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Tônia Carrero, uma mulher incomum

A atriz deixa como legado uma biografia riquíssima e muitas histórias vividas em 95 anos

Blog dos Jornalistas
Por Ocinei Trindade
5 de março de 2018 - 18h32

 

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Nesta segunda-feira (5), o corpo da atriz Tônia Carrero foi cremado no Rio de Janeiro. Não sei onde as cinzas serão jogadas, mas o mar de Copacabana, na Cidade Maravilhosa, combinaria com a beleza sublime da diva de olhos verdes, dama dos palcos, das telas de cinema e televisão brasileiros. Uma vida longa com 95 anos, uma carreira vitoriosa de sete décadas, a grande estrela se despediu da vida no sábado quando o coração parou de bater.  Tônia Carrero deixou um legado e muitas histórias. Em uma delas, eu pude participar rapidamente. Foi quando a atriz se apresentou em Campos, no fim do século passado, em 1999, durante reinauguração do Teatro de Bolso.

Era uma noite chuvosa quando o Teatro de Bolso foi reaberto ao público depois de uma outra reforma. A peça “Amigos para sempre” era um monólogo em que Tônia Carrero narrava experiências pessoais vividas com figuras ilustres das artes, dramaturgia e literatura brasileiras, como Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga, Tom Jobim, Nelson Rodrigues, Paulo Autran, Nelson Xavier, Ary Barroso, entre outros. Foi um acontecimento ter Tônia Carrero no palco do pequeno teatro campista, mas pouca gente apareceu. Uma lástima que a atriz não se importou de desabafar ao perguntar: “Onde estão as pessoas de Campos que não vieram me ver? Teatro vazio é uma tristeza”, lamentou.

Talvez, as novas gerações não saibam da importância de atores veteranos como Tônia Carrero, e o que eles significam para a cultura e a história do país. São pioneiros operários na difícil arte de interpretar e de promover arte e cultura.  Ao levarem conhecimento e educação por meio do entretenimento e da dramaturgia, contribuem para o enriquecimento do pensamento e para o desenvolvimento intelectual. Entretanto, este tipo de interesse e de preocupação está cada vez menor. Seja por grande parte da classe política, seja por grande parte da sociedade cada vez mais desigual e carente de tantas coisas como saúde, educação e segurança. Por meio da ficção, Tônia Carrero fez denúncias sobre injustiças e dramas humanos. Fora da ribalta, ela e muitos artistas de sua geração lutaram contra a ditadura militar, a censura e as desigualdades país afora.

Ao final daquele espetáculo em Campos, Tônia Carrero conversou com a plateia. Respondeu a todas as perguntas que quisessem fazer a ela. Tímidos, muitos se calaram. Lembro dela se queixar de as emissoras não a chamarem para fazer televisão, pois ela adorava atuar em telenovelas, veículo que a projetou para todo o país. “Infelizmente, a maioria da população não tem tanto acesso ao teatro, seja pela falta de dinheiro, seja pelo desinteresse. A televisão é democrática e leva o nosso trabalho a todos de modo igual”, pensava. Sua última personagem na TV Globo foi uma pequena participação em “Senhora do Destino”, de Aguinaldo Silva, quando contracenou com Adriana Esteves e Renata Sorrah, intérpretes da célebre vilã Nazaré Tedesco. Sua última peça foi “Um barco para o sonho”, em 2007, dirigida pelo neto Miguel Thiré. Já no cinema, se despediu em 2008, em “Chega de saudade”, de Laís Bodansky.

Minha experiência com Tônia Carrero foi rápida, mas marcante para mim. Ao fim de sua apresentação, levei o programa da peça “Amigos para sempre” para ela autografar. Lembro dela receber o público sentada no palco, e de nós nos curvarmos para cumprimentá-la. Sentado aos seus pés, enquanto a esperava escrever meu nome e alguma dedicatória no papel, recordo de trocarmos algumas frases e de eu olhar bem de perto aquele rosto de beleza incomparável, quando ela já contava com 75 anos (a atriz detestava quando especulavam sobre sua idade). De fato, a beleza sempre foi algo que nunca passou despercebido quando ela surgia em qualquer cenário ou ambiente. Seu talento nem sempre foi unânime em reconhecimento, embora tenha nascido para brilhar e reinar. Tônia Carrero era uma mulher incomum, soberana. Fez parte da História do Brasil. Sua coragem e determinação para encarar a vida neste país desafiador faz parte de seu legado também. Viva Tônia !!!