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Um Rio de corrupção: Campos entra na rota da Lava Jato

Grupo que dominou a política do Estado nos últimos 20 anos está encarcerado

Política
Por Redação
26 de novembro de 2017 - 0h01

tresCampos foi o berço e a cruz da carreira política de Anthony Garotinho (PR) e daqueles que gravitam ao seu redor — como a esposa e, segundo a Justiça Eleitoral, fantoche, Rosinha (PR). Foi no município que ele deixou o palco para subir no palanque, sem nunca deixar de atuar. Onde se projetou estadual e nacionalmente a partir da prefeitura, que ocupou em 1989. Também foi em Campos que surgiu a evidência que o levaria à prisão pela terceira vez em pouco mais de um ano: uma nota fiscal emitida pela Ocean Link Solutions Ltda. O documento é um entre milhares apresentados na delação da JBS e o brasão não deixa dúvidas sobre a origem dele. E foi Glaucenir de Oliveira, um juiz eleitoral da planície, quem assinou seu mandado de prisão.

A nota fiscal, no valor de R$ 3.004.160,00, tem manuscritos o nome de Garotinho e a sigla do Partido da República, o PR, do qual é presidente estadual. Segundo o documento, o montante seria referente ao pagamento da “prestação de serviços em consultoria, engenharia de telecomunicações e desenvolvimento de software”. Mas, para o Ministério Público (MP), foi uma forma de repassar propina nas vésperas das eleições para o Governo do Estado, em 2014.

Documentos mostram pagamentos da JBS à Ocean Link uma semana após a emissão da nota fiscal. O movimento foi lançado na contabilidade da gigante do ramo alimentício e o registro tinha, mais uma vez, o nome de Garotinho anotado à mão.

Um conto de duas cidades

Apesar de ter sede em Macaé, a Ocean Link usou contas em agências bancárias de Campos para receber o dinheiro da JBS e informou um endereço no Parque Aurora na nota fiscal emitida pelo município. A empresa tem como um de seus donos o empresário André Luiz da Silva Rodrigues, que também é sócio da Working Empreendimentos e Serviços Ltda, esta sim sediada naquele bairro.

A Working foi um dos grandes fornecedores da Prefeitura de Campos durante os anos do governo Rosinha e prestou diferentes serviços ao município, que vão da manutenção de escolas ao aluguel de palcos, passando por reformas em imóveis usados pela administração direta.

André Luiz, mais conhecido como Deka, firmou acordo de delação premiada com o MP e deu depoimento à Polícia Federal (PF). O empresário narrou como Garotinho exigiu R$ 5 milhões dele e de sócios da Hidrolumen, Fargom, Construsan, Cofranza, Imbeg e Macro Engenharia. A reunião aconteceu no dia 22 de agosto de 2014. De acordo com Deka, Garotinho precisava do dinheiro para a campanha ao Palácio Guanabara.

A contribuição era garantida de forma simples: Rosinha atrasava pagamentos de serviços já prestados à Prefeitura de Campos para forçar os empresários a colaborarem. Porém, mesmo com o reforço no caixa, Garotinho não chegaria ao segundo turno naquele ano.

O esquema, que vinha beneficiando o casal desde 2010, ainda continuou até 2016. Esta “organização criminosa” como qualifica o juiz Glaucenir, experimenta, agora, uma sa- ída pela coxia da política fluminense com as prisões de Garotinho, Rosinha, Antônio Carlos Ribeiro da Silva, policial civil aposentado apontado como braço armado do grupo, Suledil Bernadino e Thiago Godoy (PR), respectivamente ex-secretário de Controle Orçamentário e Auditoria e ex-subsecretário de Governo e operadores do esquema, na última quarta-feira (22), durante a Operação Caixa D’Água, da PF.

Fantasmas do passado

Porém, mesmo com a possibilidade de envolvimento no esquema de corrupção, a Working segue como prestadora de serviços da Prefeitura de Campos. Um termo aditivo — o quinto — publicado na edição de 14 de novembro de 2017 do Diário Oficial do Município prorroga por 120 dias contrato com a empresa. O custo: R$ 2.630.780,12. Conforme o documento, a empresa faz “manutenção preventiva e corretiva em instalações e equipamentos das unidades escolares da Secretaria Municipal de Educação”.

O termo aditivo é assinado pelo secretário municipal de Infraestrutura e Mobilidade Urbana, Cledson Sampaio Bittencourt. Engenheiro, ele atuou na Projetos e Consultorias de Engenharia Ltda e é proprietário da Drenar Engenharia Ltda.

A PCE elaborava projetos para a então Secretaria de Obras e Urbanismo, durante a gestão Rosinha, enquanto a Drenar trabalhava em conjunto com empreiteiras como a Odebrecht, empresa responsável pelo programa habitacional Morar Feliz, que foi bandeira de campanha da ex-prefeita e está no centro das delações premiadas da construtora.

Em nota, a Procuradoria do município informou que a administração pública atua com zelo e atenção a todos contratos do município, herdados ou não do governo anterior.

O órgão esclareceu, ainda, que se verificada qualquer irregularidade na prestação dos serviços, medidas administrativas e/ou judiciais serão tomadas imediatamente.

Arqueologia da corrupção Garotinho e Rosinha estão na cadeia pública José Frederico Marques, em Benfica, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Nos últimos dias, a unidade se tornou o novo centro nevrálgico da política fluminense. Uma espécie de Palácio Guanabara ou Palácio Tiradentes da corrupção. Estão lá, também, o ex-governador Sérgio Cabral, preso em 2016 durante a Operação Calicute, e os deputados Jorge Picciani e Paulo Melo, detidos juntos com Edson Albertassi na Operação Cadeia Velha. Os quatro são do PMDB.

Isso significa que os últimos três governadores do Estado e três presidentes da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) que concluíram seus mandatos estão presos por envolvimento em atos ilícitos. E a eles pode se juntar o atual comandante do executivo estadual, Luiz Fernando Pezão (PMDB). Suspeito de participar do esquema montado por Cabral, seu antecessor e padrinho político, ele continua no cargo em função de um recurso deferido pela Justiça. A decisão, entretanto, pode ser revista a qualquer momento.

São 20 anos de política fluminense encarcerados graças ao trabalho do Ministério Público e da Polícia Federal, que desenterram escândalos com a diligência de arqueólogos. E o Estado do Rio de Janeiro vem se mostrando um sítio repleto de surpresas.