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Memórias de Antônio Roberto Fernandes em livro inédito

Dez anos após a morte do poeta, obra será lançada na Bienal do Livro em Campos por sua família

Cultura
Por Ocinei Trindade
9 de novembro de 2018 - 19h34

Ocinei Trindade / Raquel Fernandes

 

O poeta Antônio Roberto Fernandes em obra inédita (Fotos: Wellington Cordeiro)

O poeta Antônio Roberto Fernandes está entre nós novamente por meio de um livro inédito e póstumo, “Que não nos falte AR”. São 35 crônicas e 25 poemas. Alguns são conhecidos quando ele declamava, mas nunca foram publicados. A filha de Antônio Roberto (ou AR, iniciais de seu nome que fazem alusão ao elemento vital a todos os seres, e está no título da obra como trocadilho), a professora e atriz Raquel Fernandes, conta um pouco do processo de feitura do livro, do acervo enorme se seu pai e as memórias preservadas pela família do poeta. O livro será lançado na 10ª Bienal do Livro de Campos, que acontece de 20 a 25 de novembro. A entrevista de Raquel Fernandes foi mantida quase na íntegra, e editada de uma forma autoral, para que ela também assinasse este texto sobre seu pai.

Antônio Roberto Fernandes é um dos homenageados na nova edição da Bienal do Livro. “Ficamos felizes e nos sentimos acarinhados com a lembrança. Este ano completam 10 anos da sua última viagem e a saudade ainda está quente em nosso peito. Na verdade, esta homenagem faz a gente sentir que tudo que fizemos valeu a pena. Toda a sua existência e luta pela arte e pela poesia não foram em vão. Me fez lembrar que em 2008, no dia do seu aniversário, almoçamos na casa dele e ele estava todo bonito, arrumado de terno, para ir para a Bienal lá no Parque de Exposição Agropecuária. Estamos honrados com a homenagem, pois assim, depois de tanto tempo, poderemos apresentá-lo, dentro de uma Instituição como o IFF, em um evento do tamanho da Bienal, para muitos jovens e crianças que ainda não o conhecem”.

Raquel conta como se deu a publicação deste novo livro tanto tempo depois da morte de seu pai. “É uma história bonita. Depois do seu falecimento, uma professora aqui de Campos, que amamos muito e sempre foi muito próxima de nós, Edinalda Almeida, me procurou dizendo que estava com um original de papai, que ele havia deixado com ela para que a mesma fizesse a correção e escrevesse o prefácio. Neste meio tempo ele partiu, e ela aguardou um pouco para nos procurar e entregar os textos. Era um livro! Estava pronto. Todo organizado por ele. A ordem, os textos e tudo mais. Só não tínhamos o título. Então, eu, meus irmãos e nossa mãe, Naira Nádia Silva, resolvemos dar ao livro o título que Edinalda deu para o prefácio. Roubamos dela o título, com a sua permissão, é claro! Pois ela o chamava de AR, fazendo uma brincadeira com as iniciais do nome dele. Dizia que ele não podia lhe faltar, pois sem AR ela não poderia viver. Então, “Que não nos falte AR” é um livro e um grito de saudade, angústias, alegria e celebração. Pra gente é bem simbólico, pois a sua poesia, sua escrita e sua maneira de olhar a vida vai nos alimentar e nos ajudar a seguir em frente”.

Para Raquel e sua família, ser leitores de Antônio Roberto causa surpresas. “Ser leitora do meu pai é bem interessante, porque o eu lírico e o homem/pai se confundem. É engraçado quando conseguimos identificá-lo em seus versos, nas imagens que ele suscita e ao mesmo tempo, às vezes, conhecê-lo mais um pouco, e entender com outra maturidade as coisas que ele dizia e seus princípios”.

A memória é cultivo e colheitas. “Manter a sua memória tem aspectos bem interessantes. Primeiro, porque não é complicado, visto que ele tinha muito reconhecimento e as próprias pessoas e instituições nos procuram e nos comunicam fatos e momentos com este fim, de manter viva a sua memória. Mas, ao mesmo tempo, nós, eu e meus irmãos Luciana, Rafael e Humberto, dependendo da época, ficamos mais introspectivos. A presença de papai é muito viva no nosso dia a dia. Toda hora, todo momento, fazemos algo pensando nele, ou que ele faria, ou por ele”.

Antônio Roberto Fernandes publicou três livros: “Poesia, doce poesia”, “Substantivo Abstrato” e “Os Pratos de Vovó. Agora, é a vez de “Que não nos falte AR”. Uma nova edição de “Pratos de Vovó” sairá no ano que vem com textos acrescentados, inclusive com textos de trabalhos feitos na época da Faculdade de Medicina, onde ele estudou e se formou.

O acervo de Antônio Roberto é preservado. De tempos em tempos, arquivos são revirados para encontrar pérolas. “Papai guardava tudo. É uma loucura. Estamos juntando também suas produções e textos para teatro e recitais. Quem sabe, conseguimos publicar algo dele para esta outra vertente. Estamos empenhados, mas, esse processo será mais devagar. Para tudo isso existe um custo e estamos programando devagarinho”.

Eleger o melhor texto ou obra de Antônio Roberto é desafiador.  Amo o poema e a música que ele fez pra mim “Acalanto”, que está no livro “Substantivo Abstrato. Pois neste texto ele diz que me deixará de herança o amor, a poesia, um caminho de flores. Mostra realmente o que é importante na vida. Neste poema estão seus ensinamentos pra mim. Toda vez que estou muito triste canto essa música e ganho uma força extra. Eu amo a peça teatral “Manacá”. Montamos em 2006 no Trianon e no Teatro de Bolso, uma Ópera Rural, como ele dizia. Foi lindo. Tenho orgulho de ter feito parte disso. E dirigir meu pai, minha mãe e meu irmão, não foi fácil. O poema “O fio do teu cabelo” é bem especial pra nós porque quando a gente lê, a gente consegue ouvir papai declamando, é muito louco isso. Ele era um declamador sem concorrência: perfeito”.

E como é definir Antônio Roberto Fernandes? “Costumo destacar a sua simplicidade com as palavras, seu amor e dedicação à escrita e sobre a generosidade com as pessoas. Sua rigidez no trabalho com a literatura e seu respeito pelos escritores e artistas. Ele se doava por inteiro ao que acreditava. Não era muito moderno em relação à produção literária, mas, totalmente contemporâneo como pai. Imagina que felicidade para crianças e adolescentes terem um pai poeta? Tudo virava poesia. Ele via beleza na saúde e na doença, na tristeza e na alegria. Não tínhamos limites para inventar brincadeiras e imaginar coisas. Sempre fomos estimulados a sermos pesquisadores, artistas, criativos e a pensar. E, principalmente, ele nos ensinou a sermos felizes. E hoje compreendemos que isso faz muita diferença. A felicidade é construída a partir do momento que proporcionamos coisas boas e positivas aos outros. Gosto que ele seja lembrado como poeta. Acho um luxo dizer que meu pai é poeta. Nós sabemos que no dia a dia é difícil, na vida cotidiana, ter tido um pai poeta, pela incompreensão das pessoas no geral, da vida “normal”, vamos dizer assim. Mas vale a pena. É um prazer quando somos perguntados: seu pai fazia o quê? Meu pai era poeta! E quando alguém fala: “Mas ele fez medicina, né? Eu respondo: ele fazia medicina para alma. Assim, ele dizia”.