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A Uenf e o recomeço aos 27 anos

Após longa greve, a universidade do terceiro milênio faz aniversário na terça e prossegue com muitos desafios

Campos
Por Ocinei Trindade
26 de fevereiro de 2018 - 0h01

crise-na-uenf-foto-ocinei-trindade-34* Laila Nunes

No dia 27 de fevereiro deste ano, a Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) Darcy Ribeiro completa 27 anos de criação por meio do Decreto 16357/91. Sua inauguração oficial se daria em 16 de agosto de 1993, quando foi realizada sua primeira Aula Magna. Projetada para ser “a universidade do terceiro milênio”, a Uenf fez de um sonho muitas realidades. Em quase três décadas, conseguiu reconhecimento nacional e internacional, avançou em pesquisas e tecnologias. Entretanto, como tantas instituições públicas brasileiras, também amarga problemas com sustento e manutenção de sua estrutura. No último dia 7, após seis meses, a Uenf encerrou uma greve. O início das aulas está previsto para o dia 5 de março, quando começam a reposição do segundo semestre letivo de 2017 e o semestre letivo 2018. Agora é recomeçar.

Nesta nova fase, os desafios seguem como antes. Sanar dívidas, concluir obras, restabelecer a segurança do campus, rever calendá- rios letivos, retomar as aulas, prosseguir com pesquisas, formar os estudantes que adiaram a finalização de vários cursos de graduação e pós-graduação. A Uenf terá que enfrentar as mesmas dificuldades que a Uerj e a Uezo, universidades estaduais fluminenses também afetadas pela grave crise financeira do Rio de Janeiro.

reitor-da-uenf-luis-passoni-silvana-rust-20De acordo com o reitor da Uenf, Luiz Passoni, a aprovação da obrigatoriedade da transferência dos recursos orçamentários em duodécimos para a universidade tende a transformar a situação de completo caos para uma situação de melhor previsibilidade e planejamento. No entanto, ainda não havia sido depositada a primeira parcela, relativa a janeiro de 2018. “No ano passado, a dívida da universidade chegou a quase 60 milhões. Mas, com o pagamento dos salários e bolsas atrasados, a dívida caiu para menos de 30 milhões”, explicou. Passoni informou ainda que há quatro empresas com contrato em vigor, e que a maioria das dívidas da Uenf está relacionada a esses serviços.

Reivindicações na pauta

Apesar do fim da greve anunciado, os professores que pertencem a Aduenf (Associação dos Docentes) decidiram manter estado de greve, pois nem todas as reivindicações foram atendidas pela reitoria, já que ainda há falta de pagamento do décimo terceiro salário de 2017 e cumprimento das solicitações para garantias de segurança no campus, principalmente no horário noturno de aulas. “Temos uma agenda de mobilização para ser trabalhada e colocada em ação durante este estado de greve”, informou a presidente da Aduenf, Luciane Silva.

Os problemas financeiros e a paralisação de professores e servidores têm adiado a conclusão de cursos para diversos estudantes. Em seis meses, diversos andamentos de pesquisas e trâmites usuais da universidade foram afetados. Para o estudante de graduação em biologia, Daniel Saraiva, a greve e o atraso de bolsas sempre atrapalham. “Todos são afetados”, disse. Para a mestranda e a doutoranda em produção vegetal, Juliana Resende e Da niele Amaral, respectivamente, os desafios são os mesmos.

uenf-pos-graduacaoMesmo com a greve, vários pesquisadores se esforçaram por manter projetos em andamento, apesar das incertezas e carências no campus da Uenf. Para o coordenador do Programa de Pós-Graduação em Cognição e Linguagem, Carlos Henrique Medeiros, o mais grave nesse período é não ter a normalidade dos processos administrativos, a falta de informações do sistema acadêmico para os alunos, marcar defesas de dissertações e teses pela falta dos professores, além da falta de material básico como papel e caneta para trabalhar. “Apesar das dificuldades, temos avançado, conseguimos nota de excelência pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) nos últimos anos, graças aos esforços de alunos e professores que resistem”, disse.

E resistir não é tarefa fácil diante das incertezas e inseguranças pelas quais passa o estado do Rio de Janeiro nos últimos anos. Para muitos estudantes, o ano passado foi quase perdido quanto à pesquisa e à conclusão de cursos. Sobreviver sem salários ou bolsas causou muitos danos a servidores e aos universitários. Para a doutoranda em políticas sociais, Maria Alice Pohlmann, 2017 foi um ano mais que difícil: “É muito angustiante administrar uma crise como esta, e que eu não causei. Meu marido é servidor público estadual, e eu dependo de bolsa para me manter. Isso nos trouxe muita instabilidade para sustentar a família e a concentração nos estudos que são bem pesados e exigem dedicação”, disse.

A dedicação ao trabalho tem contribuído, e muito, para que a Uenf siga formando profissionais e pesquisadores, além de atender à comunidade em geral. O Hospital Veterinário, por exemplo, não deixou de funcionar durante a greve dos últimos meses. Segundo a diretora Helena Hokamura, existe um comprometimento de toda a equipe para não deixar de prestar atendimento. Os procedimentos médicos são pagos pela comunidade. A taxa é revertida para a manutenção do hospital.

“Através dessa taxa é que os setores em funcionamento adquirem insumos de rotina e mantém equipamentos. Cada setor contribui para a manutenção geral da estrutura funcional do hospital. Graças ao empenho e abnegação dos professores é que estamos mantendo vivo o Hospital Veterinário. Com o apoio da comunidade campista temos conseguido atravessar este longo período de dificuldades”, disse Helena Hokamura.

crise-na-uenf-foto-ocinei-trindade-30Apoiar a universidade pública de qualidade é o desejo de muitas pessoas que acreditam e investem em educação para o desenvolvimento do país. Contudo, o sucateamento de instituições públicas de ensino tem provocado evasões e desânimo. Para o professor de literatura comparada em cursos de graduação e pós-graduação, Sérgio Arruda, as crises no ensino pú- blico têm provocado falta de credibilidade para o setor. “Fico atônito com esta tragédia, pois a universidade gratuita é uma coisa boa para a sociedade, porém pouco valorizada. No curso de pedagogia, por exemplo, o abandono dos alunos atinge quase 50%. É preciso rever e repensar muita coisa”, acredita.

O futuro da Uenf

A Reitoria da Uenf ainda não dispunha do número de evasão provocado com a última greve. Sabe-se que para dar conta de recuperação do ano letivo anterior, os alunos terão que cursar o semestre de 2017 e o período vigente de aulas ao mesmo tempo. Quando se fala em fechamento da universidade e em privatização do ensino brasileiro, Luiz Passoni é incisivo: “Forças querem o fechamento ou a privatização de todas as universidades públicas. Todo sistema brasileiro de ciência e tecnologia está em risco de fechar. O governo federal anunciou recentemente que fechará algumas unidades da EMBRAPA, por exemplo. Ou varremos para o lixo da história todo esse pessoal neoliberal, ou não sobrará nada.

O ano de 2018 é de muitas expectativas para todos os brasileiros, pois trata-se de um ano de eleições gerais. A Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro também espera por dias melhores e um futuro de conquistas. “Desejo que sejam eleitas pessoas comprometidas com o desenvolvimento econômico e social. Pessoas que sabem que não houve um único país no planeta que tenha alcançado alto nível de desenvolvimento humano sem a participação ativa do Estado, garantindo direitos sociais, fomentando o investimento produtivo, e investindo pesadamente em educação, ciência e tecnologia”, considera o reitor. O Brasil resiste. A Uenf também.