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História sob cinzas

Neste artigo, Paulo Cassiano Jr. comenta o incêndio que atingiu o Museu Nacional

Opinião
Por Paulo Cassiano Júnior
16 de setembro de 2018 - 0h01

Apenas dois dias após o incêndio que varreu do mapa o Museu Nacional, uma reunião do presidente Michel Temer com os ministros da Cultura, Educação e Casa Civil, e os presidentes do Iphan, BNDES, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil sacramentou o lançamento de um edital no valor de R$ 25 milhões para patrocinar projetos de segurança, prevenção contra incêndios e modernização de instalação de museus e instituições para a proteção do patrimônio histórico.

Espera-se que a medida seja eficaz em prevenir novas catástrofes, mas, em bom português, ao menos em relação ao Museu Nacional a iniciativa equivale a colocar uma tranca na porteira arrombada.

No Brasil, é assim que as coisas funcionam: primeiramente, espera-se que as tragédias aconteçam, para depois as providênciasseremadotadas. Foi desse jeito no massacre do Carandiru, no desabamento do edifício Palace II e no incêndio da boate Kiss. O que mudou de lá para cá para que se pensasse que haveria de ser diferente com o Museu Nacional?

Nada. O governo não possui planejamento nem desenvolve políticas públicas para a história, a cultura e a arte. A legislação de defesa civil é solenemente ignorada. As instituições sobrevivem em situação de indigência, faltam recursos para o básico. Os órgãos de fiscalização são omissos e ineficientes. Com tudo isso o resultado não pode ser diferente: um após o outro, vivemos de apagar incêndios (literalmente).

Prova desse descaso sistêmico é que o Museu Nacional não possuía seguro nem brigada de incêndio (nas palavras da vice-diretora da casa, isso implicaria “um custo a mais”). O órgão também não detinha o certificado de aprovação do Corpo de Bombeiros, que, por sua vez, não esclareceu por que o prédio permaneceu aberto à visitação mesmo em situação irregular. As precárias instalações do museu,com infiltrações no forro e gambiarras elétricas, já eram investigadas pelo Ministério Público Federal há dois anos, mas no inquérito civil nenhuma medida prática foi tomada. As chamas alastravam-se por quarenta minutos após a chegada dos bombeiros, ao mesmo tempo em que estes procuravam abastecimento de… água!!!

Enquanto os mais de 20 milhões de peças do 5º maior acervo museológico do mundo viravam fumaça (literalmente), o Ministério da Cultura já havia aprovado neste ano 130 projetos para captação de recursos pelo mecanismo de incentivo fiscal da Lei Rouanet, no valor de mais de R$ 130 milhões. Com o “intuito de levantar a autoestima da população”, a festa do “réveillon” carioca foi autorizada a arrecadar quase R$ 2,4 milhões. O “Bloco da Favorita”, para “promover um marcante espetáculo carnavalesco, proporcionando uma alegria contagiante ao público”, conseguiu chancela de R$ 450 mil, mais de quatro vezes o valor total repassado ao Museu Nacional ao longo de todo o ano de 2018.

Chorar o luto, compreender as causas e rastrear as responsabilidades pela desgraça anunciada do Museu Nacional é necessário. Porém, quanto a nós, o que temos feito, individual e coletivamente, para a valorização e a preservação da nossa cultura? Se nada, podemos começar prestigiando o Museu Histórico de Campos, que fica bem ali, na praça São Salvador.