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Entrevista com o pastor Júlio Pinto: campista cidadão do mundo

Há 30 anos nos Estados Unidos o pastor Júlio Pinto viaja pelo mundo como missionário do projeto Volante de Cristo

Entrevista
Por Redação
23 de setembro de 2018 - 0h01

Júlio Pinto é campista de nascimento, mas hoje reside em Dallas, no Estado do Texas, nos Estados Unidos. O Green Card, que lhe confere a cidadania norte-americana, não é considerado o máximo para ele que, embora rejeite este rótulo, é um cidadão do mundo, principalmente do chamado terceiro mundo. Já participou de dezenas de missões de ajudas humanitária, material e espiritural em continentes diferentes. Conhece a África como poucos. Na semana passada, ele esteve em Campos para matar a saudade da terra e dos amigos e também discutir com o pastor Manoel Pinto os próximos passos do Volantes de Cristo, um projeto que hoje tem reconhecimento internacional.

Nesta entrevista, ele lembra de forma ecomocionada sua trajetória de vida pelo mundo a fora. Tem orgulho do bisavô, Dr. José Joaquim Alves de Barcellos, que se graduou como Engenheiro Civil no Rensselaer Polytechnic Institute, que fica em Nova Iorque, em 1886. Foi ele – bisavô – o engenheiro responsável por uma das maiores obras de engenharia do Império desenvolvida aqui em Campos, que é o canal Campos-Macaé. Homem de grande fé, Júlio Pinto tem aprendido com a vida, mas não tem pretensão de dar lições. Para ele, todas as respostas estão na palavra de Deus, e lembra que é preciso apenas fazer a pergunta certa.

 

Você deixou Campos há mais de 30 anos para morar nos Estados Unidos, mais precisamente em Dallas, no Texas. Qual foi a motivação?

 

Foi um ano sabático, para retomarmos a normalidade de nossa crescente família. Após o falecimento de minha primeira esposa, missionária Leonice Alves Pinto e meu casamento no ano seguinte, 1989, com Cleide França de Souza Pinto, fomos para Estados Unidos em setembro de 1990 com meus quatro filhos do primeiro casamento: Juliana, Cristina, Eduardo e Raquel, além de mais um bebê que estava a caminho. Passamos seis meses no Texas onde nasceu Elizabeth. Como um ano de férias é muito “cansativo”, decidi cursar um mestrado no Fuller Theological Seminary, em Pasadena, Califórnia, onde moramos por dois anos e meio. Lá nasceu Suzana. De volta ao Texas, fomos convencidos a iniciar um trabalho missionário junto à Shady Grove Church, que hoje foi absorvida pela Gateway Church.

 

Como você se sente sendo um dos criadores da Missão “Volantes de Cristo”, que realiza missões em países problemas como os da África?

Desde sua fundação, aqui em Campos, em 1979, a Missão Volantes de Cristo se dispôs a ir onde a igreja não foi. A luz foi criada para combater as trevas. Espiritualmente falando, uma pequena lanterna não faz diferença quando acesa junto a holofotes. Nosso alvo não são países problemas, e sim lugares carentes de luz. A ação social é uma das entradas para trabalhar em áreas onde o Cristianismo é desconhecido. Me sinto recompensado ao ver locais onde plantamos vida há muitos anos florescerem em novidade de vida e desenvolvimento social. A maior recompensa que um missionário pode ter é a constatação de que a semente brotou e que a árvore é frutífera. Trabalhos puramente sociais transformam vidas, mas não seus destinos. O legado de um missionário é medido pela continuidade e sucesso daqueles que foram seus discípulos. Jesus enviou seus discípulos, Moisés treinou Josué, Davi preparou Salomão, Paulo discipulou Timóteo, e assim por diante.

Campos, sua terra natal, tem uma participação importante neste trabalho de voluntariado cristão?

Com certeza. Falando somente pela MVC, foi aqui sua fundação, e por 39 anos muitas vezes participou do envio de voluntários para locais não alcançados pelo evangelho e carentes de assistência social. Citando projetos mais recentes, em 2017, cerca de quinze campistas foram à Tanzânia e no mês de julho de 2018, treze estiveram em Moçambique. Lá, nossos dentistas e enfermeiros atenderam a centenas de pacientes, enquanto professores e missionários alcançaram crianças, jovens e adultos. Como campista e missionário, pude passar por mais de 50 países, e naqueles mais carentes a expressão do Cristianismo foi através de plantação de igrejas, treinamento de liderança, construção de templos, seminários, casas pastorais, perfuração de poços artesianos, aquisição de bicicletas e veículos para os ministérios locais, compra e distribuição de Bíblias nos idiomas nativos, criação de biblioteca, sustento de missionários e líderes autóctones, realização de eventos evangelísticos, ensino teológico e conferências missionárias, enfim, com a ajuda e providência divina, Campos tem sido um celeiro de voluntários. Outro campista, pastor e missionário Affonso Cherene, está na Espanha por mais de trinta nos e hoje trabalha no auxílio dos refugiados oriundos da África e Oriente Médio.

Dizem que quem participa destas missões muda a vida, e nunca mais para. A que você atribui isso?

Nossa zona de conforto tem nos dado uma visão limitada. Achamos que o universo real é o nosso enquanto o que se passa em outros cantões remotos são parte de uma quase realidade. Quando experimentamos o poder e potencial que temos em nossas mãos, pelo simples fato de sermos cristãos e termos conhecimentos e alguns bens que não valorizamos no dia a dia, descobrimos que com o pouco que possuímos podemos transformar vidas e comunidades inteiras. O maior impacto ocorre com aqueles que se permitem voltar aos vilarejos que foram há alguns anos e percebem claramente que as sementes nasceram, que a luz de Jesus aclarou pensamentos e aniquilou sofismas, e que os bens realizados por suas ações voluntárias, são agora restituídos com um sorriso vitorioso e um abraço amigo. Isso não tem preço. Em uma vila longínqua os membros de uma pequena igreja me pediram para plantar uma muda de árvore que tinham reservado junto ao púlpito. Quando o fiz, em agradecimento, o pastor local disse que todas as vezes que alguém da igreja olhasse para aquela árvore, iria se lembrar de mim. Foi uma das maiores expressões de gratidão que vi durante meu ministério.

Nos Estados Unidos, o voluntariado é maior do que no Brasil para este tipo de missão?

Sim, muito maior. Em um estudo com mais de 100 mil representantes de entidades que trabalham com voluntários, podemos notar pelo gráfico que os Estados Unidos se encontram entre os países onde mais existe a empatia, voluntariado e doações. A posição de nosso país não é boa. Aparece junto com a Rússia, África do Sul, Polônia, Romênia e alguns outros, como um dos países menos empáticos do grupo de 63 países pesquisados. https://www.sciencealer t.com/the- -most-empathetic-countries-in-the- -world-have-just-been-ranked.

O que vocês fazem já serviu de inspiração para programas oficiais de assistência às pessoas mais pobres?

A principal inspiração que notamos ao visitarmos locais onde passamos, é a mudança de comportamento do governo local. A ideia de que se pode mudar, de que mudança é algo bom e que com a ajuda de todos, o benefício é comunitário. Os mutirões das construções dos templos, a participação até de crianças querendo ajudar na perfuração dos poços artesianos trazendo água para os trabalhadores, trazem uma mudança de paradigma. Após poucos anos a comunidade é outra. Essa transformação alcança os poderes locais e organiza os grupos comunitários. Na Tanzânia, as vilas criam um comitê para a proteção dos poços artesianos da comunidade, em certos locais usam os prédios que construímos para a igreja, como escola. Todas essas formas são a luz transformando as trevas. Conhecimento é luz!

Seu bisavô era engenheiro, graduado nos Estados Unidos e trabalhou na construção do Canal Campos-Macaé, uma das grandes obras da engenharia no tempo do Império. Fale um pouco disso.

Meu bisavô por parte de mãe, Dr. José Joaquim Alves de Barcellos se graduou como Engenheiro Civil no Rensselaer Polytechnic Institute, Nova Iorque, em 1886. Segundo sua biografia nessa escola de engenharia, ele assumiu a direção de um dos braços do Canal Campos – Macaé em agosto de 1869 a agosto de 1872, nos seus últimos anos de funcionamento. Em 1875, o início da rede ferroviária, transformou o canal obsoleto e economicamente inviável. A competição com a ferrovia foi impossível. Em 1874 meu bisavô comprou uma fazenda de cana-de-açúcar. Em 1882 assumiu a superintendência da Usina Barcellos e em 1884 foi diretor e engenheiro técnico do Engenho Central de Quissamã, na época, a maior usina de açúcar do Brasil (NASON H. S. Biographical Record of Rensselaer Polytechnic Institute. New York: Troy, 1887).

 

O que você sente quando vê esse canal em estado de abandono embora ele seja tombado pelo patrimônio?

As possibilidades de ecoturismo são imensas. Em muitos lugares de Minas Gerais, as famosas estradas da época do império se tornaram veias de turismo. Pequenas fazendas se tornaram pousadas e restaurantes incrementando a economia dos pequenos empreendedores. Se o Canal Campos-Macaé seguisse esse rumo, imagine a quantidade de barcos turísticos, excursões, trilhas para passeios, bicicletas, cavalos, charretes, enfim, seriam mais de 100 quilômetros de comércio, cultura e lazer. Nessas nossas andanças vemos lugares que quase não têm nada para se ver ou para se comprar, como uma caverninha na Nova Zelândia onde se vê umas aranhas fosforescentes por 5 minutos. Viajamos 3 horas pra ver essa atração turística. O Brasil é potencialmente muito rico. O Canal Campos-Macaé, uma das principais obras do Império, poderia ser aproveitado.

Alguma coisa que Campos perdeu com o passar do tempo que você lamenta?

A Pipoca de Guarus, do outro lado da ponte de ferro. Creio que Campos tenha melhorado bastante.

Voltando ao projeto de missões, existe alguma novidade sendo pensada?

Sim, vários projetos estão em andamento. Em Cuba, estamos trabalhando na construção de três igrejas e de um seminário. Temos estado lá a cada quatro meses a ajudado um grupo de 15 igrejas a se equiparem com instrumentos e computadores. Em Moçambique faremos em outubro a formatura de mais 5 pastores e a construção de um templo e término de outro. Na Guiné-Bissau, através do Pr. Juciélio Queirós e sua família estamos trabalhando na construção de uma escola, colocação do teto de uma igreja destruída por um furacão em 2015 e que construímos nesses últimos anos. Na Tanzânia, onde construímos cinco templos e perfuramos dois poços artesianos, temos a alegria de relatar que quando lá fomos em 2013, só havia 4 igrejas no ministério do pastor e missionários Paulo Brito e família e hoje são 176. Temos projetos em 2019 para o Camboja, Guiné-Bissau e Índia, para a região ribeirinha do Amazônas, sertão do Ceará e aqui perto de Campos, o Quilombo da Machadinha. Jesus enviou seus discípulos para Jerusalém (Campos e Quilombo da Machadinha), Judéia (Ceará), Samaria (Amazonas, Cuba) e até os confins da terra (Camboja, Índia e África). Seja um voluntário. Conheça a MVC – Missão Volantes de Cristo.

Esses dias em que você passou em Campos, alguma coisa te chamou a atenção na cidade? Alguma mudança perceptível?

Sim, seu tamanho. Campos cresceu muito. A quantidade de restaurantes e de opções é enorme. A estrada Rio – Campos deveria estar totalmente duplicada. A ideia que se tem hoje é de que Campos é uma grande cidade. Quando saí daqui, era uma cidade de interior com características interioranas.