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Campos de todos os que sonham

Crônica reflete sobre os 183 anos de existência do maior município fluminense em extensão territorial

Opinião
Por Ocinei Trindade
28 de março de 2018 - 14h34

O Rio Paraíba do Sul reflete a cidade de Campos que faz 183 anos (Foto: Divulgação)

Antigamente, era indelicado perguntar a idade de uma senhora. Dizem que ainda é. Se perguntarem à população quantos anos tem a velha senhora Campos, é possível que poucos consigam responder logo, de pronto. Eu também não saberia se não recorresse ao Google. No dia 28 de março, a cidade emancipada em 1835 completa 183 anos. No entanto, a história de Campos dos Goytacazes, desde sua condição de Vila de São Salvador, data de 29 de maio de 1677. Portanto, quase 341 anos de  muitas histórias que se perdem, se misturam, se recuperam, se inventam e se reinventam.

O ano de 2018 escreve mais um capítulo para Campos. O nome do município tem também sua particularidade desde o fim do século passado. Campos já foi dos Goytacazes, deixou de ser, e nos anos 1990 voltou a assinar a antiga alcunha. Se pudesse decidir à época essa medida, eu votaria contra. É pouco compreensível haver uma Campos dos Goytacazes sem nenhum índio para contar história. Não sobrou um nativo sequer desde a dizimação capitaneada pelos colonizadores portugueses. A Natureza também tem sido executada por aqui. Rios, lagos, matas e florestas vivem sob ameaças.

Apesar da terra goitacá não pertencer mais aos indígenas exterminados há tempos, é preciso refletir a quem pertence esta terra hoje. Talvez, não muito diferente de séculos passados, este território continue nas mãos de quem tem mais dinheiro e mais poder. Não necessariamente os latifundiários, usineiros, empresários ou banqueiros. Há uma Campos que pertence aos marginais, aos combalidos, aos miseráveis, aos criminosos, aos traficantes de drogas e armas. O município tem figurado em listas de organizações internacionais como uma das 50 cidades mais violentas do mundo, de acordo com o número de homicídios para cada 100 mil habitantes. Crimes e mortes fazem partes de nossa rotina, infelizmente, algo que ocorre também no resto do país que vive o drama da insegurança.

A Campos dos Goytacazes, de Guarus, Travessão, Tocos, Santo Amaro, Morro do Coco, Morangaba e de todos os outros distritos, localidades, bairros, vilarejos e rincões tem quais motivos para festejar seus 183 anos de aniversário ou os 341 anos de história? Em todo este tempo, vivemos períodos de glórias e êxitos, alternados com momentos de decadência e derrotas, considerados do ponto de vista econômico e cultural.

As usinas de açúcar fechadas ou falidas, os casarões e solares abandonados, os muitos cinemas e teatros extintos, além de um dos maiores hipódromos do país em ruínas; o comércio tradicional perdendo cada vez mais espaço para as compras on line ou para a migração de endereços em áreas como a Pelinca ou Tamandaré; os arranha-céus que bloqueiam a visão do horizonte de quem está com os pés no chão e não consegue subir na vida para avistar a paisagem lá do alto; a Campos de todos os rostos, tons de pele, classes sociais, credos e sotaques precisa repensar seu presente e o futuro onde pretende chegar. Se é que pretende atingir algum futuro. Distinto do que se fez, ou do que se faz com esta cidade. Somos todos responsáveis por Campos, apesar de colocarmos apenas na conta dos maus políticos nossas insatisfações e queixas.

Campos merece muitos elogios, mas também muitas críticas. Talvez, fosse melhor autocríticas. Depois da dependência da cana de açúcar, passamos a depender de royalties do petróleo, das benesses de governantes populistas, de favores e de jeitinhos tipicamente brasileiros. O senso crítico e a cidadania que deveriam ser estimulados pela educação de qualidade não acontece. O ensino público municipal ou estadual está falido, assim como quase todo o Estado do Rio de Janeiro também está. Educar e reeducar são precisos.

A Campos que ora aniversaria, mais uma vez, precisa de autoestima. Há muitas pessoas entusiasmadas e empreendedoras que promovem o município no aspecto econômico, gerando trabalho e renda. O mesmo ocorre com professores corajosos que enfrentam todos as dificuldades para ensinar crianças e adolescentes a pensar e a repensar suas vidas. Há muitas pessoas anônimas que não aparecem nos noticiários, mas que ajudam umas às outras para tornar mais digna a existência nesta terra. Sim, temos muitos problemas. Entretanto, há esperanças por dias melhores. A Campos de todos os que sonham, felicidades e coragem. Atravessemos as margens e os campos do existir. Resistir é preciso.