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E a história de Campos?

Incêndio que devastou Museu Nacional acendeu um alerta e manutenção em instalações de Campos preocupa especialistas

Campos
Por Redação
9 de setembro de 2018 - 0h01

POR OCINEI TRINDADE E THIAGO GOMES

Qual o valor do patrimônio histórico de uma cidade? Para historiadores, pesquisadores e museólogos, o preço é incalculável, já que muitas peças expostas nos museus são únicas e, por isso, impossíveis de serem repostas. Então, por que investe-se tão pouco em preservação? Na avaliação dos técnicos ouvidos pelo Jornal Terceira Via, para a conclusão desta matéria, a segunda pergunta é tão difícil de ser respondida quanto a primeira. Em Campos, atualmente, dois prédios guardam a história da cidade: o Museu Histórico de Campos dos Goytacazes e o Arquivo Público Municipal, cuja rede elétrica precisa de revisão. Já o Museu Olavo Cardoso está abandonado e o Palácio da Cultura fechado para reforma. A manutenção do acervo contido nestes imóveis preocupa especialistas, que defendem providências para que não ocorra uma tragédia como o incêndio de grandes proporções que devastou cerca de 90% da coleção do Museu Nacional do Rio de Janeiro, no último dia 2.

A historiadora Sylvia Paes defende que, por guardar itens singulares de valor inestimável, os locais que abrigam o acervo do município requerem maior atenção. Sylvia ressalta que, assim como nas demais cidades ricas em história, o Museu Histórico de Campos dos Goytacazes, o Museu Olavo Cardoso, o Arquivo Público Municipal e o Palácio da Cultura (este último quando estava em funcionamento) não possuem manutenção satisfatória.

“Não adianta tomar providências quando já estiver caindo ou queimando. É preciso planejamento prévio para manter esses acervos a salvo. É necessário fazer revisão periódica nas partes elétrica e hidráulica, no telhado, por exemplo. Em Campos e em outras cidades ricas em história, eu desconheço um local onde haja esse nível de manutenção”, pontuou.

Olavo Cardoso
O Museu Olavo Cardoso é o que se encontra em pior condição, na análise de Sylvia. A varanda ameaça desabar e, segundo ela, parte do acervo ainda está no local. Documentos, sujeitos a mofo e bolor, e parte do mobiliário (quarto e sala) de Olavo Cardoso, vulnerável a broca e cupins, não foram retirados do prédio situado na Avenida 7 de Setembro. Olavo foi um proeminente usineiro e filantropo campista e o museu foi montado em sua antiga residência.

O casarão tem 12 cômodos, com porão e jardins e é uma construção do final do século XIX. O museu foi inaugurado em 6 de agosto de 2006. Transformar a residência em museu após a morte de sua última herdeira foi a vontade de Olavo Cardoso, registrada em seu testamento.

Museu Histórico de Campos
O Museu Histórico de Campos dos Goytacazes, localizado na Praça São Salvador, foi inaugurado em 29 de junho de 2012. Ele é instalado no Solar do Visconde de Araruama, prédio do fim do século XVIII, que já sediou a Câmara Municipal, a Prefeitura, o Corpo de Bombeiros e a Biblioteca Municipal Nilo Peçanha.

Sylvia Paes lista como acervo do local, além do próprio prédio, o gabinete presidencial com mobiliário e livros da coleção pessoal do ex-presidente Nilo Procópio Peçanha, doado à Biblioteca Municipal e parte de artefatos dos índios Goitacazes. “Outra parte deste material está no Rio de Janeiro e não veio para a cidade justamente por falta de condições técnicas para abrigá-la”, comentou a historiadora.

Críticas e preocupações
O designer e pesquisador Leonardo Vasconcellos lembra de um incêndio em Campos, no início dos anos 1990, que chama à atenção até hoje: o prédio da Lyra de Apollo, na praça central ao lado da Catedral. “O prédio é particular, mas de interesse público, e nada foi feito pelos governos locais para recuperá-lo. Apesar de sua restauração não ser barata, também não é tão cara assim. A instituição, sem recursos, espera doações privadas ou ações governamentais”, diz.

Leonardo Vasconcellos cita prédios históricos de Campos dos séculos 17, 18 e 19 que poderiam abrigar museus ou servir como estímulo ao turismo e à memória, como o Solar dos Ayrizes (construção que inspirou o romance “A Escrava Isaura”, de Bernardo Guimarães); o Solar do Barão de Carapebus (Asilo do Carmo); o Solar do Barão de Pirapetinga (Hotel Amazonas em péssimo estado de conservação); o Solar da Baronesa de Muriaé.

“O Solar dos Ayrizes pode cair a qualquer momento. Já o da Baronesa está em pré-ruína. Os outros citados, apesar de tombados, deterioram a cada dia. O Solar do Visconde de Araruama (Museu Histórico de Campos), o do Barão da Lagoa Dourada (Liceu) e o prédio da Beneficência Portuguesa, além das igrejas do Carmo, da Lapa e de São Francisco, só estão em boas condições porque há uso e alguma manutenção”, considera.

Para Vasconcellos, a conservação dos prédios preocupa, principalmente o Solar dos Jesuítas do Colégio, onde funciona o Arquivo Público Municipal, em Tocos. ” O prédio não é propício para esta função. O acervo com toda a história de Campos está ali. A construção do século XVII não é apropriada para abrigar material em papel. Além da ameaça de cupim, está situada em área canavieira — o que é uma ameaça, e o lençol freático promove muita umidade. Esse prédio em Campos equivale ao Museu Nacional que foi destruído. A riqueza de material de pesquisa é altamente comprometida por riscos de incêndios, cupins e deterioração”, afirma.

O historiador e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Carlos Eugênio Soares, critica o governo municipal que, segundo ele, demonstra descaso com o patrimônio cultural material e imaterial de Campos para a conservação e divulgação da memória histórica. “Sucessivos governos têm demonstrado isto. Se levarmos em consideração os milhões recebidos de royalties da exploração do petróleo nas últimas décadas, tudo fica ainda mais vergonhoso. Na realidade, um verdadeiro atestado de indiferença do poder público e de insensibilidade da sociedade civil”.

Para Carlos Eugênio, o Solar do Colégio que abriga o Arquivo Público precisa de mais atenção. “O prédio apresenta diversas infiltrações, a instalação elétrica é precária, não há um plano de combate a incêndios, o transporte público de acesso ao lugar é complicado, faltam equipamentos para digitalizar os documentos e pessoal para trabalhar na recuperação deles. O arquivo tem funcionado por conta da Associação de amigos do arquivo, da dedicação da equipe que lá se encontra e do apoio dos pesquisadores. Nós cumprimos a função de fazer lembrar aquilo que as autoridades gostariam de esquecer”, destaca.

Arquivo Público
O Arquivo Público Municipal funciona desde 2001 numa construção de meados do século XVII, tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que levou cerca de 40 anos para ser erguida. As paredes de cerca de 70 centímetros de espessura guardam raridades como parte da documentação pública de Campos dos séculos XVII e XIX, a coleção mais completa do Diário Oficial do Estado do Rio no interior fluminense, documentos cartoriais do Fórum a partir de 1690 e a coleção do extinto jornal O Monitor Campista. O documento mais antigo é um livro de notas de um tabelião, com dados a partir de 1649, incluindo a ata de posse da primeira Câmara Municipal de Campos, datada de 1653.

O diretor do Arquivo, o museólogo Carlos Freitas, admite que o local não tem detector de fumaça, mas que o sistema contra incêndio conta com extintores, uma cisterna de 30 mil litros que fica sempre abastecida, vigilância 24 horas por dia e protocolos de segurança, como o desligamento das caixas de distribuição de energia todas as noites após o expediente para evitar eventuais curtos circuitos. Carlos destaca, ainda, que a equipe não armazena produtos inflamáveis dentro do prédio histórico, justamente para evitar incêndios de grandes proporções.

História consumida pelo fogo
O Brasil e o mundo assistiram, perplexos, ao incêndio que devastou o Museu Nacional do Rio de Janeiro, onde estavam guardadas peças únicas, como o crânio de Luzia, o fóssil humano mais antigo encontrado na América, com cerca de 12.500 a 13.000 anos.

O museólogo Carlos Freitas, que teve aulas no Museu Nacional nos anos de 1970, denuncia que a instituição foi vítima de abandono de décadas, que resultou no incêndio. “Foi uma perda imensurável. As gerações futuras vão nos cobrar esse desleixo, esse descaso”, finalizou.