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RIO DE SANGUE

Neste artigo, Paulo Cassiano Jr. aborda o alto índice de homicídios no Brasil

BLOG
Por Paulo Cassiano Júnior
11 de novembro de 2018 - 11h55

No dia 20 de outubro de 2013, Daniel Corrêa Freitas realizou o sonho de todo menino apaixonado por futebol: aos 41 minutos do segundo tempo, vestindo a camisa do Botafogo, ele estreou como jogador profissional num clássico contra o Vasco da Gama, no Maracanã. O pouco tempo em campo foi o bastante para o atleta de apenas 19 anos fazer uma boa jogada e agradar ao seu técnico e entusiasmar a torcida alvinegra.

Cinco anos após esse glorioso dia, o corpo de Daniel foi abandonado em um matagal em Colônia Mergulhão, zona rural da cidade paranaense de São José dos Pinhais. As marcas de degolamento e o pênis decepado evidenciavam que o algoz agira motivado por uma raiva incontrolável.

Lamentavelmente, a tragédia de Daniel está longe de ser incomum no dia a dia das nossas cidades. Dados do Ministério da Saúde revelam que o país alcançou a espantosa marca histórica de 62.517 homicídios apenas no ano de 2016. A taxa de mortes para cada 100 mil habitantes aqui corresponde a 30 vezes à da Europa. De acordo com o Atlas da Violência 2018, promovido pelo Ipea e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, nos últimos dez anos, nada menos que 553 mil pessoas perderam suas vidas devido à violência intencional no Brasil. Para que se tenha ideia da magnitude desses números, em quinze anos (de 2003 a 2017), a Guerra do Iraque matou 285 mil pessoas a menos! Portanto, se alguém o convidar para uma viagem pelo belo litoral de Sergipe, Estado com os piores números proporcionais da pesquisa, faça uma contraproposta para um passeio em Bagdá, onde há mais segurança. O PCC, que já espraiou seus tentáculos pelo Nordeste, mata mais que o Estado Islâmico. Estamos em guerra, e o primeiro passo para fazê-la cessar é reconhecer que ela existe.

No Brasil, mata-se por qualquer coisa. Mata-se por conflitos pela terra, uma fechada no trânsito ou rivalidades no comércio de drogas. Mata-se por vingança, ciúmes, inveja, defesa da honra e disputa por herança. Aqui bandido mata e polícia mata do mesmo jeito. Matam-se culpados, mas também inocentes. Mata-se por esfaqueamento, disparo de arma de fogo, atropelamento e até por arremesso da janela. Mata-se na calada da noite e à luz do dia. Mata-se premeditadamente, mas também se mata de inopino. Mata-se por time de futebol, divergência política e porque simplesmente não se foi com a cara do outro. Mata-se nas favelas, no asfalto e nos presídios. Mata-se de bala perdida e de bala achada. Mata-se por tudo e igualmente se mata por nada.

A banalização dos assassinatos é alimentada pela baixíssima eficiência policial na resolução desses delitos. Estatísticas dão conta de que o percentual de resolução dos homicídios intencionais no Brasil é de somente 6% (nos Estados Unidos, esse índice é onze vezes maior; na França, atinge 80%!). É urgente pautar o enfrentamento aos crimes contra a vida no topo da agenda da segurança pública. Não será possível vencer esse enorme desafio sem investir pesadamente em prevenção, coordenar as forças de segurança e modernizar o aparato policial.

O rio de sangue derramado pelas mortes violentas não apenas encharca o solo, mas também desestrutura a nossa sociedade: mães choram, filhos ficam órfãos, famílias perdem o sustento e o rumo. Feridas são abertas, e sonhos, abortados. Diz-se que o ser humano se adapta a tudo. Deve ser verdade, pois estamos nos acostumando inclusive a viver numa sociedade extremamente violenta, a qual não atribui qualquer valor à vida humana.