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Entrevista com Marcelo Calero: a cultura esteve em suas mãos

Em visita a Campos, Calero esteve no Jornal Terceira Via e falou de política e polêmica com o presidente Michel Temer

Geral
Por Redação
21 de maio de 2018 - 0h01

O ex-ministro da Cultura, Marcelo Calero, esteve em Campos para compromissos profissionais e familiares. Ele projetou-se como secretário de Cultura da Prefeitura do Rio de Janeiro na gestão Eduardo Paes. Alcançou prestígio, e acabou se tornando ministro do governo Temer, do qual saiu na polêmica acusação contra o presidente e o ex-ministro Geddel Vieira Lima em esquema de corrupção, em 2016. Diplomata de carreira, Marcelo Calero tem pretensões políticas. Filiou-se ao PPS e quer disputar uma cadeira na Câmara Federal. Nesta entrevista, ele fala sobre problemas do Rio de Janeiro, a falta de credibilidade da classe política e sobre o futuro do país, que ele encara com otimismo. O tema “cultura” também é destaque na conversa.

O que te trouxe a Campos?

Eu vim dar uma palestra em uma universidade, encontrar-me com algumas lideranças políticas da região, pois estamos buscando diálogos para construir uma pauta que atenda aos interesses de todas as regiões do estado do Rio.

Em 2010, o senhor chegou a se candidatar à Câmara Federal, mas não se elegeu. Como foi essa experiência?

Eu aprendi naquele ano como não pode ser construída uma candidatura. Infelizmente, pelo meu trabalho na época, eu não conseguia estar no Rio, cheguei muito em cima, já na campanha. Eu não tinha pretensões maiores, a não ser ajudar a então candidata à vice-governadora Maristela Kubistchek. Estou mais maduro e mais consciente das necessidades do nosso estado, e tenho me aproximado até por questões familiares do Norte Fluminense. Com minha vivência, tenho uma noção muito maior da realidade.

O senhor passou pela Prefeitura do Rio de Janeiro como Secretário de Cultura. A sua gestão o projetou para ser chamado para o Ministério da Cultura mais tarde. Como foi essa época?

Antes, eu participei do projeto de celebração pelos 450 anos do Rio de Janeiro. Isto foi bastante desafiador, inclusive para formar equipe, e fazer a população de toda a cidade se ver representada. Foi um exercício celebrar a carioquice de um modo universal. Baseado nessa narrativa, resolvemos dar prioridade às manifestações e projetos culturais que ocorrem nos bairros. Eu mesmo desconhecia de vários, apesar de ser carioca. Eu nunca tinha ouvido falar até então que existia uma festa de São Thiago, em Inhaúma. Criamos uma forma de privilegiar esse aspecto identitário do ser carioca.

Lidar com cultura não é tarefa fácil, seja pela diversidade, seja pelos orçamentos reduzidos. Como é lidar com isso?

No Rio, tive uma condição privilegiada. Não era um orçamento enorme, mas também não era reduzido. Trabalhei com R$200 milhões. É preciso ter uma dose de criatividade do líder ou do gestor que esteja no comando. Às vezes os responsáveis pelo financeiro chegavam com um déficit de R$2 milhões e saíam com um superávit de R$4 milhões. É preciso ver prioridades e cortar gastos. Eu sei que a administração pública muitas vezes, em termos legais, deixa muito a desejar. Apesar disso, dá para fazer muita coisa. Eu lembro que, na época, contratava-se segurança terceirizada para fazer a vigilância de nossos teatros e equipamentos culturais. Isso custava R$4 milhões aos cofres municipais. Rescindimos o contrato e passamos a utilizar a Guarda Municipal para a função.

O senhor acha que a cultura está sempre ligada ao seu nome como pessoa pública?

Os 450 anos do Rio foi uma festa neutra que agradou a todos e eu me tornei conhecido nesse momento. Já a Copa do Mundo e as Olimpíadas dividiram opiniões e polêmicas. Eu tinha uma preocupação como acesso à cultura. Fizemos entregas do Museu do Amanhã, o projeto Biblioteca do Amanhã, reformamos teatros e criamos o passaporte para museus que davam descontos.

O senhor se projetou na cultura do Rio, mas se tornou nacionalmente conhecido quando foi trabalhar no governo do presidente Michel Temer por pouco mais de cinco meses. O que isso representou?

Fiquei cinco meses e 28 dias. Eu fui convidado para participar do governo na condição de um técnico. Eu fui o único ministro do governo com formação técnica. Eu sou servidor de carreira, e aquilo não deixava de representar uma promoção profissional para mim. E mais do que isso, era o reconhecimento de um trabalho de excelência. Eu pensava que poderia levar esses programas exitosos no Rio para o Brasil inteiro, e isso era muito factível. Infelizmente, o que encontrei no Ministério da Cultura foi a impossibilidade de se fazer uma gestão técnica. O Estado tem que ser republicano e ser eficiente. Depois de mim, já houve três sucessores.

A passagem pelo ministério do governo Temer foi algo bom ou ruim para o seu currículo?

Eu acho que não é algo bom, nem ruim. É um fato da vida. Administrar a cultura brasileira, que é o maior patrimônio que a gente tem, é o maior privilégio para qualquer cidadão. As pessoas que me convidaram já conheciam a minha agenda criada no Rio. É preciso lembrar que aquele momento político era muito diferente. Não havia denúncias em relação ao Temer. Eu fui o primeiro que o denunciou de maneira inequívoca. Naquele momento, não havia sido aberto nenhum inquérito se quer contra o presidente. Eu fui o primeiro a denunciá-lo de algo específico que ele tenha feito.

As denúncias contra Temer e o ex-ministro Geddel Vieira Lima, isso te ajuda ou te atrapalha em suas pretensões políticas?

Eu acho que a inversão de valores no Brasil é tão grande, que o que eu fiz não foi nenhum ato de heroísmo. Qualquer servidor público tem o dever de fazer o que fiz.

O senhor teme pela sua vida? Chegou a ser ameaçado?

Claro que sim. Há gente muito poderosa e perigosa envolvida. Sobre isso, especificamente, eu não posso falar, pois existe um inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal. Havia o interesse do Geddel que o Iphan autorizasse uma licença ambiental para a construção de um condomínio em Salvador. Eu me neguei a dar parecer favorável se a área técnica não autorizasse a obra. Ele ameaçou dizendo que levaria o caso ao presidente, mas eu já tinha colocado o presidente Temer a par. No dia seguinte, o presidente que tinha me apoiado antes mudou de opinião, e mandou que eu me resolvesse com Geddel, pois tinha criado dificuldades operacionais no gabinete presidencial. Temer me deu um tapinha nas costas e disse que “a política tem dessas coisas”. Isso é muito sério. Em novembro passado, a Procuradoria Geral da República descobriu que aquele prédio que eu me neguei a licenciar é usado em esquema de lavagem de dinheiro da Família Vieira Lima, provavelmente dos recursos oriundos do PMDB.

Fala-se em renovação da política brasileira, o senhor acha que está credenciado a essa possível renovação?

Quando a gente fala de renovação, isso não tem a ver com um posto. Quando um ministro de Estado se nega a ceder às pressões políticas, infelizmente, isso me faz um ponto fora da curva. Eu sempre me ative aos valores que eu aprendi na minha casa. Hoje, posso olhar de peito aberto para meus amigos e familiares, pois eu fiz a coisa certa. Ser cúmplice de uma coisa errada é algo que eu jamais quero.

A política e os políticos estão desacreditados pela população brasileira. Como lidar com essa situação?

O mais importante é a gente fazer política pelo exemplo. O exemplo da liderança é algo que falta no Brasil. Temos uma crise de liderança e de representatividade. Eu acho ser possível reverter isso. Digo nas minhas palestras que política é algo como imposto e morte: não há como fugir. Todas as nossas vidas estão sujeitas às decisões políticas. Sou o primeiro político da família e a contragosto dela (brinca e ri). Eles ficaram muito orgulhosos quando passei para o Itamaraty e me tornei diplomata indo trabalhar no México. Quando entrei para o ministério, minha avó disse: “Marcelo, você não dura seis meses em Brasília”. Acho que praga de avó, pega (risos).

Pretende retornar à carreira diplomática?

Se as coisas na política não saírem como planejado, certamente retorno à diplomacia e às minhas funções de servidor público. Eu estou licenciado sem vencimentos. Acho que devemos estar atentos às nossas vocações. Sempre me senti vocacionado para a liderança.

Que impressões têm de Campos?

Tenho uma prima na cidade, por isso passei a vir mais aqui. Gosto da cidade e do clima de encontros, das pessoas se visitarem. Costumo frequentar os bares da Pelinca. Gosto muito da descontração da noite daqui. É algo que tem se perdido no Rio por conta da violência, causando esvaziamento na cidade.

Que impressões têm do Rio atual sob intervenção federal e à mercê da criminalidade, tráfico de drogas e milícias?

O governo do Rio não tinha mais capacidade de gerir a área de segurança. Aliás, de gerir nada. Se essa intervenção fosse bem planejada, teria que ser intervenção total. É uma intervenção para fins eleitoreiros. A sensação de insegurança ainda é enorme. É preciso rever o pacto federativo. É preciso um pacto anticorrupção na política e na sociedade. É necessário se empenhar no combate à corrupção que atrapalha a vida do país.

E o futuro do Rio e do Brasil? Arrisca palpite?

Sou otimista. A gente não quer só comida. A gente quer comida, diversão e arte. A cultura gera renda e riqueza, além de empregos e uma cadeia produtiva de negócios. O nosso maior potencial não é o petróleo, mas a criatividade do povo fluminense. Precisamos assumir isso e trabalharmos por uma vida melhor.