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Santo Amaro: a Baixada no altar

São 285 anos dessa manifestação popular marcada por elementos religiosos e culturais

Campos
Por Redação
15 de janeiro de 2018 - 0h01
(Foto: Ulli Marques)

(Foto: Ulli Marques)

Quem já teve a oportunidade de comparecer à Festa de Santo Amaro, que acontece nesta segunda-feira, 15 de janeiro — dia do padroeiro da Baixada Campista —, pode confirmar: acontece ali, no distrito de mesmo nome, a mais bonita e sincera demonstração de fé da região Norte Fluminense, quiçá no Estado do Rio de Janeiro. Em 2018, comemoram-se 285 anos dessa manifestação popular marcada pela reunião de diversos elementos religiosos e culturais que fazem da festividade uma tradição criada e recriada, ano após ano, pelo povo campista.

A Festa de Santo Amaro reúne gente de toda ordem: de pagadores de promessas e fiéis engajados; a crianças à procura de diversão ou adultos também em busca de uma folga na rotina — seja para assistir às missas, visitar entes queridos, assistir à cavalhada, etc. Esses ocupam os espaços do distrito que leva o nome do santo padroeiro — a igreja, a praça, o campo, os bares, as ruas. Cada um desses lugares representa a essência dessa festividade popular.

Engana-se aquele que pensa que a Festa de Santo Amaro acontece somente no feriado do padroeiro. Os preparativos se desenrolam ao longo de todo o ano, mas a programação, de fato, inicia-se uma semana antes, quando o lugar começa a ser enfeitado com as típicas bandeirolas coloridas fixadas em bambus em frente às residências.

Aliás, são muitas as atividades que constituem essa festa: o novenário; a cavalgada; o levantamento do mastro no dia 14; o leilão; as apresentações da banda Lira de Santo Amaro; a caminhada da fé ao longo da madrugada; o acender das velas; a alvorada às 5h da manhã; as inúmeras missas, a cada hora; o depósito dos ex-votos (peças de cera que representam partes do corpo de alguém que recebeu a graça) aos pés da imagem do santo na Sala dos Milagres; o desfi le de bandeiras; a cavalhada; e, por fim, a procissão. É esse conjunto de elementos que faz da Festa de Santo Amaro um exemplo de comunhão, crença e sabedoria popular.

(Foto: Ulli Marques)

(Foto: Ulli Marques)

Religiosidade — A Festa de Santo Amaro pode ser segmentada em duas partes: a religiosa e a recreativa. A primeira inicia-se com o novenário, quando cinco comunidades da Baixada — Donana, Tocos, Beira do Taí, Xexé e Santo Amaro — comemoram o santo em missas diárias. No dia 15 de janeiro, as missas acontecem a cada hora, da madrugada até o início da noite, a fim de receber os fiéis que, desde a noite anterior, percorrem os quase 40 quilômetros do circuito religioso — o único do estado — que perpassa mais de 20 igrejas centenárias, bi e tricentenárias, contadas desde o marco zero, a Catedral Diocesana, no Centro da cidade, até a Igreja de Santo Amaro, na Baixada Campista.

Os peregrinadores objetivam agradecer pelas conquistas do ano anterior ou solicitar graças para o ano seguinte. O percurso dura cerca de oito horas. O funcionário público Moisés Vieira de Souza tem 38 anos e há 10 participa da caminhada. “É difícil mensurar todas as bênçãos que recebi desde que tomei a iniciativa de percorrer o caminho de Santo Amaro. Algumas palpáveis, como o crescimento profissional que tanto almejada e a cura do câncer da minha mãe. Outras subjetivas, como o desenvolvimento da minha força interna. Quem tem fé e acredita em algo maior, vai me entender”, declarou.

O Bispo Diocesano de Campos, Dom Roberto Francisco Ferreria Paz, ressalta a importância cultural e religiosa da festa, que oportuniza um valioso espaço para a evangelização e a enculturação da fé.

“A Festa de Santo Amaro, na Baixada Campista, representa um dos três caminhos espirituais do Brasil, constituindo uma experiência de fé caracterizada pela cruz fonte de conversão e missão, a compaixão e a misericórdia, que expressa nos milagres em benefício dos pobres e desamparados e a paz com Deus, os irmãos e toda a criação. A Festa agrega valores e movimenta o turismo religioso regional”, destacou Dom Roberto.

(Foto: Ulli Marques)

(Foto: Ulli Marques)

Pontos de apoio — Em função do expressivo número fiéis que fazem a romaria até Santo Amaro pela RJ-216, a Diretoria de Turismo da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico instalou cinco pontos de apoio onde são distribuídas frutas e água aos romeiros. A Guarda Civil Municipal e ambulâncias da Secretaria Municipal de Saúde também ficam à disposição dos peregrinadores para possíveis emergências. Há também aqueles fiéis que optam por pagar suas promessas oferecendo ajuda àqueles que fazem a caminhada, seja ao fornecer um alimento ou até um café quentinho ao final do percurso.

A igreja de Santo Amaro ainda fica aberta durante os dias de programação e um dos locais mais visitados pelos peregrinos costuma ser a sala de milagres, localizada no interior do santuário, onde os fiéis deixam registradas histórias de cura e bênçãos atribuídas ao santo. Entre os itens ali depositados estão fotografias, roupas, ex-votos e outros objetos dedicados ao santo. Esses apetrechos caracterizam um milagre recebido, um sinal de agradecimento ao santo ou uma petição.

No final da tarde do dia 15, a programação religiosa se encerra com a procissão, quando os fiéis percorrem as principais ruas do distrito de Santo Amaro até chegarem à igreja e participarem da última missa, marcada para as 19h.

Recreação — A parte recreativa da Festa de Santo Amaro é composta, fundamentalmente, pelo Desfile de Bandeiras e pela Cavalhada; além dos shows musicais.

No desfile, aproximadamente 20 cavaleiros e amazonas percorrem a rodovia RJ-216 até o campo do distrito levando bandeiras do município de Campos, de Santo Amaro, e dos estados brasileiros. Eles dão várias voltas no gramado, fazem a oração do Pai Nosso, e em seguida são apresentados um a um pelo locutor oficial da festa.

É o desfile que abre a Cavalhada, que pode ser considerada a atração mais esperada pelos visitantes. Há mais de 280 anos, sempre na tarde do dia 15 de janeiro, 24 cavaleiros divididos entre mouros (vestidos de vermelho) e cristãos (de azul), se enfrentam em uma encenação que dura cerca de 3 horas, tempo em que os cavaleiros mostram sua destreza na montaria enfrentando diversas provas, como a da argola e dos potes de barro. Essa apresentação começa com os dois lados empunhando espadas, e termina com todos trocando a arma por um lenço branco, representando a paz entre os dois povos.

Além das roupas usadas pelos cavaleiros, também há o cuidado como os cavalos, que tem suas patas pintadas de prata, além de usarem plumas na cabeça e metais polidos, trazendo ainda mais beleza para a performance.

Expressão herdada dos colonizadores portugueses, a Cavalhada representa a luta entre Cristãos e Mouros, constituída há 1500 anos. O duelo acontece por causa do amor que o Rei Mouro sentia pela filha do Rei Cristão. Este não aceitava que sua filha se unisse a um homem que não tivesse a fé cristã. No combate, os Cristãos saem vencedores, demonstrando lealdade e bravura, pois eles se orgulham de terem lutado contra as invasões islâmicas na Península Ibérica, durante o século VIII.

A primeira Cavalhada em Santo Amaro aconteceu no dia 15 de janeiro de 1736, sendo hoje uma das poucas a serem realizadas no Brasil, segundo registro encontrado no Arquivo Público de Campos. “Eu sempre ouvia que meu avô tomava conta da Cavalhada dele, há uns cento e poucos anos. E cresci com meus tios participando da festa, então tive vontade de manter essa coisa muito bonita que vinha dos meus parentes”, disse Miguel Henrique de Carvalho, 58 anos, que foi capitão cristão da Cavalhada e, há dois anos, passou o posto para o seu filho, Wellington.

A cavalhada é tombada como patrimônio imaterial pelo Conselho de Preservação do Patrimônio Municipal.

Show – Nesta 285ª edição da Festa de Santo Amaro, a principal atração musical será o Padre Max Barreto, que se apresenta a partir das 21h do dia 15.