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Falta de voos regulares no Aeroporto de Macaé prejudica empresas de petróleo

Privatização do terminal esbarra em disputa política entre os estados do Espírito Santo e do Rio de Janeiro

Economia
Por Redação
16 de julho de 2018 - 11h02

(Foto: Roberto Moreyra/O Globo)

Com infraestrutura precária, o aeroporto de Macaé, no Norte Fluminense, tornou-se uma pedra no sapato de empresas da cadeia produtiva de petróleo. Sem voo comercial regular desde setembro de 2015 — devido às condições da pista de pouso —, muitas companhias se viram obrigadas a trocar o avião pelo ônibus para transportar executivos, perdendo produtividade e oportunidades de negócios num momento de retomada para o setor. Com a Infraero sem recursos, as empresas veem na privatização o caminho para que as obras para retomar voos sejam feitas no terminal. Mas uma briga política entre Rio e Espírito Santo põe em risco a licitação, prevista para este ano, justamente num momento de recuperação dos investimentos.

O governo capixaba questiona o modelo do leilão — que prevê a concessão em bloco dos aeroportos de Macaé e Vitória — e ameaça ir à Justiça. Alega que o valor da outorga seria maior se o terminal fosse leiloado individualmente, já que, recém-reformado, não precisa de obras imediatas. A concessão conjunta, portanto, traria danos aos cofres públicos. Já o governo fluminense vê na “venda casada” a chance de deslanchar o deficitário aeroporto de Macaé e preparar a cidade para a nova fase da indústria petrolífera.

Macaé é considerada a capital nacional do petróleo, base para gigantes do setor, como Petrobras, e fornecedores que atendem às demandas de produtos e serviços das plataformas da Bacia de Campos. Berço da exploração de petróleo em águas profundas no país, a produção petrolífera na Bacia de Campos — que abrange o litoral do Rio e do Espírito Santo — vem caindo, com a maturidade dos campos. Em 2017, porém, novas áreas foram ofertadas na 14ª Rodada da Agência Nacional do Petróleo (ANP), trazendo otimismo aos empresários. O investimento mínimo pelos próximos sete anos nos seis blocos arrematados é de R$ 570 milhões. E mais áreas devem ser ofertadas. A bacia era excluída das rodadas havia uma década.

 

EMPRESAS PERDEM PRODUTIVIDADE

A retomada dos investimentos deverá vir acompanhada de contratações. Com mais gente trabalhando, maior a pressão sobre os meios de transporte para deslocar técnicos e executivos. No auge da indústria do petróleo, em 2013, havia 836 mil empregos diretos e indiretos no país ligados ao segmento, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Petróleo (Abespetro). Com recessão, queda na cotação da commodity e crise da Petrobras — cujos dirigentes se tornaram alvo de investigação da Lava-Jato — esse número caiu a 397 mil em 2016, mas deve alcançar 734 mil em 2022. A estimativa da Abespetro é que 80% da mão de obra estejam distribuídas por Macaé e cidades vizinhas.

“Com o fim dos voos regulares para Macaé, as empresas perderam mobilidade e produtividade. E há o problema da segurança. Muitas não permitem que seus empregados peguem a estrada após 18h”, disse Gilson Coelho, secretário-executivo da Abespetro. “Com a expectativa de recuperação do setor, fazer adequações na pista e construir uma nova é fundamental para voltarmos a ter voos regulares e podermos receber, inclusive, cargueiros”.

A única empresa que fazia voos regulares para Macaé era a Azul. Em 2013, ela chegou a operar quatro voos diários, ligando a cidade a Rio, Campos, Vitória e Campinas. Naquele ano, 442.983 pessoas embarcaram e desembarcaram no aeroporto. Mas, para tornar seus voos mais rentáveis, a companhia mudou a frota. Desfez-se dos aviões menores e adotou aeronaves para cerca de 70 passageiros, cujo peso é incompatível com a pista do aeroporto de Macaé. Os voos para o município fluminense foram suspensos em setembro de 2015. Desde então, apenas helicópteros e táxi aéreo pousam por lá. No ano passado, o movimento foi de 179.888 passageiros. A Azul já disse ter interesse em retomar os voos, se forem feitos ajustes na pista.

O empresário Aroldo Alves Siqueira Júnior, dono da fabricante de equipamentos para plataformas Tech Ocean, sediada em Macaé, era um passageiro assíduo. A viagem levava apenas 40 minutos até a capital capixaba e, de lá ele seguia de carro até Aracruz, onde fica a segunda unidade da empresa. Desde que os voos foram suspensos, ele faz o trajeto de carro a cada dez dias e leva até nove horas. Mais oito executivos da empresa precisam se deslocar entre as duas fábricas de tempos em tempos. O trajeto é feito em ônibus fretado, que não sai por menos de R$ 2,5 mil.

“O problema não é o custo, é o desgaste físico e psicológico. E o impacto na produtividade. Perde-se um dia de trabalho”, lamenta Siqueira Júnior.

O governo federal pretende leiloar o aeroporto de Macaé e o de Vitória juntos. A licitação em blocos faz parte de uma estratégia que busca agrupar terminais por vocação de negócios e mesclar superavitários e deficitários. Assim, quem der o melhor lance leva um aeroporto que dá lucro e outro que dá prejuízo. Foram definidos três blocos: no Nordeste, são seis terminais relacionados ao turismo; no Centro-Oeste, cinco ligados ao agronegócio, e, no Sudeste, dois associados à indústria do petróleo. Inicialmente, os aeroportos de Santos Dumont e Jacarepaguá fariam parte deste grupo, mas percebeu-se que o baque nas finanças da Infraero seria grande demais e decidiu-se deixá-los de fora. O prazo da consulta pública para a concessão dos três blocos terminou sexta-feira. O objetivo é licitá-los este ano.

O governo fluminense vê na licitação conjunta um caminho para dinamizar o aeroporto de Macaé. A estimativa oficial de recursos que devem ser aplicados no terminal ao longo de 30 anos de concessão é de R$ 324 milhões, sendo algumas demandas imediatas, como a construção de uma nova pista. Isso poderia viabilizar pouso e decolagem até de cargueiros. Hoje, o transporte de carga é feito pelo aeroporto do Rio ou de Cabo Frio e segue por rodovias até a cidade. Segundo a Infraero, enquanto a licitação não sai, estão sendo feitos ajustes na pista atual, numa tentativa de retomar voos regulares de passageiros.

“O aeroporto de Vitória recebeu muitos investimentos nos últimos anos e chegou a ter obras paradas por suspeitas de sobrepreço”, disse Delmo Pinho, subsecretário de Transportes do Estado do Rio.

As obras no aeroporto de Vitória foram paralisadas em julho de 2008 após o Tribunal de Contas da União (TCU) apontar suspeitas de superfaturamento. A Infraero tentou repactuar o valor com o consórcio responsável pelo projeto, mas não obteve sucesso. As obras só foram retomadas em 2015, sob novo contrato, e foram inauguradas em março. A capacidade foi ampliada de 3,3 milhões para 8,4 milhões de passageiros por ano. Suficiente para atender a demanda por 15 anos, segundo a Infraero. Ainda assim, estima-se que sejam necessários R$ 320 milhões ao longo de 30 anos de concessão.

Mas o modelo de licitação desagradou ao governo do Espírito Santo, que vê no deficitário aeroporto de Macaé um inibidor de interessados no de Vitória.

“Se licitados em bloco, esses aeroportos vão atrair empresas com expertise em construção, não em gestão aeroportuária, que é o que precisamos em Vitória. Vamos a todas as instâncias para barrar esse modelo, inclusive à Justiça, se necessário”, disse Alexandre Nogueira Alves, procurador do estado do Espírito Santo, que já se prepara para encaminhar ao TCU uma representação questionando o modelo.

 

OPORTUNIDADE PERDIDA

Há duas semanas, o governador Luiz Fernando Pezão esteve com o presidente Michel Temer, em Brasília, para cobrar uma posição do governo a favor do leilão conjunto. O governador Paulo Hartung lançou mão de uma última cartada: propôs a concessão em bloco dos aeroportos de Macaé, Santos Dumont, Vitória e Linhares (ES). Mas a proposta não foi bem recebida em Brasília. Para isso, seria preciso recomeçar todo o processo, dos estudos de viabilidade às audiências públicas.

“Não cabe ao governo ajudar um estado e prejudicar outro. A filosofia por trás desse modelo é que a Infraero trabalha num sistema de caixa único, com subsídios cruzados. Ela não pode vender apenas o que dá lucro e ficar com o que dá prejuízo. A licitação em bloco é uma praxe em vários países, como Espanha, Portugal e México”, diz Dario Lopes, secretário nacional de Aviação Civil.

Enquanto os ânimos permanecem exaltados e a licitação, ainda sem data, os empresários em Macaé enfrentam dificuldade para fazer negócios. Antonio Severino dos Santos é dono de uma importadora e presta serviços ao setor petrolífero. No ano passado, na 9ª edição da Brazil Offshore — feira que reúne fornecedores da indústria do petróleo em Macaé —, Santos não conseguiu trazer seu parceiro internacional por falta de voos diretos a partir do Rio.

“Perdi oportunidade de negócios. Esperamos que, na edição do ano que vem, a cidade já esteja conectada”.

Fonte: O Globo