Naquele cenário de mistura e de convivência plural, chamou a minha atenção que o costume dos argentinos contrastava com a conduta dos brasileiros, totalmente distraídos com diversos interesses. A partir daí, passei a observar mais atentamente o comportamento das pessoas em outros contextos sociais e verifiquei que a baixa atração tupiniquim pela leitura não se limita ao ambiente da praia.
Nesse sentido, a última edição de Retratos da Leitura no Brasil (2016), a mais completa pesquisa já realizada sobre o assunto, extraiu conclusões alarmantes sobre o perfil e os hábitos dos brasileiros em relação à leitura.
De acordo com o estudo, os brasileiros leem, por vontade própria, em média, menos de três livros por ano (completos ou em parte). Quatro a cada dez entrevistados disseram que não gostam de ler ou não têm paciência para a leitura. Nada menos que 30% nunca compraram um livro sequer! Quando a questão é o que se gosta de fazer no tempo livre, a leitura ficou em 10º lugar. Para piorar, 23% dos brasileiros declararam que não gostaria de ter lido mais.
Outra enquete, realizada pela Fecomércio, em 2015, sobre os nossos hábitos culturais, revelou que sete a cada dez brasileiros não leram um único livro no ano anterior. Um espanto!
Há quem relacione esse menosprezo pela leitura a aspectos culturais do país, como a intensidade da linguagem oral, a escolarização tardia da população e a preferência por outras mídias, como o rádio, a televisão e, mais recentemente, a internet.
Tamanho desinteresse deveria despertar uma reflexão profunda na sociedade. Afinal, é incontroverso que o acesso à leitura é fundamental para o progresso cognitivo e intelectual do indivíduo. O livro transporta o leitor para outros mundos e realidades e desperta sua capacidade de abstração e seu senso crítico. Quem lê enriquece vocabulário, constrói argumentos e forma opinião. Crianças que mantêm contato com livros desde a primeira infância desenvolvem mais facilmente a criatividade, a imaginação e a curiosidade, além de interagirem melhor com o meio social. A rotina da leitura expande a habilidade de concentração e de memorização.
Entre os especialistas, existe consenso de que a superação desse problema dependerá do engajamento conjunto do Estado, da escola e das famílias. Cabe ao governo implementar políticas públicas de incentivo à leitura e ampliar o número de bibliotecas comunitárias. A escola precisa atualizar sua grade curricular e modernizar sua matriz pedagógica, pois a linguagem, as expectativas e as motivações do aluno do século XXI mudaram. Porém, a principal chave para essa virada talvez esteja em casa: uma nova geração de leitores é formada a partir de estímulos familiares. Pais que cultivam o hábito de ler e criam uma atmosfera de encorajamento à leitura em seus lares desfazem a falsa ideia de que a literatura não passa de uma obrigação escolar e investem diretamente na qualidade de vida de seus filhos.