anos, assassinada no dia 9 de março, no distrito de Vila Nova, na região Norte do município. O suspeito do crime é o ex-marido José Amaro de Souza Cabral e a arma usada na execução foi uma espingarda calibre 12. Mônica, segundo os autos do processo, levou um tiro no coração e morreu por volta das 22h40, na frente de casa, na presença de uma filha que tinha 13 anos na época. O casal estava separado há cerca de 20 dias e o crime teria sido motivado por ciúmes.

No dia 27 de junho, o juiz Eron Simas decidiu que José Amaro irá a júri popular, acusado do crime. Na mesma ocasião, o réu teve a prisão preventiva substituída por medidas cautelares. Na decisão, o juiz destacou que o crime foi cometido por motivo torpe, por razões do sexo feminino, envolvendo violência doméstica, familiar e de domínio.

Segundo depoimento da filha, ela estava em casa sozinha e ouviu Mônica gritar por socorro. Quando chegou à varanda, viu a mãe tentando fugir e seu pai efetuar o segundo disparo.