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Lei Marcão com cheiro populista

Câmara aprova por unanimidade projeto que alimenta Fundo com percentual de contratos entre empresas e o Município

Política
Por Redação
19 de março de 2018 - 0h01

O objetivo era, segundo a justificativa do Projeto de Lei (PL) Nº 0002/2018, “assegurar a todos existência digna”. Mas, a proposta do presidente da Câmara de Campos, Marcão Gomes (REDE), de criar o Plano Municipal de Combate à Fome, materializado na distribuição de cestas básicas financiadas com dinheiro de empresas vencedoras de licitações no Município, foi recebida com uma série de críticas. Nas redes sociais, o cientista político José Luis Vianna condenou o texto, que qualifica como “a obra prima do atraso, do ridículo e da pobreza”. Já o pesquisador e professor universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) Marcos Pedlowski usou seu blog para disparar contra a iniciativa já no título da postagem: “O sacolão do Marcão rima com humilhação”.

Aprovada por unanimidade no plenário da Casa no último dia 28, a agora Lei 8.816 permite que as empresas doem ao Fundo Municipal de Assistência Social (FMAS) montante equivalente a 1% do valor líquido do contrato firmado com o Município. A opção pela doação será critério de desempate em licitações e o dinheiro será obrigatoriamente destinado à compra de cestas básicas para famílias em situação de pobreza. Os produtos que comporão as cestas serão decididos pelo FMAS com base em critérios estabelecidos pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e pelo Plano Nacional da Assistência Social. As entregas ficará o a cargo da secretaria de Desenvolvimento Humano e Social e acontecerá o conforme disponibilidade.

Quem é contra, porém, afirma que o texto seria eleitoreiro, estimularia a dependência dos beneficiários e o “toma lá, dá cá” entre o Poder Público e a iniciativa privada.

“Vincular a doação de 1% de contrato com a Prefeitura é ilegal e se presta a todo tipo de chantagem, corrupção e desvios; quem garante que isso não vai será embutido nos custos das propostas”, escreveu Vianna.

Ao Jornal Terceira Via, o cientista político afirma que o sistema de doações criado pela lei, em ano eleitoral, é muito suspeito.

“Isso pode ser considerado achacamento. Parecido com o mensalão. Para ganhar concorrência tem que doar 1%. Talvez seja ilegal, considerado compra de votos, exatamente porque é em ano eleitoral e vinculado a um vereador e distribuído por uma secretaria municipal do Governo do vereador, que será candidato”, argumenta.

Condição humilhante

Críticos ao projeto ressaltam, ainda, a ineficácia da iniciativa como política pública, uma vez que não estimula a autonomia do beneficiário e nem a construção de sua independência futura do próprio programa.

“Não seria muito mais empoderador se o jovem prefeito Rafael Diniz cumprisse sua palavra de reestabelecer o Cheque Cidadão seguindo critérios transparentes. Isso daria a essas famílias, o poder de decidir sobre usar os recursos distribuídos pelo poder público”?, escreveu Pedlowski em seu blog.

No texto, ele lembra as “cenas deprimentes” protagonizadas por funcionários públicos do Estado do Rio, que, diante do atraso de seus salários em 2017, iam para as filas de distribuição criadas pelo MUSPE para entregar sacolões aos mais necessitados, a maioria deles se sentindo em condição humilhante”.

Nas redes sociais

O projeto sofreu reação mesmo na divulgação feita pelo vereador Marcão em sua página pessoal. “Em ano de eleição vale tudo?”, escreveu um internauta.”Mais uma jogada política Marcão Gomes? Antes era contra a política do assistencialismo, da passagem social, do restaurante popular, agora vem com sacolão?”, questionou outro.

Um terceiro apontou: “Uma coisa é criar a lei, outra é saber como será administração desse fundo, se não houver transparência será a mesma coisa que temos visto nos últimos anos”.

Marcão responde

Questionado, o presidente da Câmara Marcão Gomes credita as críticas do projeto ao desconhecimento do texto. “Os comentários citados devem ter se originado de pessoas que não tenham lido o projeto e devem ter sido induzidos ao erro”, diz.

O vereador rejeita as afirmações de que a Lei 8.816 seja assistencialista ou represente retrocesso e garante que objetivo é oferecer fonte de recurso para custear benefícios eventuais já existentes no município.

Marcão explica, ainda, que a doação é completamente voluntária e que não nenhuma possibilidade de fraudes em licitações em virtude do projeto. Ele cita as leis federais LC 123/2006 e 126/2006 como exemplos de textos que colecionam benefícios e preferências para empresas em procedimentos licitatórios e afirma que a FMAS prestará contas dos gastos em relatórios trimestrais a serem publicados no Diário Oficial do Município.

Por fim, o presidente da Casa de Leis rechaça a acusação de oportunismo eleitoral e afirma que o único motivo do projeto ter sido proposto agora se refere ao fato de ter sido pensado durante o recesso parlamentar e criado agora.

“Não há qualquer relação com eleição. Tanto que o projeto prevê a participação do Conselho Municipal de Assistência Social e estabelece que os benefícios custeados com recursos provenientes da Lei deverão atender às diretrizes estabelecidas pela LOAS e pelo Plano Nacional de Assistência Social”.

Cheque Cidadão

A equipe de reportagem de O Jornal Terceira Via questionou a Prefeitura sobre o retorno do Cheque Cidadão, programa municipal de renda mínima citado por Pedlowski, que foi rebatizado como Cartão Cooperação e se encontra suspenso no momento.

Em nota, o Município diz que o programa “segue suspenso até que as propostas definidas junto à Sociedade Civil Organizada passem por análise, para que sejam implantadas o quanto antes”, mas afirma que famílias em situação de vulnerabilidade social são assistidas por programas como aluguel social, renda mínima, defeso, auxílio funerário, bolsa família e vêm recebendo cestas básicas”.